Hoje, às 20h de Madrid, foi inaugurada no Museo Reina Sofia a tão aguardada retrospectiva de uma das mais importantes artistas da contemporaneidade: a genial, brasileira, LYGIA PAPE (Nova Friburgo, 1927 - Rio de Janeiro, 2004).
A mostra abriu simbólicamente com a realização da performance que a artista apresentou pela primeira vez no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ainda em 1968, intitulada "Divisor" (na foto), com a qual pretendia levar a cabo um trabalho colectivo que não dependesse exclusivamente da sua presença. Pape convidou cada observador a colocar a sua cabeça nos orifícios existentes num enorme tecido branco, que assim ligava todos os participantes como se fizessem parte de um corpo único, apenas se distinguindo/dividindo pelas cabeças que assomavam em cada abertura. Mas esta estratégia de apropriação criativa do espaço público (e da vida urbana) é apenas um dos muitos fios condutores de uma exposição que promete reavaliar internacionalmente um percurso ainda pouco conhecido fora do Brasil.
"LYGIA PAPE, Espacio Imantado" reúne cerca de 250 obras, entre pinturas, relevos, xilografias e performances, apresentadas através de objetos, vídeos e fotografias, assim como uma abundante produção cinematográfica, cartazes de filmes, poemas, colagens e documentos, que estarão expostos até 3 de Outubro de 2011. (continuar a ler sobre a exposição no Museo Reina Sofia, aqui)
E para saber mais sobre a Lygia Pape:
Projecto Lygia Pape (Associação Cultural organizada ainda em vida pela própria artista)
Enciclopédia Artes Visuais (Itaú Cultural)
Lygia Pape (primeira exposição individual em Portugal, na Galeria Canvas, Porto, 1999; na qual a própria Lygia montou uma "Tteia" de canto)
Lygia Pape em "Um Oceano Inteiro para Nadar" (Culturgest, Lisboa, 2000; tendo sido adquirida a obra "Banquete Tupinambá", do mesmo ano, para a Colecção da CGD)
Lygia Pape (mostra antológica no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2000)
"Lygia Pape. But I Fly" (exposição individual póstuma, na Galeria Graça Brandão, Lisboa, 2008)
Lygia Pape, 'Tteia I, C' (Bienal de Veneza, 2009)
Excerto do artigo publicado no jornal Expresso em Novembro de 2000, a propósito da exposição da artista em Serralves (na sequência da primeira individual na Canvas, em 1999, na qual foi possível testemunhar a montagem de uma 'Ttéia' de canto pela própria Lygia Pape):
LYGIA PAPE desde cedo integraria o Grupo Frente através de Ivan Serpa, com quem estudara, situando-se na dissidência carioca do Movimento Concreto brasileiro ao lado de outros artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica.
A sua obra inicial, das «Pinturas» aos «Relevos» realizados entre 1954/56, ensaiou primeiro o questionamento do suporte bidimensional, dissecando as relações sintáticas entre linha, forma e cor na obra pictórica, para partir à conquista do espaço aberto, animado pelos ritmos que sugerem a progressão da construção geométrica e pela flutuação dos motivos num campo alargado, sugerido para além das margens do plano pictórico.
Essa pesquisa centrada nos limites da pintura, e paralela às propostas de Oiticica e Clark, levaria Pape em direcção ao espaço real, não restrito ao carácter físico da obra em si, mas intervencionado de modo a constituir a parte de um ambiente específico, capaz de promover uma experiência sensorial plena e interactiva junto do espectador.
Deixa-se a tela, o muro, para ganhar o carácter multifacetado da vida. Recusa-se o exclusivo visual em favor da fruição multisensorial, promovendo o observador a agente activo, potenciador dos sentidos e significados últimos da obra de arte. Dos «Poemas Luz» e «Poemas Objectos», de finais dos anos 50, aos seus «Livros» - da Criação, da Arquitectura, do Tempo, já na viragem dos anos 60, é toda uma componente escultórica que se reforça, possibilitando o manuseamento do objecto, aliada à invenção de um léxico sem palavras. São formas e cores a conjugar pelo espectador-participante.
Outros trabalhos, como «Divisor» e «Ovo», ambos de 68, figuram como adereços expectantes, dependentes da acção humana para a sua efectivação. Outrora funcionaram como albergues de bailarinos ou músicos de samba, habitados em contextos performáticos de que agora apenas temos o registo documental como memória. Feitos de tecidos ou malhas tornadas membranas, cascas elásticas e frágeis vocacionadas para o envolvimento corporal total, não deixam de lembrar o vestuário para sambar de Oiticica («Parangolés»), as suas construções abertas a todas as sensorialidades («Penetráveis») ou mesmo os abrigos sinestésicos de Clark («Ninhos» e «Cosmococas»). A membrana que assim se resolve em divisões relativas e translúcidas remete ainda para as várias «Tteias» que Pape realizou já na década de 90, atestando uma inventividade inesgotável e a extrema coerência de uma obra desenvolvida ao longo de 50 anos de actividade.
A exposição permite ainda conhecer as suas incursões no domínio da dança e do cinema, apresentando os sólidos geométricos que pontuaram o espaço cénico dos seus «Ballets Neoconcretos» (1958/59) e integrando no ciclo de cinema brasileiro algumas das filmagens realizadas pela artista nas décadas de 60 e 70, dando expressão à riqueza transdisciplinar das suas propostas. Lúcia Marques