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"Unplace, Arte em Rede: Lugares-entre-Lugares" reúne trabalhos de Internet Art e projectos web-specific de artistas nacionais e estrangeiros, no âmbito do projecto Unplace. Com curadoria de António Pinto Ribeiro e Rita Xavier Monteiro, com a colaboração de Helena Barranha, Susana S. Martins e Raquel Pereira, a exposição parte da investigação desenvolvida pela equipa unplace e teve início, em 2014, com o Open Call para Projectos Artísticos, que procurou mapear “propostas artísticas que questionem as possibilidades de criação e recepção da obra de arte num espaço expositivo puramente virtual e em rede, num museu sem lugar”.
Participam os seguintes artistas: Ahmed El Saher (Egipto), Ai Weiwei (China) & Olafur Eliasson (Dinamarca/Alemanha), Alfredo Jaar (Chile/EUA), Art is Open Source (Itália), Clement Valla (França/EUA), Giselle Beiguelman (Brasil), MIIAC-João Paulo Serafim (Portugal), JODI (Bélgica/Holanda), John Barber (EUA), Paula Levine (Canadá/EUA), Thomson & Craighead (Reino Unido), Wilfredo Prieto (Cuba), Perry Bard (Canadá), LiMaC-Sandra Gamarra (Peru/Espanha) & Antoine-Henry Jonquères (França/Espanha), Hanna Husberg (Finlândia/Suécia) & Laura McLean (Austrália/Reino Unido), S.A.R.L. grupo (Portugal).
Nesta exposição, à distância de um clique, a visita pode ser aleatória, em que de um trabalho será levado a outro, ou por temática, com estes dois caminhos: Redes de Poder e Controlo e Espaço(s) de Ficção e Interacção.
A exposição está online até 19 de Novembro de 2015, aqui.
"A Circularidade do Quadrado", encenada pelo jovem encenador Dimitris Karantzas, adapta à cena um texto do consagrado autor grego Dimitris Dimitriadis,que apresenta onze pessoas de diferentes géneros, gerações e preferências sexuais que partilham uma necessidade irresistível: ser amadas. A peça sensação do Festival de Avignon em 2014 apresentou-se no Próximo Futuro nos dias 14 e 15 de Setembro, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
"Chiflón, el Silencio del Carbon", pela Companhia chilena Silencio Blanco, é um espectáculo que narra a vida dura de uma família mineira, sem palavras, através da expressividade das marionetas brancas, de papel. Esteve em cena no Próximo Futuro entre 9 e 13 de Setembro, no Grande Auditório e na Casa-Arquivo.
"Vou lá Visitar Pastores", encenado e interpretado por Manuel Wiborg, a partir do texto de Ruy Duarte de Carvalho, estreou em 2003 na Culturgest e foi reposto no Próximo Futuro, de 6 a 8 de Setembro de 2015. Um espectáculo em torno da obra do antropólogo e escritor, com vídeos e imagens cedidos pelo próprio, que viajou por território Kuvale, em Angola, registando e reflectindo sobre aquela sociedade pastoril.
Carlos Rodrigues aka Kabeção é um músico, tocador de hang/handpan, multi-percussionista português, compositor, artista de rua e fabricante de instrumentos. No passado dia 10 de Setembro, encantou uma audiência que esteve na Casa-Arquivo para ouvir as suas criações nos sons do hang.
"El Loco y La Camisa", pela Compañía Banfield Teatro Ensamble, com encenação de Nelson Valente, apresentou-se no Próximo Futuro, no Teatro Aberto, entre os dias 5 e 7 de Setembro de 2015.
A Casa-Arquivo foi a estrutura criada para receber alguns dos eventos da última edição do Próximo Futuro, entre eles o Ciclo de filmes de curta e média metragem e diaporamas, entre os dias 4 e 11, e a conversa sobre Pachamama: a Lei da Mãe-Terra, com Viriato Soromenho-Marques e Nayibe Gutierrez Montoya, com moderação de Aurora Carapinha, dia 9 do mesmo mês. De Papel, o espectáculo para a infância apresentado em parceria com o programa Descobrir, animou um público mais jovem no Auditório ao Ar Livre, nos dias 12 e 13 passados.
CICLO DE FILMES DE CURTA E MÉDIA METRAGEM E DIAPORAMAS, Casa-Arquivo
PACHAMAMA: A LEI DA MÃE-TERRA, Casa-Arquivo
DE PAPEL, DA COMPANHIA SILENCIO BLANCO (Chile), Auditório ao Ar Livre
"Espírito Radical", da Orquestra de Câmara Portuguesa, com direcção e percussão de Pedro Carneiro, foi o primeiro concerto da programação de Setembro do Próximo Futuro, dias 4 e 5. Ouviram-se Okho, de Xenakis, e Workers Union, de Andriessen, num espectáculo que juntou músicos e público no palco e onde se leram frases de Frantz Fanon e Amilcar Cabral.
Amanhã, dia 17 de Setembro, em parceria com o Próximo Futuro, apresenta-se no Cine-Teatro Louletano, "Chiflón, el Silencio del carbon", pela Companhia Silencio Blanco.
Em Lisboa, a Casa-Arquivo continua visitável no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, e é ainda possível fazer uma visita online à exposição virtual "Unplace, Arte em Rede: Lugares-entre-Lugares" do projecto Unplace.
Imagem: Maryam Jafri, ‚The Day After‘, detail of Maryam Jafri, ‚Idenpendence Day 1934 – 75‘, 2009, ongoing at Bétonsalon Cenzre for art and research, Paris, 2015 (c) Aurélie Molle
A exposição "The Day After", de Maryam Jafri, em Paris, reúne uma série de fotografias do dia seguinte à independência em países outrora colonizados. O projecto é também um exemplo de trabalho colaborativo entre artistas e o meio académico. A Contemporary and entrevista Virginie Bobin, uma das curadoras:
Gauthier Lesturgie : “The Day After” is collective in its purpose and realization, but it is also a collaboration between different organizations involved in the project. Can you explain the role of each of the actors who made this project, and how the collaborations worked? Did you follow a specific plan?
Virginie Bobin : Every project developed at Bétonsalon – Centre for Art and Research forms around collaborations and partnerships that allow the sharing of knowledge and resources, from a micro-local to an international level. Our aim is to create interactions between artistic and academic research, by creating the conditions for encounters between people who work in different fields and contexts. We believe that “research” can take many different forms, and that shifting the boundaries between disciplinary categories or networks can only encourage the production and sharing of knowledge. Bétonsalon is at the interface between the university we inhabit and the “art world” in which we operate. We can act as a mediator between the two, and with multiple collaborations around a project we can multiply the chance encounters and the circulation of ideas.
For “The Day After,” several groups of collaborators/partners were established. Short- and long-term research collaborations with Paris 7 University, for instance, as well as the UDPN network – a 3-year, collaborative research project that brings together several departments of universities across Paris to investigate the “uses of heritage” in relation to digitization, a question Bétonsalon has been concerned with for a while. (See the project from 2013,Something More Than a Succession of Notes). For us, these collaborations are an important way of sustaining long-term research in dialogue with academics and students, while giving a greater visibility to the artist’s work and facilitating conversations and crossover points.
Our role is also to ensure that the projects live on after an exhibition at Bétonsalon. For “The Day After,” we established a co-production partnership with Tabakalera (San Sebastian, Spain), which will tour the exhibition in April 2016. The team at San Sebastian will work closely with Maryam Jafri in the months prior to the exhibition, as we did here, to develop specific research aspects and new contributions. The exhibition will also tour to Blackwood Gallery in Toronto (Canada) in 2016, and Maryam is working on an artist’s book that will be partly shaped by all the above-mentioned conversations.
(...)
GL : The collected photographs of Independence Day : 1934-1975 are displayed in a large mosaic on one of the main exhibition walls. Originating from several archives in former colonized countries in Africa and Asia, they are shown out of geographical context, as part of an archive of archives. This extensive selection makes Independence Day very open to external interventions and comments. Was it decided from the beginning that Independence Day would constitute the starting point of the project?
VB : Independence Day 1934-1975 is a densely layered work, which triggers multiple questions about the way history is framed by its representations, about the role of photography in the dissemination of its narratives, and about the way the processes of independence were and are perceived in different contexts, national or non-national. The status of these images today is also important… So yes, from the very start we wanted to inscribe the work in a broader perspective and assemble materials in a constellation that would highlight multiple, albeit subjective and fragmentary, possible readings. As I have said, we already had an amazing source of materials in the work of all the researchers who helped Maryam since 2009. It was also very important that neither I.D. 1934-1975 nor the materials surrounding it would be dormant, hence the vivid program of workshops, talks and events to activate them, to generate frictions, to open alternative or even contradictory vantage points. This explains the very open title, “The Day After.”
A entrevista completa em Framing History
Angélica Freitas é um dos mais significativos nomes da novíssima poesia brasileira. Esteve no Próximo Futuro em 2014, na Festa da Literatura e do Pensamento da América Latina, na mesa dedicada à poesia. Agora, o seu primeiro livro acaba de ter edição em Portugal, pela Douda Correria, com capa de Luís Manuel Gaspar. O lançamento, no passado dia 12 de Setembro, no Bar A Barraca, contou com leituras de Margarida Vale de Gato e Miguel Cardoso, uma conversa via skype entre a autora e a jornalista Alexandra Lucas Coelho e uma actuação d' O Copo, com Paulo Condessa e Nuno Moura.
rilke shake
Angélica Freitas
salta um rilke shake
com amor & ovomaltine
quando passo a noite insone
e não há nada que ilumine
eu peço um rilke shake
e como um toasted blake
sunny side para cima
quando estou triste
& sozinha enquanto
o amor não cega
bebo um rilke shake
e roço um toasted blake
na epiderme da manteiga
nada bate um rilke shake
no quesito anti-heartache
nada supera a batida
de um rilke com sorvete
por mais que você se deite
se deleite e se divirta
tem noites que a lua é fraca
as estrelas somem no piche
e aí quando não há cigarro
não há cerveja que preste
eu peço um rilke shake
engulo um toasted blake
e danço que nem dervixe
Imagem: Vassilis Makris
Estreia, no Próximo Futuro, na próxima 2ª feira, a peça A Circularidade do Quadrado, de Dimitris Karantzas. São duas apresentações únicas sobre a peça que chamou a atenção no Festival de Avignon, em 2014. O Público faz a reportagem:
Uma alegoria?
A peça foi escrita em 2006, muito antes da crise, portanto, lembra o autor. Mas, acrescenta, “esta crise, com o seu lado financeiro, é também uma crise da linguagem. Os políticos têm como instrumento principal a língua, como meio de mentira, para dizerem o contrário do que pensam.” Dimitriadis prossegue: “Dir-me-ão que todos os homens políticos mentem, mas no caso desta esquerda inominável, o reino da mentira, na sua forma mais vergonhosa, conduziu a um desastre nacional sem precedentes.” As personagens de A Circularidade do Quadrado vão enredando cada um dos seus parceiros numa teia de palavras tecida pela cupidez e pelo egoísmo, que manipula e anula o outro, ao ponto de suprimir as suas falas. “O tema da minha peça tem a sua fonte original numa situação de interacção humana similar, que é, sem dúvida, também política e social.” Para Dimitriadis, os gregos têm necessidade, tal como as personagens da peça, de uma renovação da dignidade da língua, para poder chegar a dizer as palavras que dizem o que significam e não o seu contrário. “Às vezes, o teatro, a forma dramatúrgica, tem a aptidão de captar uma realidade que não pertence ainda ao presente da sua escrita, porque a sua função verdadeira é a escavação mais profunda das coisas humanas”, remata o autor.
O espectáculo está dividido em quatro partes, explica Karantzas: Acordo,Representação, Levantamento e Reconciliação. Esta é a dramaturgia da peça que, para o encenador, segue uma lógica similar à da vida. As personagens primeiro descobrem os seus padrões de comportamento, depois revêem esse lastro de atitudes, que aos poucos se revela insuportável, uma armadilha na qual se aprisionaram a si mesmos, quer como actores, quer como personagens. É a noção desta prisão que os faz reagir, enxugando falas e diálogos e acabando por fundir as quatro histórias numa só. Do cansaço, as personagens passam à reconciliação, à “aceitação de si mesmos, à aceitação do outro, ainda que o outro seja o próprio opressor deles.”
O que interessa ao encenador, neste espectáculo, é o modo como cada indivíduo, com o seu lastro pessoal, dialoga com os elementos da dita personagem. “Isso é que é interpretação, e não ilustrar uma personagem estática e pronta.” E é também isso que, acredita Karantzas, mantém o palco vivo: “A revelação da personalidade de cada actor, com o que ele tem de fazer no momento exacto da aCtuação. Não é um esforço de distanciamento, mas de duplo engajamento.”
O texto completo em "Nada do que é grego nos é estranho", por Jorge Louraço Figueira
ODC Ensemble. Re-Volt Athens. Photo by Alex Kat
A apenas alguns dias da estreia em Lisboa da peça aclamada no Festival de Avignon, A Circularidade do Quadrado, do jovem encenador Dimitris Karantzas, trazemos informação de outros sinais da vitalidade artística da Grécia.
Elli Papakonstantinou é directora artística e teatral do espaço Vyrsodepseio, um espaço dedicado à criação contemporânea em Atenas. Nesta entrevista dá conta da vitalidade do ambiente cultural grego, na actualidade.
HBM: What is the role of VYRSO in Athens? How do you connect with the city and its inhabitants?
EP: The involvement of local communities and volunteers is essential to the artistic work of ODC Ensemble and Vyrsodepseio. Mixing professionals and amateurs on stage (approximately twenty citizens have joined the company), including communities in the creation process or in the functions of the space is a way to accomplish things together in times where individuality leads nowhere.
Also, the company launched a network of volunteers, artists and activists in different disciplines (theatre, music, dance, visual art, film/video, literature and architecture) in order to create an exchange leading towards the generation of new aesthetics.
VYRSO is situated in a neglected post-industrial area in the heart of Athens, ignored by most Athenians until the project was launched. But, in reality, it is a very lively area with a particularly interesting human geography: two gypsy camps and a strong Afghan community coexist with the local sub-proletarians and the so-called white trash. This is not a no-man’s land after all!
In one sense, the VYRSO project is also a means for Athenians to discover ANOTHER city and its inhabitants. Real people live and work in an area from which industries moved and stray dogs bark in the streets at night. The drive to VYRSO is an experience in itself for most of the audience, “preparing” them for an artistic experience intended (as stated in the ODC manifesto) to destroy theatrical expectations. This holistic experience of dissociation wished to launch Athenian citizens into a dynamic political dialogue in order to embrace change and new potential.
I personally detest the term “community work” and its practices stemming from a centralized authority aimed at controlling social deviation under the pretext of “generous pay-back or volunteer work”.
VYRSO does no community work, VYRSO is a community work as it is the result of a generalized urge to: A) survive collectively B) create new structures and explore the potentials and power of a new way of political thinking in art production, and also in rehearsals.
A entrevista completa aqui
Kamel Daoud, jornalista e escritor convidado do Próximo Futuro em Junho de 2015, onde marcou presença no debate sobre os 4 anos da Primavera Árabe, assina uma crónica sobre o tempo e a situação política da Argélia.
Le temps tuera mais jamais avec ses mains. On ne peut pas le tuer. On enfonce le couteau, le vieux tigre à chiffres abroge la lame, l’entoure de rouille et la transforme en feuille morte puis se relève et va glissant de peau en peau. La prière est une recette ancienne pour perforer la peau du temps : lancer la main suppliante vers la berge du ciel, essayer de se traîner hors de l’écoulement, ramper vers le Dieu choisi comme amarre, puis lentement se faire absorber par le sable mouvant et revenir vers la broyeuse insonore. Les drogues aussi perforent le temps. Mais ne le tuent pas. Il s’y adapte et finit par en investir les alvéoles creuses, imposer ses chiffres distendus comme des caoutchoucs puis réimposer le décompte. Au sein même de la rime. La littérature aussi : créer contourne l’éternité. Les dieux en usent puis s’enferment déçus. Reste le sommeil. Une façon de flotter dans une horloge mais cela ne dure pas.
Tuer le temps. Toute la journée. Puis se tuer en lui. Elever les livres en colonnes pour le vaincre. Construire et ériger. Dessiner de lourdes peintures ; mais il finit par vaincre.
O texto completo em Chronique anachronique
Fim do Próximo Futuro: "Queremos sempre algo que não existe"
Gulbenkian. Onze dias a pensar a condição humana através das práticas artísticas fecham a programação de António Pinto Ribeiro
"Aos poetas e aos accionistas também ocorrerá que estão a mexer na substância do mundo e na condição dos homens como ninguém o terá feito antes ou pelo menos da sua exata maneira" As palavras são de Ruy Duarte de Carvalho (1941- 2010), incessante fazedor de uma "teoria pessoal dos horizontes onde cabe tudo" que Manuel Wiborg ilumina em Vou Lá Visitar Pastores, pela segunda vez, agora incluindo textos de "Mensagens de Swakopmund" (missivas publicadas na revista Granta). "Homenageio o Ruy que está no fim da sua vida e pensa em si próprio, finalmente, quando antes pensava no Outro", diz o encenador. Antes de ser uma obra de definição esquiva do pensador, poeta, regente agrícola, cineasta e filósofo nascido em Santarém e feito angolano - como sucede a várias obras dele, há quem aponha na prateleira da antropologia, outros da literatura, outros dos livros a nunca perder de vista- e antes também do programador António Pinto Ribeiro a ter proposto a Manuel Wiborg como matéria-prima de uma peça-conferência a encenar e apresentar na Culturgest em 2004, Vou Lá Visitar Pastores foi um caderno de iniciação, cassetes gravadas, desenhos, longo mapa traçado pelo escritor para um companheiro de viagem, jornalista, que nunca chegou a aparecer para conhecer essa Angola outra, acabando depois por se tornar uma "exploração epistolar de um percurso angolano em território Kuvale" (como consta do título original publicado pela Cotovia em 1999).
Pistas, uma geografia sentimental do espaço e do tempo, um olhar sobre o outro que é uma maneira de nos vermos a nós próprios, Vou Lá Visitar Pastores é uma espécie de obra-mundo perfeitamente adequada ao fecho em aberto de uma história chamada Próximo Futuro que António Pinto Ribeiro programou na Fundação Calouste Gulbenkian desde 2009 e que agora termina - o programador demitiu-se em abril em desacordo com "a orientação programática da fundação" (declarou à Lusa, na altura). É uma cartografia para o amanhã que acaba (não acabando) com um programa fortíssimo que interpela o aqui e agora através das várias práticas artísticas e, ao mesmo tempo, celebra os 40 anos de independência de Angola. Muxima, o filme de Alfredo Jaar cujo título significa coração em kimbundu, arranca a programação de cinema esta tarde na Casa Arquivo - instalada no jardim e construída com as memórias das edições passadas -, amanhã chega Barcearia, diaporamas de João Dongo e António Júlio Duarte sobre as lojas que têm de tudo um pouco no Mindelo, e a fechar o ciclo há de mostrar-se Um olho para Ver, Outro para Sentir, curtas de Madalena Miranda, Miguel Coelho, Rita Forjaz e Susana Marques que regressam a África, cada um à sua maneira. O mesmo olhar fortemente político e humano impregna o concerto de abertura, logo à noite, no Grande Auditório da FCG. Em OCP: Espírito radical!, um espetáculo concebido por Pedro Carneiro e Pinto Ribeiro, a Orquestra de Câmara Portuguesa interpreta Ohko, de Jannis Xenakis (emigrante grego nascido na Roménia que a escreveu em França para instrumentos africanos), e Workers Union, de Louis Andriessen. O espetáculo convida os espectadores a participarem na leitura, ao vivo, de textos de Amílcar Cabral e Frantz Fanon, numa celebração do exemplo que Pedro Carneiro evoca no programa: "A música tem sido para mim uma extraordinária viagem e um exemplo de democracia e ética. No momento da sua prática todos os músicos em palco são iguais, o seu valor individual é apreciado em função das suas qualidades morais: o compromisso, a preparação, a presença de espírito, a integridade, ética e inteligência com que se exprimem."
O grande teatro do mundo e o outro que somos nós
As dramaturgias que fecham o Próximo Futuro apontam para lá de qualquer fim, para uma geografia que transcende fronteiras. São visões da humanidade a fazer a matéria do teatro que vem do Chile ou da Grécia e que traz para o nosso aqui e agora a Argentina ou Angola. Além de Vou Lá Visitar Pastores (Ruy Duarte de Carvalho por Manuel Wiborg, de 6 a 8 no Anfiteatro ao Ar Livre da FCG), há ElLocoy La Camisa (de 5 a 7 no Teatro Aberto) , peça referência do teatro independente argentino que inclui os espectadores no espaço da representação para falar de loucura e outras normalidades. "Uma família esconde o seu louco de todas as formas possíveis. Esconde-o de fora e de dentro", escreve o encenador Nelson Valente em modo de apresentação deste trabalho da Companía Banfield Teatro Ensamble, que esteve cinco temporadas consecutivas em cena em Buenos Aires, além de rodar comloas - pelos festivais internacionais.
Do Chile chega De papel e Chiflón, El Silencio del Carbón, uma narrativa capaz de falar a diferentes públicos (e por isso programada nas noites de 9 a 11 no Grande Auditório e, para os mais miúdos, nas tardes de 12 e 13 na Casa Arquivo) sem dizer uma palavra. Releitura da história de um jovem mineiro obrigado a trabalhar numa das mais perigosas regiões do mundo (obra do autor chileno Baldomero Iillo), transmutada pela Companhia Silencio Blanco em marionetas de papel, a peça conta o heroísmo diário dos esquecidos do mundo. A"qualidade implacável da vida" e a "crueza do amor" são a matéria feroz de que é feitayl Circularidade do Quadrado, do dramaturgo e ativo pensador grego Dimitris Dimitriadis, levada ao palco por Dimitris Karantzas, revelação da encenação grega com talento abençoado em Avignon.
A peça, encenada "como uma eterna canção de expectativa e desilusão", afirma pela boca de uma das personagens: "Queremos sempre algo que não existe. Deitamos as nossas vidas fora assim, mas não há outra maneira de as tornar nossas." Evidências a confirmar nos derradeiros dias do Próximo Futuro (14 e 15 no Grande Auditório), na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
MARIA JOÃO GUARDÃO, Diário de Notícias, 4 de Setembro de 2015
A última edição do Próximo Futuro tem uma programação marcada pelo teatro, com peças de Portugal, Argentina, Chile e Grécia. João Carneiro escreveu sobre as escolhas do programador António Pinto Ribeiro.
O silêncio do futuro
O teatro desta edição do Próximo Futuro, com ecos da América do Sul e de África, sugere hoje que pensemos no futuro próximo
TEXTO JOÃO CARNEIRO
O programa de teatro desta edição do Próximo Futuro inclui um espetáculo chamado "Chiflón, El Silencio Del Carbón". É uma adaptação do conto "El Chiflon del Diablo", do autor chileno Baldomero Lillo, e é apresentado pela companhia chilena Silencio Blanco. Tratase, em resumo, da história de uma mina que colapsa e de um mineiro que é despedido, e que vai procurar trabalho em Chiflón del Diablo, local de exploração mineira considerado altamente perigoso. As minas são de carvão. E o que está em causa, além dos sacrifícios de quem tem de trabalhar em terríveis condições para poder subsistir e manter a família, é a espera da mulher do mineiro. Voltará, não voltará? Já a "Odisseia" não é outra coisa, Penélope a esperar por Ulisses, e Ulisses a fazer tudo para regressar a casa e ver a mulher e o filho. Outra ideia me atravessou o espírito ao ler as notas sobre este espetáculo, a espera de uma menina que fica escondida num subterrâneo, no gueto de Varsóvia, enquanto a mãe vai trabalhar nas fábricas nazis.
Regressa, não regressa? O pai já tinha desaparecido, e um dia a mãe não regressa. Felizmente, a rapariga consegue salvar-se, tornou-se médica em França, e além de duas apaixonantes autobiografias investiga e escreve sobre a resistência no gueto de Varsóvia. E é uma pessoa maravilhosa, alegre e sociável. "Silencio Blanco" é uma companhia de marionetas, brancas, de papel, basicamente. É dirigida por Santiago Tobar e não usa palavras. Comunica por outros meios, e comunica de maneira extraordinariamente eficaz, como só a arte consegue fazê-lo. Nesta edição do Próximo Futuro apresenta ainda o espetáculo "De Papel", aconselhado também a quem ainda não se tenha transformado em pedra ou molusco. Há mais teatro, nesta edição. "El Loco y la Camisa", de Nelson Valente, também o encenador, pela companhia Banfield Ensamble, de Buenos Aires; "Vou lá Visitar Pastores", de Manuel Wiborg, a partir do livro com o mesmo nome, de Ruy Duarte de Carvalho, sobre os Kuvale, uma sociedade pastoril do sudoeste de Angola; e há "A Circularidade Do Quadrado", do grego Dimitris Dimitriadis, encenado por Dimitris Karantzas.
Os gregos, por esta via, tentam falar-nos sobre a família, o desejo de felicidade e as relações com outros, mesmo quando são ligeiramente diferentes de nós, assuntos que lhes são familiares, e a nós também deveriam ser. Esta edição do Próximo Futuro é a última deste programa, um modelo e um exemplo em si mesmo, que desde 2009 vem, ao longo de cada ano, refletindo sobre o estado do mundo atual, nas artes em geral, e no pensamento em geral, da filosofia à crítica, na teoria e na prática. Acabando, deixa-nos também à espera, como a mulher do mineiro, do que lá vem. O presente é sombrio, as perspetivas são más. Mas a arte e o pensamento são uma promessa de felicidade, a até a rapariga do gueto de Varsóvia conseguiu sobreviver.
João Carneiro, Expresso
A programação do Próximo Futuro, a decorrer, até 15 de Setembro, encerra o programa que trouxe a Lisboa à investigação e criação na Europa, em África, na América Latina e Caraíbas. Em entrevista, António Pinto Ribeiro, programador-geral, faz o balanço.
O que é que o Próximo Futuro (PF) deixa na Gulbenkian e fora dela?
O PF deixa para todos os que nele participaram, em Lisboa e fora de Lisboa, uma nova representação de África e da América Latina, outro modo de fazer programação que pode ser diferente de uma certa mesmização europeia, a prova de que a crítica e a festividade podem muitas vezes ser consonantes. Deixa também um conjunto imenso de memórias pessoais e comunitárias resultantes do que nos foi possível colocar de novo no mundo: as lições de Alain Pauls, os toldos de sombras e de desenhos, a emergência do teatro chileno, os concertos no anfiteatro, o novo cinema árabe ao ar livre, a dança uruguaia, Breyten Breytenbach, as múltiplas edições de debates nas tendas, as fotografias vindas de África, os inéditos bailes na garagem...
O artigo completo em Programa Próximo Futuro chega ao fim
Começa hoje a última edição do Próximo Futuro, que termina dia 15 de Setembro. A Sapo faz os destaques de uma programaçao que traz música, cinema, teatro e um debate.
No concerto, com conceção do programador António Pinto Ribeiro, e do maestro e músico Pedro Carneiro, vão ser interpretadas as peças "Okho", de Iannis Xenakis, e "Workers Union", de Louis Andriessen, a partir das 21:30, no grande auditório da fundação, repetindo no sábado, às 19:00.
Esta sétima e última edição apresentou uma primeira programação cultural em junho, e entre sexta-feira e 15 de setembro decorre a de encerramento, ambas desenhadas por António Pinto Ribeiro antes do desentendimento com a fundação, que levou à sua demissão, em abril deste ano.
De acordo com a programação, o público vai ter a possibilidade de partilhar o palco com a OCP através da leitura de textos selecionados de Amílcar Cabral e Frantz Fanon.
Na Casa-Arquivo, uma construção temporária no Jardim Gulbenkian, realiza-se o ciclo de curtas e médias metragens, nos dias na sexta-feira, durante o fim de semana e ainda no dia 11 de setembro, com a exibição, entre outras, das películas "Muxima", de Alfredo Jaar, e "Conga Irreversible", de Los Carpinteros.
O artigo completo aqui
O escritor moçambicano Mia Couto foi distinguido, no passado dia 2 de Setembro, com atribuição do tíulo de Doutor Honoris Causa em Humanidades pela Universidade A Politécnica, em Maputo. No seu discurso, fez um apelo pela paz, num país que viu ressurgir o fantasma do regresso da guerra.
O LIVRO QUE ERA UMA CASA A CASA QUE ERA UM PAÍS
Todos os povos amam a Paz. Os que passaram por uma guerra sabem que não existe valor mais precioso. Sabem que a Paz é um outro nome da própria Vida. Vivemos desde há meses sob a permanente ameaça do regresso à guerra. Os que assim ameaçam devem saber que aquele que está a ser ameaçado não é apenas um governo. O ameaçado é todo um povo, toda uma nação.
Pode não ser este o momento, pode não ser este o lugar. Mas é preciso que os donos das armas escutem o seguinte: não nos usem, a nós, cidadãos de Paz, como um meio de troca. Não nos usem como carne para canhão. Diz o provérbio que “sob os pés dos elefantes quem sofre é o capim”. Mas nós não somos capim. Merecemos todo o respeito, merecemos viver sem medo. Quem quiser fazer política que faça política. Mas não aponte uma arma contra o futuro dos nossos filhos. É isto que queria dizer, antes de dizer qualquer outra coisa.
Que me seja perdoado este empolgado introito. Que me seja perdoada a falta de etiqueta que deveria começar por saudar a presença do Presidente da República, o Presidente Jacinto Filipe Nyussi. Na verdade, Excelentíssimo Presidente, talvez eu tenha adiado esse momento porque um escritor não deveria nunca declarar-se sem palavras. Na verdade, sabendo da sua intensa e preciosa ocupação, eu não encontro palavras para lhe agradecer a honra da sua presença.
O que quero dizer é saudar o seu apelo para repensarmos o modo como nos concebemos como povo e como nação. Queremos ser parte desse esforço, queremos aprender a ser um país que não exclui, um país plural e diverso. Queremos ajudar a construir uma nação que assume, sem medo, as suas diferenças. Esta nova atitude pode ser a cura para uma espécie de autismo de que vínhamos padecendo. Quero saudar a presença do Presidente Joaquim Chissano, é um prazer imenso reveê-lo.
É difícil imaginar quanto, mesmo ouvindo, podemos ser surdos. Seletivamente surdos. Escutamos os que nos são próximos, escutamos os que nos obedecem, escutamos o que nos agrada ouvir. Escutamos os do nosso partido, escutamos sobretudo quem não nos critica. Tudo o resto não existe, tudo o resto é mentira, tudo o resto é calúnia. Tudo o resto é proferido pelos “outros”. E é quase um paradoxo: porque se ocupam páginas inteiras dos jornais a dizer que os “Outros” não devem ser ouvidos. Gastam-se horas de programação radiofónica e televisiva para dizer que os outros não disseram nada. Esses “outros” que querem questionar o que fazemos, esses outros são “estranhos”, a caminho mesmo de serem “estrangeiros”. A verdade, porém, é que ninguém pode anular a existência desses “outros”. Ninguém pode negar que são moçambicanos. Ninguém pode saber se têm razão se não deixarmos que falem livremente. Esta é a grande lição do Presidente Nyussi que entendeu reconciliar uma nação apartada de si mesma. É ele que nos lembra que esses que dizem “não”, são da mesma família dos que dizem “sim”. Esta é uma mesma família que dispõe de uma única casa. Não existe outro lugar, não existe outro destino senão este que dá pelo nome de Moçambique.
O discurso completo aqui
O Jornal Público destaca o teatro na programação de Setembro do Próximo Futuro, sem deixar de dar visibilidade aos concertos, cinema e conversa: um conjunto de iniciativas de reúne criadores e pensadores nacionais e estrangeiros durante mais de 10 dias de actividades. Programação de António Pinto Ribeiro.
Entre 5 e 7 de Setembro, no Teatro Aberto, El Loco y la Camisa será a primeira peça de teatro a integrar o programa (segue para Loulé dia 10). O espectáculo da companhia argentina Banfield Teatro Ensamble, encenado por Nelson Valente, cumpriu cinco temporadas em Buenos Aires, sendo um dos maiores sucessos recentes do teatro independente argentino, e põe-nos diante de uma família desesperada por esconder de todas as formas possíveis o louco que lhe calhou em sorte. Da América Latina chegará ainda o teatro de marionetas chileno da companhia Silencio Blanco, de 9 a 13 de Setembro. O silêncio no nome da companhia indica precisamente uma das ferramentas criativas deste colectivo que trabalha com marionetas de papel, aqui ao serviço de Chiflón, el Silencio del Carbón, a história baseada num conto de Baldomero Lillo e que segue um jovem mineiro obrigado a trabalhar numa mina pouco recomendável. A 12 e 13 os chilenos apresentarão ainda De Papel, espectáculo para a infância.
A partir da obra do escritor e antropólogo Ruy Duarte de Carvalho, Vou Lá Visitar Pastores (6, 7 e 8) estabelece uma ponte para assinalar os 40 anos da independência de Angola. Encomendada originalmente pela Culturgest em 2003, a encenação de Manuel Wiborg debruçar-se-á sobre a vida e o meio dos kuvale, valendo-se de desenhos, fotografias e vídeos documentados pelo autor naquelas terras, adicionando uma dimensão visual recolhida junto do espólio pessoal de Ruy Duarte de Carvalho e aproximando o texto do registo do teatro documental.
O texto completo Prato forte de teatro na despedida do Próximo Futuro
©Vassilis Makris
Uma equação erótica de paixão e desespero: onze pessoas de diferentes géneros, gerações e preferências sexuais que partilham uma necessidade irresistível: ser amadas. Este é o mote de "A Circularidade do Quadrado", peça encenada por Dimitris Karantzas que poderá ver, em duas exibições únicas, em Lisboa, no Próximo Futuro, e que chamou a atenção da crítica no Festival de Avignon, em 2014:
Mais, au-delà du texte sublime de Dimitriadis, c’est la mise en scène de Karantzas qui est à applaudir : mêlant la subtilité et la finesse à la force et à la radicalité, il n’épargne ni ses comédiens, ni le spectateur. Trois heures de spectacles sans entracte : en mettre un aurait été absurde au regard de la spirale sans fin dans laquelle tous -spectateurs et personnages- sont embarqués. Une longue première partie expose les situations des couples. Pendant celle-ci, les lumières de la salle restent allumées, comme pour signifier -aux propres dires de Karantzas- que les situations exposées sur scène par les personnages sont aussi celles que pourraient vivre lesquidam de la salle. D’ailleurs, sur scène, Karantzas opte pour une mise en scène au parti pris déroutant : les personnages ne semblent pas être eux-mêmes, ils ne vivent pas ce qu’ils racontent, ils le disent. On a alors sur scène des comédiens qui semblent incarner des comédiens qui s’observent, s’écoutent raconter des situations de couples ordinaires, récitant le texte, presque à l’italienne. Le cadre est posé : ce qui va se vivre est universel, nous sommes « embarqués » dans ce qui nous concernent tous.
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Imagem: © Mariana Fossatti
Dia 5 estreia-se em Portugal, no Próximo Futuro, a peça El Loco y La Camisa, apresentada no Teatro Aberto, encenada por Nelson Valente, da companhia argentina Banfield Teatro Ensamble. Adela Romero, professora de representação especializada em artes cénicas, fez a critíca do espectáculo:
Me interesa que vos de verdad te creas que eso que estás viendo es una familia. Adentro de esa familia hay un emergente que de alguna manera encarna la locura familiar y la pone de manifiesto. Todos esos personajes están medios tocados y hay uno que lo muestra de manera verdadera. Esa familia supuestamente vive según los cánones sociales: el interés por el dinero, las apariencias, la mentira. Y eso es lo que consumimos a diario.
Valente, Nelson (Autor/director)
Un espectáculo llevado a escena con una dramaturgia y estética realistas que pone al espectador en la obligación de profundizar en ese realismo. Nelson Valente autor y director de la pieza, presentó en 2009 la obra en un apartamento para una audiencia de sólo 20 espectadores incorporados a la escena. Plenamente justificado en una obra que erige personajes esterotípicos que conforman una familia disfuncional en la que se entrelazan: la locura, la violencia doméstica y el hastío en la convivencia familiar que solapan el verdadero drama trágico de esta historia: la mentira que posee a cada uno en su especificidad; menos al loco, quien ademas no tiene filtros, ni para ver ni para decir la verdad. La obra desnuda bajo una lupa las relaciones y vínculos de esta familia que intenta esconder al hijo loco, mientras este devela las verdades de todos.
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© Nuno Patinho
Manuel Wiborg encena e interpreta a adaptação ao palco da obra Vou Lá Visitar Pastores, de Ruy Duarte de Carvalho. O actor falou com o Jornal de Negócios sobre o projecto, que estreou em 2003, na Culturgest, e sobre o seu percurso.
"Não me peçam nem que ajude a domesticá-los nem que faça causa da preservação dos seus modelos e sistemas, que dessa maneira não seriam os deles". Este é um excerto do texto "Vou lá Visitar Pastores", adaptado da obra de Ruy Duarte de Carvalho, que fala sobre os pastores Kuvale, do sudoeste de Angola. "Ele quer mostrar que é ali que está a verdadeira população de Angola. E não nos dirigentes políticos que acumulam carros nos jardins", diz o actor e encenador Manuel Wiborg, que vai repor a peça nos dias 6,7 e 8 Setembro no anfiteatro ao ar livre da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do programa "Próximo Futuro". Criada em 2004, a peça estreou na Culturgest e foi adaptada, então, por Rui Guilherme Lopes. Agora, ao texto original, Manuel Wiborg acrescenta fragmentos das "Mensagens em Swakopmund", textos . pessoais de Ruy Duarte de Carvalho, escritos naquela cidade da Namíbia, onde morre em 2010. Manuel Wiborg, actor e encenador de teatro, cinema e televisão, dá voz a este homem que muito admira.
A peça "Vou lá Visitar Pastores", uma adaptação da obra de Ruy Duarte de Carvalho, foi criada em 2004 a convite do António Pinto Ribeiro para o festival "Mais a Sul", na Culturgest. Quando li o livro, fiquei encantado. A obra não é só um romance, não é só um livro de antropologia, não é só um livro de filosofia, nao é só um livro de poesia. A obra é tudo isso. O Ruy Duarte de Carvalho não era apenas escritor e poeta. Ele era antropólogo, era realizador, era pintor. Ele fotografava, ele recolhia materiais e fez um trabalho de fundo junto dos pastores Kuvale, do sudoeste de Angola, onde passou muitos anos, e onde, no fundo, ele se exilou. No fim da vida, ele sai do Namibe, antiga Moçâmedes, atravessa a fronteira para a Namíbia e instala-se em Swakopmund, onde fica a viver, por cima de um centro de saúde. Ele já estava muito doente. Morre quando volta da ilha de Santa Helena. Era o sonho dele, ir a Santa Helena. No regresso, do aeroporto da Cidade do Cabo, ele telefona ao filho, Luhuna Carvalho, e à mãe do filho, Rute Magalhães. Morre nessa noite, em Swakopmund.
Entre 2009 e 2010, o Ruy Duarte de Carvalho envia vários "e-mails" à Rute. São mensagens em tom pessoal, não é o Ruy a falar dos pastores, não é o Ruy antropólogo, não é o Ruy escritor, não é o Ruy poeta. E o Ruy pessoa, é o Ruy homem. Ele sente a morte próxima e fala sobre o mundo, sobre a vida, sobre o estar aqui. Para mim, voltar a fazer este espectáculo é, no fundo, fazer-lhe uma homenagem e, por isso, vou intercalar o texto "Vou lá Visitar Pastores" com alguns excertos destes textos, chamados "Mensagens de Swakopmund", que estão publicados na revista Granta. A obra do Ruy tem um grande peso naquela zona de Angola, naquela gente e, sobretudo, tem um peso gigantesco na obra e na vida do Ruy. A Rute mostrou-me umas fotografias lindíssimas. Fizeram-lhe o funeral no Virei, onde ele esteve muito tempo com os pastores. O Ruy tem uma campa com pedras e depois tem uma lápide que diz: "Vou lá Visitar Pastores".
De certa forma, ele quer provar que aquelas sociedades nómadas, embora sejam vistas como anacrónicas, têm um certo equilibro económico, social e religioso. No fundo, quer mostrar que a população original de Angola está naqueles pastores nómadas. Está ali verdadeira população de Angola. E não nos dirigentes políticos que acumulam carros nos jardins. Ele quer mostrar que progresso e prosperidade não são a mesma coisa. Ali, a quantidade de bois significa maior riqueza do que um salário comum em Angola. Naquela organização muito própria, os pastores são muito mais ricos do que integrados num outro sistema.
Na altura da descolonização, eu era miúdo e tinha apenas uma vaga ideia do que era África. Os meus tios viviam em Moçambique e alguns dos meus primos, quando regressaram, ficaram a viver connosco. Passámos a serl3oul41á em casa. Eu tenho nove irmãos... Mas só a partir de 1997 é que comecei, realmente, a debruçar-me sobre os assuntos de África. A primeira peça que encenei chamava-se "Hotel Orpheu", foi escrita por um negro, Gabriel Gbadamosi, filho de pai nigeriano e mãe irlandesa. E uma peça a puxar à negritude, nada amiga do branco. Depois, viajei pela África portuguesa, falei com muita gente e fiquei com a sensação de que há ódios antigos que não se conseguem resolver. Como o rancor dos militares brancos que combateram em África. Ou a nostalgia dos brancos que viveram lá e sentiam que aquela era a terra deles. Também vejo ódio nos negros que estão no poder e que estão sempre a dizer que os brancos estragaram, que os brancos fizeram. Que estão constantemente a puxar esses galões para se manterem no poder. Mas, na África portuguesa, o negro que passa fome diz: quem me dera que os portugueses organizassem isto. Eu nasci em 68, tinha seis anos em 1974, só me apercebi do 25 de Abril porque não fui à escola e passei o dia na varanda à espera de ver passar aviões. Só mais tarde vim a saber o que era. O 25 de Abril não se cumpriu totalmente. Claro que há uma libertação, as pessoas passaram a ter liberdade de expressão, isso é inegável. Mas, de certa maneira, não há uma mudança radical no país. Suponho que o 25 de Abril foi uma revolução que ficou aquém do que deveria ter ficado. Falta-nos muita coisa e falta-nos, sobretudo, educação. Educação popular. Participação popular. Intervenção cívica, espírito crítico.
Estou pela democracia, claro, mas por uma democracia participativa, e nós hoje assistimos à falência da democracia. Nós, mundo. Estamos de tal forma a perder identidade que é difícil dizer o que somos. O Jean-Luc Nancy diz que aquilo que o ser humano tem em comum é o não ter nada em comum. Eu sempre me senti um bocadinho diferente dos meus amigos, dos meus colegas, em alguns gostos e na maneira de ver as coisas. Eu e os meus irmãos tivemos uma educação muito artística. Os meus pais não eram artistas, mas gostavam muito de arte. O meu pai - Pedro Luís Wiborg de Carvalho - era publicitário, fundou as agências Sistema e Storm, associadas à multinacional Saatchi & Saatchi - e a minha mãe - Maria Teresa Afonso dos Santos Ferreira - era doméstica, mas tinha um trabalhinho, era escrutinadora do Totobola. Trabalhava à segunda-feira. Ela lia muito, via teatro. Levou-me a ver Pina Bausch, os filmes do Truffaut, levou-me à ópera ao São Carlos. Entrei para filosofia e, nessa altura, criei a banda de rock - Os Refundidos - com uns colegas, eu era vocalista e letrista. Acabei por sair do curso e fui trabalhar com o meu pai. Eu só pensava na banda. Mas eu era muito tímido, ficava muito quieto, agarrado ao microfone. Para me desinibir enquanto performer, meti-me num curso de teatro. Isto coincide com a morte dos meus pais. O meu pai morre com 54 anos, a minha mãe morre um ano depois. Eles nunca souberam que eu tinha entrado no teatro... Fiz um curso no Teatro Espaço e descobri que era aquilo que eu queria. Estive no Instituto de Ficção, Investigação e Criação Teatral (IFICT), saltei para o Conservatório e começo logo a trabalhar. Já não consegui acabar o Conservatório...
Trabalhei bastante com o Jorge Silva Melo, em peças como "Greensleeves", "Coitado do Jorge" e "António, Um Rapaz de Lisboa". Fiz o "Prometeu" ("Prometeu Rascunhos" e "Prometeu Agrilhoado/Libertado"). Depois criei a minha companhia, a AP A, encerrei-a em 2008. Em 2013, fiz "Sou o Vento", de Jon Fosse, e "O Meu Jantar com o André", de Wallace Shawn e André Gregory. Este ano, encenei "O Pequeno Eyolf', de Henrik Ibsen, e, para o ano, vou encenar uma peça do Wallace Shawn chamada "The Designated Mourner" e um monólogo do Jon Fosse, "O Homem da Guitarra". Entretanto, fundei a associação Teatro do Interior, na zona centro, no Pinhal Interior Norte. Eu tenho uma casa na Serra da Lousa, naquelas aldeias de xisto, e quero fazer um projecto com várias câmaras locais. Preciso mesmo de projectos que me façam mover. Apeça do Wallace Shawn fala de um país ditatorial onde um poeta brilhante é assassinado, onde há um professor de literatura que já não está tão interessado na literatura, ele quer é sobreviver. E o sobrevivente. O que tem muito a ver com época que estamos a viver, com o fim de uma civilização e de uma cultura. E o início de uma nova barbárie. Tenho muito medo de uma guerra mundial. Mas acho sempre que a humanidade tem o poder de renascer.
© Mariana Fossatti
El Loco y La Camisa, que poderá ser visto em Setembro, no Próximo Futuro, é uma peça que aborda temas delicados, como a violência e as disfunções familiares. Teve cinco temporadas ininterruptas em Buenos Aires e marcou presença em vários festivais internacionais e Nelson Valente, o encenador, da Compañía Banfield Teatro Ensamble, falou ao jornal argentino Página12.
Además de poner de manifiesto las distintas formas de la violencia (verbal, física y simbólica) que vive esta familia y los vínculos que se establecen entre ellos, a Valente le interesa trabajar sobre el concepto de la locura. Por eso, el personaje que supuestamente está loco es el más sensato y reflexivo, porque a fin de cuentas es quien intenta llegar a la verdad cueste lo que cueste. “Vivimos en una sociedad demente, en la que está todo mal; entonces, cualquier cosa que llamemos ‘locura’ es lo más parecido al sentido común”, reflexiona el director.
–¿Qué quiso lograr con esta disposición de los espectadores?
–Buscamos involucrarlos, no desde la palabra, pero sí desde la sensación. Quisimos que el espectador sienta, durante la hora que dura el espectáculo, cómo solapadamente se va generando esta situación de violencia. El público en general nos cuenta que todo el tiempo está con la sensación de que debería estar participando o con ganas de pararse para frenar la escena o decirle algo a algún personaje. Y muchas veces, cuando termina la obra y salimos a la puerta recibo muchos abrazos con llantos, como si no hubiese sido una obra de teatro. A algunas personas les cuesta mucho salir de la sala cuando termina la obra. El final de la obra es muy interesante porque al estar los espectadores iluminados se ve cómo van cambiando las caras. La obra hace todo el tiempo que subas y bajes.
–¿Por qué le interesó hablar de la locura?
–Me interesa que vos de verdad te creas que eso que estás viendo es una familia. Adentro de esa familia hay un emergente que de alguna manera encarna la locura familiar y la pone de manifiesto. Todos esos personajes están medios tocados y hay uno que lo muestra de manera verdadera. Esa familia supuestamente vive según los cánones sociales: el interés por el dinero, las apariencias, la mentira. Y eso es lo que consumimos a diario.
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Teju Cole, escritor nascido na Nigéria e radicado nos Estados Unidos, dedica um artigo no New York Times à imagem "Men on a Rooftop", capturada pelo fotógrafo suiço René Burri em São Paulo nos anos 60. Uma reflexão sobre a força das imagens e a história da metrópole.
Are they gangsters? Are they bankers? There are certain photographs that seem to have been pulled out of the world of dreams. ‘‘Men on a Rooftop,’’ by the Swiss photographer René Burri (1933–2014), is one such picture. The photograph, taken in São Paulo in 1960, shows four men on a rooftop, seen from the vantage point of an even higher building. Far below them, stark in black and white, are tram lines and cars, and tiny pedestrians so perfectly matched with their long shadows that they look like miniaturized sculptures by Giacometti.
I’m not sure when my interest in ‘‘Men on a Rooftop’’ became an obsession. Through the years it gained a hold on my imagination until it came to stand as one of the handful of pictures that truly convey the oneiric possibilities of street photography. The celebrated Iranian photojournalist Abbas, who knew Burri well (they were both members of Magnum Photos), described ‘‘Men on a Rooftop’’ to me as ‘‘vintage René: superb form, no political or social dimension.’’ Abbas zeros in on the formal perfection of the image, but I’m not sure I agree that it lacks a social dimension. To me, it literally portrays the levels of social stratification and the enormous gap between those above and those below.
O artigo completo em Shadows in São Paulo