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Programa "Sangue Latino" (Canal Brasil) apresentado por Eric Nepomuceno, gravado em 2009 com o também jornalista e escritor Eduardo Galeano (n. 1940, Montevidéu/URUGUAI), autor de As Veias Abertas da América Latina.
Artigo de ALEXANDRE POMAR, "Intelligent Life", Primavera 2011, pág. 12.
"QUE GHANA", via DJ Lyndon Barry, que no próximo dia 13 de Maio animará o BAILE NA GARAGEM (da Gulbenkian)! Entrada livre!
Breve vislumbre do artigo "Arriscar aquilo que abre caminhos, conversa com António Pinto Ribeiro", por Marta Lança no BUALA.
ML: Como passa da dança para as questões interculturais e pós-coloniais?
APR: A relação não é directa nem casual. Acontece que, depois da minha formação em Filosofia e em especial Estética, fui convidado para criar um campo de estudos teóricos na recentíssima Escola Superior de Dança. Aceitei e pensei “vamos lá estudar”. E foram anos de leituras compulsivas sobre tudo o que havia sobre dança, corpo, coreografia. Poderia ter sido cinema, literatura, artes visuais, teatro que foram sempre áreas do meu interesse. A dança funcionou durante anos como a ponta de um iceberg. Depois, uma enorme curiosidade que me é própria, levou-me a ver espectáculos, filmes, concertos que não eram necessariamente da tradição ocidental e branca, o fascínio pelo continente africano e pelas questões de cultura e de ideologia a elas associadas conduziram-me ao multiculturalismo; inicialmente, diga-se, de uma forma muito inocente.
ML: É o seu método de trabalho, uma curiosidade de abertura ao mundo?
APR: Mais do que método, é uma forma de estar que tem consequências muito produtivas. Mas também estou em crer que, a determinada altura, uma certa fisicalidade e corporalidade presentes nestas experiências evocaram a minha infância e adolescência em África, o que me motivaria a revisitar alguns países africanos.
(...)
ML: E parece-me que incluir reflexão e não apenas divulgação é uma linha muito sua… Sempre se interessou por cruzar o mundo teórico com propostas artísticas?
APR: Acho essencial, em todas as instituições, que a linha de programação seja comunicada. No meu entender a programação cultural decorre de um contrato entre os públicos e os artistas ou os autores. O programador é um mediador mas, nesse contrato que faz, deve anunciar aos parceiros a sua missão, as suas opções e a razão das mesmas. A programação cultural baseia-se numa linha de argumentação cujo destinatário é um auditório tendencialmente universal. Por outro lado, os públicos devem ter acesso a chaves de aproximação ao que lhes é apresentado, o seu modo original de produção, se já foi apresentado noutro contexto, etc. Torna tudo muito mais claro e resgata a legitimidade que não se tem se não for devidamente informado. Isso pode ser feito de forma interessante e criativa. A programação cultural é uma actividade fascinante que tem tanto de risco como de fruição e de partilha raras. Mas exige uma atenção permanente e um cuidado com os públicos, artistas, formadores de massa crítica e uma vigilância permanente sobre o poder que se adquire nesta actividade. É fulcral uma auto-crítica permanente que não permita que se substitua ao artista nem ao público, sem contudo ceder a gostos massificadores ou à pressão daqueles que acham que representam os artistas.
(...)
ML: O que é para si a verdadeira interculturalidade?
APR: No mais vasto conceito, a interculturalidade pode constituir uma estratégia de negociação cultural que conduz à construção de um projecto político de transformação das sociedades multiculturais. E alguns equívocos ou afirmações demagógicas são desde já de evitar. O primeiro de todos é o de que a cultura e pela cultura se resolvem os conflitos e os antagonismos. Nada de mais errado. A cultura pode constituir uma plataforma de aproximação, um modo negocial, mas nunca resolverá os grandes antagonismos, as grandes diferenças de interesses. Em caso algum, devemos pois deslocar para a cultura os problemas específicos das esferas da política, da economia e da religião. O segundo equívoco é pensar que a cultura é um bem e que, per si, contagia de bondade toda a acção humana. No que uma estratégia intercultural pode ser útil é no esclarecimento, tornando claros os conflitos e as suas razões, mas nem sempre eliminando-os. Aliás, a interculturalidade não pressupõe um reino definitivo da paz, inclui sim a possibilidade de tensão desejavelmente produtiva. Um último equívoco que se coloca é o que tende a divorciar os fundamentos culturais dos religiosos ou, pelo contrário, reduzir ao religioso. Desde T.S. Elliot pelo menos, que devemos saber que as culturas estão impregnadas de religião, o que se reflecte na produção cultural. E é assim que podemos falar de uma cultura cristã, presente mesmo em autores laicos, ou de artistas hindus e que, portanto, a interculturalidade transporta sempre traços de interreligiosidade.
Um quarto é aquele que concebe o interculturalismo como um diálogo entre blocos culturais homogéneos, em que todos os membros de uma cultura se identificam de uma forma absoluta. Na verdade, não existem blocos culturais homogéneos, e na mesma região cultural há ricos e pobres, mulheres e homens. E as pessoas identificam-se e agrupam-se também por clubes, orientações sexuais, associações profissionais, o que permite, por um lado, estabelecer pontes de comunicação entre regiões culturais diferentes e, por outro, encontrar fissuras entre membros das mesmas regiões.
A interculturalidade não é, pois, uma ideologia. Como estratégia, é uma forma inovadora de conviver e co-habitar nas sociedades contemporâneas, com a diversidade de grupos culturais e étnicos. De algum modo, é o estado mais evoluído da democracia mas, tal como esta, exige uma construção permanente e diária. É importante reconhecer igualmente que a interculturalidade faz-se a partir de vários pontos de partida, e não pode resultar de uma legislação ou normatização regrada apenas pela comunidade que acolhe. Supõe, por isso, uma negociação cultural cujo limite é a rejeição de todo e qualquer sofrimento infringido a alguém, a exclusão social, religiosa ou sexual.
Finalmente, tanto ou mais importante do que o já existente património cultural das diásporas, é admitir e até estimular a combinação cultural e o sincretismo que constituem o melhor índice de interculturalidade contemporânea. Só uma prática cultural e um programa político que combata o ressentimento face ao passado e privilegie o futuro tem a ver com a interculturalidade e a sua prática.
(...)
ML: Os Centros Culturais, provenientes do período cultural, enquanto mecanismos de controlo, de representações nacionalistas e promoção da língua, em alguns casos conseguiram transformar-se em plataformas interessantes de produção articuladas com artistas locais, mas é muito raro, porquê?
APR: O que acontece na maior parte das situações em África é que os grandes centros culturais das cidades são a única coisa que existe, então a responsabilidade é grande. Depende muito do director do centro: quando as pessoas são activas, interessadas, inteligentes, cultas as coisas correm bem. São as únicas plataformas possíveis de entendimento entre os artistas e intelectuais que lá se encontram e o lugar para apresentar produção local. Acho fulcral que os Centros Culturais Portugueses, por exemplo, possam apresentar programações de França ou Itália como o reverso também deve ser válido pois, afinal, são o lugar de apresentação das produções africanas. Não é o que acontece, normalmente sã
o coisas bacocas, nacionalistas e anacrónicas. Nos casos dos Centros Portugueses as pessoas estão lá há 15 anos sem relação com a cultura contemporânea portuguesa a representar uma portugalidade que só existe na cabeça deles, e sempre se sentiram estranhos no país onde estão. Com excepções, é certo.
ML: Isto parte de um problema maior de não haver articulação, nem estratégia, nem investimento. Como experiências interessantes, refere o caso da política cultural brasileira. O que temos a aprender com o Brasil nesse capítulo?
APR: Imenso, a capacidade que eles tiveram de criar organizações intermédias entre as grandes instituições e o nada. Os Pontos de Cultura foram das coisas mais interessantes pois correspondem à escala do lugar onde foram instalados, às necessidades com um elevado grau de exigência.
(...)
ML: Voltando à sua programação, continua a equilibrar a produção europeia com estes estímulos de fora, que nos fazem repensar o nosso próprio esgotamento criativo.
APR: Acho que é muito estimulante. Houve uma fase em que a programação era para dar visibilidade a produções não europeias que mereciam ser vistas. Essa fase foi bem cumprida. Mas queria que concebêssemos como um lugar em que se criasse coisas novas a partir do que já foi a sua História, já não se trata de montra e mostra, implica ter um público e comunidade de artistas que olhe para isto de uma maneira diferente. Estou muito grato com o facto de o jardim Gulbenkian se ter tornado lugar de deleite de chineses, ucranianos, e que pessoas muito jovens tenham perdido o medo de frequentar lugares de cultura.
(...)
[ver artigo completo aqui]
Sobre a morte de Ernesto Sabato, "um clássico da literatura argentina", aqui.
Lilia Benzid, Zaafrane Cemetery (Tunísia), 2008
O Programa Gulbenkian Próximo Futuro regressa em Maio com um workshop, conferências e a inauguração de uma exposição de fotografia e vídeo.
O 5º workshop de investigação e produção teórica deste Programa realiza-se nos dias 11 e 12 de Maio e é dedicado ao Estado das Artes em África e na América do Sul. Sendo o Próximo Futuro um programa centrado nestas regiões geográficas e nas diásporas dos países que delas fazem parte, pretende-se, assim, estudar e problematizar o estado das várias artes nestes países e nas suas diásporas, quer no que diz respeito às práticas artísticas, quer no que diz respeito às narrativas sobre as artes, em especial no período pós-independentista, muito diferente conforme os países e os continentes geográficos a que nos referimos.
O objectivo também passa por fazer um levantamento do sistema das artes no contexto dos mercados, das organizações de artistas, de formação e de distribuição. Durante o workshop, cujas sessões serão abertas ao público apenas no dia 12 de Maio, serão referidos estudos de caso e haverá reflexões sobre a produção local e a sua internacionalização. Para participar neste workshop, para além dos Centros de Investigação parceiros habituais deste Programa, o Próximo Futuro tem como convidados Bárbara Alves, portuguesa, que desenvolve actividades na área do design como ferramenta participativa e de desenvolvimento social; Cergio Prudencio, da Bolívia, compositor e director titular da Orquestra Experimental de Instrumentos Nativos; Federica Angelucci, nascida em Itália, directora e curadora de fotografia da Galeria Michael Stevenson, na Cidade do Cabo; e ainda Kenneth Montague, canadiano de ascendência jamaicana, fundador da Wedge Curatorial Projects, organização dedicada à promoção da arte contemporânea que investiga a identidade negra.
Já o dia 13 de Maio será preenchido com quatro conferências de entrada livre, chamadas Grandes Lições, que ocuparão o Auditório 2 da Fundação durante a manhã e a tarde. Nesse dia poderemos assistir às intervenções de Patrick Chabal, professor de História e Política Africana do King’s College (Londres), de Breyten Breytenbach, escritor e pintor sul-africano, de Yudhishthir Raj Isar, professor de Estudos de Política Cultural na American University of Paris, e do nigeriano Kole Omotoso, romancista, dramaturgo e crítico.
Na mesma data, pelas 22h00, será inaugurada a exposição Fronteiras, produzida no âmbito da última edição dos Encontros de Bamako – Bienal Africana de Fotografia, em 2009. Esta mostra colectiva reúne cerca de 180 fotografias e vídeos que reflectem a criação contemporânea na área da fotografia em África e dos artistas afro-americanos, oferecendo diversas interpretações e representações das questões socio-políticas, culturais e identitárias tratadas por estes artistas. A exposição Fronteiras estará patente na Galeria de Exposições Temporárias da Sede até 28 de Agosto. A seguir à inauguração haverá um Baile na Garagem, com DJs convidados.
Em Junho e Julho, o Próximo Futuro prossegue com a sua programação de Verão, que inclui conferências, projecção de cinema, apresentação de espectáculos de teatro, dança e música e instalações artísticas no Jardim Gulbenkian.
A partir de 1 de Maio de 2011 também pode seguir o Próximo Futuro no Facebook e no Twitter!
Zak Ové, “The Devil is White”, da série «Transfigura» (2004)
Já a partir do próximo dia 13 de Maio, vai ser possível ver nas galerias de exposições temporárias do edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian a mostra de fotografias de artistas africanos e afro-americanos que resulta dos 8.ºs Encontros de Bamako: a mais importante bienal de fotografia africana.
"São várias dezenas de fotografias e vídeos de 53 fotógrafos, todos eles glosando o tema «Fronteiras». A questão, abordada sob múltiplos ângulos e com o recurso a várias técnicas, não deixa de ser pertinente no mundo globalizado actual, mas surge associada de forma particular ao sofrimento e à exclusão, à esperança e às utopias de quem vive em África ou faz parte da diáspora africana. Ao contrário do que foi hábito durante muitos anos, com as imagens de africanos e da sua realidade a serem apresentadas por fotógrafos e realizadores não africanos, desta vez há um discurso fotográfico e imagens cuja autoria é daqueles que habitam neste continente ou que a ele regressam por pertença e dessa realidade fazem a sua representação".
Os Encontros de Bamako (Rencontres de Bamako) foram criados em 1994, na capital do Mali, por iniciativa da associação “Afrique en Créations" e com o apoio do Governo maliano, sendo dirigidos nessa primeira edição pelos dois fotógrafos franceses Françoise Huguier e Bernard Descamps. Há mais história dos Encontros aqui, onde também se pode ter uma visão antecipada da exposição que foi central nos últimos Encontros e que inaugurará em Lisboa no próximo dia 13 de Maio.
Comecem por espreitar os trabalhos de Kader ATTIA(França-Argélia), Lilia BENZID (Tunísia-França), Ali Mohamed OSMAN (Sudão), Zak OVÉ (Trindade e Tobago-Grã-Bretanha), Zineb SEDIRA (Argélia-França), Barthélémy TOGUO (Camarões) e Berry BICKLE (Moçambique-Zimbabwe).
As curadoras destes últimos Encontros realizados em 2009 (está neste momento em início de preparação a edição prevista para finais 2011) foram Michket Krifa e Laura Serani e o seu texto de apresentação também já está disponível no Jornal do Próximo Futuro. Estarão presentes na inauguração de dia 13 de Maio (às 22h) e haverá visitas guiadas em datas e horários a divulgar muito em breve.
Aqui encontram ainda uma interessante reflexão sobre a edição que aí vem.
Lúcia Marques
Na foto: "Décompte (Countdown)", de Zab Maboungou, com Compagnie Danse Nyata Nyata
Está a decorrer até ao 1º de Maio o Harare International Festival of the Arts (HIFA), evento programático de 6 dias que todos os anos procura reunir na antiga Salisbúria, capital do Zimbabwe, uma amostragem significativa da produção artística e cultural local, regional e internacional.
Aqui, toda a programação de Música, Teatro, Dança, Spoken Word, Artes Visuais e Workshops do HIFA 2011.
O grande poeta Gonzalo Rojas, falecido esta segunda-feira dia 25 de Abril, em Santiago do Chile, vítima de um AVC aos 93 anos de idade, lê o seu poema 80 Veces Nadie perante a multidão na Plaza de los Pies Descalzos de Medellín, por altura do Festival Internacional de Poesía de Medellín, em 2003.
Mais sobre Gonzalo Rojas aqui e aqui. A voz do poeta em Qué se ama cuando se ama por aqui.
Uma visão (pessimista) de São Paulo...
Quem viu não esqueceu: Um Oceano Inteiro para Nadar, título significativo de uma exposição que em Maio de 2000 inaugurou na Culturgest de Lisboa, reunindo trabalhos de artistas brasileiros e portugueses contemporâneos, sob a curadoria de Paulo Reis e Ruth Rosengarten.
Havia de facto todo um enorme "Oceano" a separar Portugal e o Brasil, como ainda hoje há, apesar de tudo. Mas nesse ano de viragem de século e (também por isso) de importantes revisões históricas, foi possível conhecer por cá, pela primeira vez com uma amplitude cronológica expressiva e sistematizada, uma selecção de nomes fundamentais da produção artística brasileira contemporânea. Paulo Reis, que ao longo da década de 90 se destacou como jornalista cultural no Jornal do Brasil e assessor cultural do Museu da República do Rio de Janeiro, tinha vindo a Portugal pela primeira vez em 1998, a convite de António Pinto Ribeiro (nessa altura, director artístico da Culturgest), dar uma conferência sobre as artes na América Latina. E foi o início de Um Oceano Inteiro para Nadar...
Vi e escrevi sobre a exposição no jornal Expresso, onde era colaboradora, marcada pelo cruzamento inédito dessas autorias, num espaço tornado de encontro e de reconhecimento também entre os dois curadores dessa mostra (que até então não se conheciam e, ainda assim, aceitaram trabalhar em equipa para nos dar uma visão desses dois lados do Atlântico). Mas só tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Paulo quando me acolheu numa primeira visita ao Brasil, em Abril de 2003. A sua disponibilidade para me mostrar o Rio de Janeiro foi total, levando-me pelos espaços e principais instituições, apresentando-me aos artistas, aos seus amigos de todo o lado, deixando-me entrar assim, no seu mundo pessoal e profissional, onde aprender, conhecer, partilhar eram uma mesma atitude de vida, uma celebração do humanismo que não devemos abandonar. Numa entrevista dessa altura, realizada a propósito da primeira individual do histórico artista brasileiro Nelson Leirner em Portugal (Culturgest do Porto, 2003), disse-nos: "meu ideal de conhecimento é o homem da Renascença, que conjugava todos os conhecimentos existentes em uma mesma pessoa. (...) Não entendo uma pessoa que não tenha interesse em filosofia, religião, cultura, não percebo qual é o papel desta pessoa diante da humanidade. Lembro-me das palavras de Leonardo Da Vinci, que homem não é uma construção física apenas, que veio ao mundo para encher sanitas, mas deixar um legado à humanidade. É o mesmo princípio que Beuys falava que todo o homem é um artista." E deu-nos o seu próprio "retrato falado": "Minha formação foi muito especial, estudei em colégio religioso, onde tive acesso à filosofia, à teologia, ao conhecimento aprofundado das ciências humanas. Estudei Comunicação Social e Filosofia, fiz dois mestrados em História da Arte, estou sempre complementando meus conhecimentos em Estética, História, Sociologia, Antropologia. Essas cadeiras estão inseridas em meu quotidiano, uso-as de forma orgânica. Esse real interesse por outras áreas, que me possibilitou que abrissem meus horizontes, é meu mecanismo de percepção do mundo. Então respondo sua pergunta dizendo que não há possibilidade do homem contemporâneo longe de uma múltipla faceta."
Paulo Reis preparava então um seminário de História e Crítica de Arte com a intenção de "aproximar Brasil de Portugal e da Espanha e apoiar a divulgação e circulação de ideias sobre a arte contemporânea internacional", seminário esse que, com muito esforço e sacrifício pessoal devido à dificuldade de apoios, conseguiu realizar no Rio de Janeiro em Setembro de 2004. Chamou-lhe sintomaticamente Brasil-Portugal: uma ponte para o futuro e reuniu os principais curadores e críticos de arte, directores de instituições culturais e artísticas de Portugal, artistas e demais agentes culturais portugueses, de tal modo que, meio a brincar, meio a sério, se distribuíram os convidados em diferentes aviões, para que "se algo desse errado" Portugal não ficasse "desfalcado de cabeças pensantes". Foi nesse fórum que Paulo conheceu o crítico de arte espanhol David Barro, cuja tese publicada lera antes, e com quem viria a aprofundar a triangulação Brasil-Portugal-Espanha através de várias iniciativas. Desde a curadoria da Chocolatería - Espaço de Experimentação (em Santiago de Compostela, Espanha) até à co-criação e co-direcção da revista de arte contemporânea Dardo(publicada em português, espanhol e inglês), passando pela exposição-livro Parangolé: Brasil/Portugal/Espanha, entre muitas outras mostras e textos produzidos e difundidos em estreita cumplicidade profissional e generosa amizade. Já em 2009, viria a montar em Lisboa, cidade que adoptou como sua (depois do Rio de Janeiro), juntamente com outros dois amigos - o curador lusoinglês Lourenço Egreja e a artista e produtora brasileira Rachel Korman -, o seu projecto de sonho, concretizando o seu lema de vida: Carpe Diem-Arte e Pesquisa.
Paulo era assim, trabalhava com a seriedade de um profissional "até ao tutano", demonstrando sem complexos o carinho que tinha pelas mais diversas pessoas que o rodeavam e assumindo orgulhosamente as suas amizades incondicionais. Jornalista e filósofo de formação, curador em todos os momentos (no sentido "daquele que cuida" dos outros), crítico de arte por inquietação criativa genuína, professor com profunda "missão" laica (muito para além das aulas dadas em universidades e museus), cozinheiro pela alegria do convívio com os amigos e família, a quem dava tudo o que podia. Hoje lembro o Paulo, não esquecendo como ele gostava de celebrar a alegria da vida, que para ele se confundia necessariamente com a partilha do conhecimento. Eis palavras suas nessa entrevista de 2003, que lamentavelmente continuam tão actuais: "Sinto falta de um diálogo maior entre as instituições culturais portuguesas e brasileiras. E não adianta esperar a nível de ministérios, eles estão muito ocupados em fazer burocracia. Tem que haver um interesse entre as grandes instituições do Porto e Lisboa com o Rio e São Paulo. Falo em cooperação, em fechar uma grelha de exposições conjuntamente, por exemplo: uma boa exposição de um artista português deve ser feita em parceria com uma instituição brasileira e vice-versa, garantindo a circulação de ideias. Ao ministérios da cultura, de ambos países, caberia apoiar financeiramente e aliviar os entraves burocráticos, mas nunca eles serem agentes de divulgação, não dá certo. Cabe às instituições. Assim que penso. Sinto falta do Brasil olhar mais para Portugal e não ficar preso à cafonice do mercado francês, com exposições de surrealismo, Rodin, essas coisas que ninguém tem mais pachorra; ou ao mercado lógico norte-americano, com instituições picaretas, mandando umas porcarias de exposições tipo Andy Warhol e Keith Haring, cobrando uma "pipa de massa", como vocês dizem aqui. Não que estes artistas não sejam importantes, mas as mostras que chegam ao Brasil, francamente, são uns fracassos! Mas é o pensamento, tipo, "lá só tem macacos, qualquer coisa serve!" Chega disso. Espero que esta entrevista, que sei que não agradará a todos, ajude a compreender melhor o que estamos tentando fazer, que é quebrar o ranço modernista e re-aproximar duas culturas que podem crescer mutuamente, e que por laços históricos e linguísticos serão sempre inseparáveis, quer queiramos quer não." Paulo Reis, querido amigo, um profundo agradecimento pela tua existência.
Lisboa, 25 de Abril 2011
Lúcia Marques, com os contribu
tos de António Pinto Ribeiro
(Texto publicado hoje no Público)
25/04
Telefonei-lhes e perguntei:
- Pai, o que estavas a fazer no 25 de Abril?
- Estava na Faculdade, no Porto, numa aula de hidráulica.
- E a mãe? – ela veio ao telefone e respondeu:
- Apanhei o 27 em Belém, quando chegamos ao cais do Sodré já não se podia passar, eu que não queria chegar atrasada ao Banco, mas estava tudo cheio de gente… Bom aí começou o caos. Mas olha, agora estamos melhor! – fez-se um silêncio e ela perguntou:
- Filha, o que vais fazer no 25 de Abril?
Elisa Santos
A gastronomia do Perú, que é considerada a mais diversificada do mundo a julgar pela quantidade de "pratos típicos", continua a marcar presença noutros menus, como no vizinho Equador: para ler aqui.
PAULO REIS (Maragogipe/Bahia, 09.11.1960 - Lisboa, 23.04.2011) [foto: Ding Musa]
O Curador e Crítico de Artes Visuais Paulo Reis residente em Portugal faleceu hoje às 18:30h no Hospital Egas Moniz. Com uma formação em Comunicação Social e História de Arte era professor de teorias de arte e de estética em várias universidades. Nos últimos anos tinha uma actividade intensa de curadoria internacional tendo sido responsável por muitas exposições em diversos países da Europa e América Latina.
Paulo Reis veio a Portugal pela primeira vez em 1998 para participar num Colóquio sobre as Artes na América do Sul. Em 2000 foi curador com Ruth Rosengarten da Exposição “UM OCEANO INTEIRO PARA NADAR” de artistas portugueses e brasileiros realizada na Culturgest. Foi uma exposição histórica pelo ineditismo e pelo impacto que teve a partir de então nas relações culturais e artísticas entre o Brasil e Portugal.
Paulo Reis tornou-se a partir de então um verdadeiro “embaixador cultural” entre os artistas e os curadores destes dois países e a sua afeição por Portugal levou-o a passar longas temporadas neste país, a que se seguiu, a partir de 2005, passar a residir em Lisboa.
Foi o criador do CARPE DIEM - Arte e Pesquisa, instituição vocacionada para a produção e realização de exposições e fórum artístico internacional, instalado no Palácio do Marquês de Pombal na Rua do Século, na capital lisboeta. Foi co-fundador e co-director da revista Dardo, juntamente com David Barro, promovendo uma série de iniciativas relacionadas com a triangulação Brasil-Portugal-Espanha.
Era uma pessoa de uma invulgar generosidade e de uma atenção e cuidado particular para com artistas de cujas causas era um militante inconformado.
ANTÓNIO PINTO RIBEIRO
(Na foto: candidato Ollanta Humala, à esquerda; candidata Keiko Fujimori, à direita)
A seguir atentamente as eleições (de contrastes) no Perú, a partir daqui.
Mais um poema de Breyten Breytenbach
AMEAÇA DOS DOENTES
(para B. Breytenbach)
Senhoras e Senhores, permitam-me que vos apresente Breyten
Breytenbach
este homem magro de camisola verde; é devoto
e comprime e martela a cabeça oblonga
no intuito de vos fazer um poema exemplo:
tenho medo de fechar os olhos
não quero viver no escuro a ver o que se passa
os hospitais de Paris estão cheios de homens lívidos
especados à janela fazem gestos ameaçadores
como anjos no forno
e a chuva escorcha e engordura as ruas
tenho os olhos pegados
eles/vós me enterrareis em dia húmido
quando a terra se torna em negra carne crua
e as folhas e as flores maceradas coloram de rugas de água o
sangue branco do ar
antes que a luz roa tudo
mas eu recuso prisão para os meus olhos
colhei as minhas asas ossudas
a boca é demasiado secreta para não sentir a dor
calçai botas para o meu enterro quero
ouvir a lama amassar-vos os pés
os rouxinóis agitam a cabeça molhada, reluzentes flores negras,
as árvores verdes são monges resmungões
plantai-me numa colina, junto a um pego onde haja bocas-de-
-lobo
deixem que patos velhos e sabidos cubram de luto o meu túmu-
lo
à chuva
almas de mulheres tresloucadas mas sagazes são possuídas por
gatos
medo medo medo em saturadas descoloridas cabeças
e não quero que embalem (que consolem) a minha língua ne-
gra.
Vistes como é inofensivo, hajam caridade com ele.
trad. de Mário Cesariny
Memorial da Guerra das Malvinas, em Ushuaia, ARGENTINA
A 3.ª Bienal del Fin del Mundo terá lugar em Ushuaia, capital da Província da Terra do Fogo, na Argentina, localizada a 3.190 kilómetros a sul de Buenos Aires e mais conhecida como “a cidade mais austral do mundo” ou “a cidade do Fim do Mundo”.
Sob o mote “Bienvenidos al Antropoceno” (uma referência ao Prémio Nobel de Química – Paul Krutzen – que considera que os efeitos do comportamento do Homem sobre a Terra nos últimos séculos definem uma nova Era geológica: a Era do “Antropoceno”), esta edição realizar-se-á de Agosto a Setembro de 2011 e tem por curadora-geral Consuelo Císcar Casabán, directora do Instituto Valenciano de Arte Moderno (IVAM).
Aquando da sua visita a Ushuaia já no âmbito da preparação deste evento, a curadora enfatizou a importância da iniciativa: “Esta es la bienal de Argentina y es importante que sea desde el Fin del Mundo”. E adiantou que a mostra reunirá obras de artistas de todo o mundo em diferentes suportes, mas “poucas pinturas, dadas as condições climáticas da cidade”. Também se inclui no programa uma exposição de trabalhos de 65 artistas contemporâneos, pertencentes à Colecção do IVAM, e “um diálogo da arte com a literatura, ciências, moda e desenho, desportos e gastronomia”, em espaços como o Museu da Legislatura, uma antiga prisão e um hangar militar ainda em actividade.
Aqui, via Brasil, é possível ler o discurso de Consuelo Císcar Casabán e ter uma boa antevisão do que será a próxima Bienal do Fim do Mundo. Reconhecida pelo seu papel impulsionador na divulgação da produção artística da América Latina, a gestora cultural integrou em Setembro de 2010 o júri da primeira Trienal Internacional das Caraíbas.
Lúcia Marques
Um poema de Breyten Breytenbach
HÁ UM PÁSSARO IMENSO
há um pássaro imenso meu amor
talvez um cisne selvagem
ou um albatroz cativo
ou falcão da montanha meu amor
de imenso e luminoso pico de neve
o seu rumo nocturno não podemos vê-lo
pois negro é o seu peito e o seu bico
mas o seu canto vibra como uma estrela
o dorso, e as ósseas penas, são azuis
e assim, também de dia não o vemos
porque voa, na altura, de ventre virado ao sol
dele, apenas, por vezes, duas sombras
atravessam teus olhos meu amor
dúbia é a cor da cor do meu amor
escuro rondando o escuro, noite minha
e sempre, sempre entre os meus olhos e eu
trad. de Mário Cesariny
Orbis Terrae, in "Atlas sive Cosmographicae" (1595), Gerard Mercator
Últimos dias para espreitar a exposição "Rediscovering African Geographies" na Royal Geographical Society em Londres!
From the great African Kings and Empires from 3000BC to the complex trade networks and migration of Africans within the continent and across the world, the Society's new Rediscovering African Geographies exhibition uses maps, photographs and literature from our Collections to travel through Africa’s history.
Rediscovering African Geographies shows, from an African perspective, how culture, international relations, language and conflict have shaped the geography we know today. It reveals often neglected stories and how these records of African societies, cultures and landscapes helped shape and inform European views of this continent and its people.
The exhibition, which runs from 22 March 2011 to 28 April 2011, has been created with African community partners representing the Congo, Ghana, Nigeria, Namibia, Zimbabwe, Sierra Leone and South Africa. It's free to visit and will be held at the Society premises, Monday to Friday 10am to 5pm.
The exhibition features Africans such as James Chuma, Abdullah Susi and Sidi Mubarak Bombay who made important contributions to the Victorian expeditions undertaken by David Livingstone and others that were supported by the Society.
Tudo o que é preciso saber aqui e um óptimo audio-slideshow da BBC aqui.
Lúcia Marques
Um exercíciode análise muito claro para ajudar a preparar o futuro de um país muito dependente. Aqui
Inaugura já no próximo dia 20 de Abril, na Maison Revue Noire, uma nova instalação (na foto) do artista camaronês Pascale Marthine Tayou dedicada a "anos de amizade e colaboração com os seus 'fétiches' Revue Noire".
P. M. Tayou nasceu em 1967 nos Camarões e actualmente vive em Douala e Bruxelas. Licenciado em Direito no seu país natal, iniciou-se nos anos 90 como artista autodidata e já integrou importantes mostras internacionais tais como: Who knows tomorrow (Berlim, Alemanha, 2010), 52.ª Biennale di Venezia (Itália, 2009), 4.ª Echigo-Tsumari Art Triennale (Tsumari, Japão, 2009), Africa Remix (Düsseldorf, Londres, Paris, Tóquio, Joanesburgo, 2004-2007), 8.ª Bienal de Istambul (Turquia, 2003), Documenta 11 (Kassel, Alemanha, 2002), 2.ª Bienal de Berlim (Alemanha, 2001), The Short Century (Munique-Berlim, Alemanha, 2001).
Aqui é possível ler uma curiosa entrevista através das palavras do curador francês de raízes camaronesas Simon Njami (co-fundador e editor-chefe da Revue Noire), a propósito de uma exposição virtual com o fotógrafo português, nascido em Barcelona, Jordi Burch.
Paralelamente, Joël Andrianomearisoa (n. 1977, Madagáscar) apresenta uma exposição colectiva iniciada em Antananarivo e intitulada 30 et Presque Songes, com "30 amigos, 30 artistas do mundo, que se reúnem em torno de obras originais de todas as disciplinas (arquitectura, arte sonora, culinária, fotografia, vídeo, arte visual, literatura, design...)". Vale a pena espreitar aqui também!
Lúcia Marques
Published14 Apr 2011
Tags África
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Kader Attia, "Rochers Carres" (2009)
Notícia da LUSA sobre a exposição "Fronteiras":A exposição "Fronteiras", com 160 imagens e 16 vídeos, vai mostrar a partir de 13 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a qualidade e vitalidade da criação africana e afro-americana contemporânea na área da fotografia.
Inserida no programa Próximo Futuro/Next Future, a mostra ficará patente até 28 de agosto, e inclui ainda conferências no mesmo dia, com alguns dos mais importantes intelectuais africanos, indicou à agência Lusa o programador António Pinto Ribeiro.
A exposição vem do Mali, onde foi apresentada em dezembro de 2009, no âmbito da 9.ª Bienal de Fotografia de Bamako, capital daquele país africano.
"É uma bienal muito falada nos circuitos artísticos devido à qualidade e diversidade dos trabalhos apresentados", comentou o consultor da Gulbenkian.
António Pinto Ribeiro esteve no Mali na altura da bienal e ficou "impressionado com a qualidade técnica de muitos fotógrafos - o que vai contra muitos dos clichés que hoje as pessoas têm da fotografia africana - com o maior uso da cor, e a forma como o tema foi tratado" pelos 62 fotógrafos que participaram.
Na altura ficou entusiasmado com a possibilidade de trazer a mostra a Lisboa no âmbito do programa Próximo Futuro, cujo objetivo principal é "dar a conhecer o que existe de mais cosmopolita e contemporâneo em África e na América Latina".
O tema "Fronteiras" foi tratado de forma "muito diversa e inesperada" e é revelado através da interpretação de cada fotógrafo, não se circunscrevendo à geografia, mas alargando-se às questões da imigração, do apartheid ou das questões de género (os papéis do feminino e do masculino na sociedade).
Na exposição será possível ver muitas fotografias documentais, mas também algumas encenadas, retratos, revelando as diversas opções dos criadores, onde se encontram nomes como Mohamed Bourouissa, Seydou Camara, Faten Gades, François-Xavier Gbré, Yo-Yo Gonthier, Armel Louzala e Anthony Kaminju Kimani.
Outro aspeto que Pinto Ribeiro notou foi o elevado número de mulheres que está a dedicar-se à fotografia, um fenómeno novo na atualidade, em África.
Entre elas contam-se Myriam Abdelaziz, Lilia Benzid e Jodi Bieber, de origem sul-africana, mas a residir em Moçambique, que apresenta um vídeo sobre as devastadoras inundações no país.
Além da exposição, estão previstas conferências no dia 13 de maio com a presença Patrick Chabal, professor de Estudos Africanos no King's College de Londres, Breyten Breytenbach, escritor e ativista sul-africano, Yudhishthir Raj Isar, conselheiro cultural independente e professor de Estudos em Políticas Culturais na Universidade Americana de Paris, e Kole Omotoso, autor de romances históricos, crítico e professor de drama na Universidade Stellenbosch, na África do Sul.
AG.
Lusa/Fim
A revista electrónica e-cadernos do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra lançou um “call for papers” até ao próximo dia 18 de Abril 2011, convidando à apresentação de artigos e recensões no âmbito de um próximo número temático – o seu 12.º – dedicado a “OUTRAS ÁFRICAS: Heterogeneidades, (des)continuidades, expressões locais”.
Este 12.º e-caderno procurará assim reunir um conjunto de perspectivas dedicadas às diversas Áfricas que não (apenas) a “lusófona”, considerando incluir uma vertente comparativa relativamente aos Países Africanos de Lingua Oficial Portuguesa (PALOP). Trata-se de um descentramento geográfico programático relativamente à investigação científica no contexto português, de modo a:
… “dar visibilidade às heterogeneidades de um continente que o imperialismo do Norte, e a ciência ao seu serviço, ora essencializa como um só – A África –, ora, no período pós-colonial, cartografa ainda de acordo com as respectivas ex-potências colonizadoras, sob a retórica das línguas e culturas “partilhadas” – lusofonia, francofonia, anglofonia –, ora, ainda, aborda epistemologicamente segundo modos, estruturas e categorias de produção e organização do conhecimento do Norte. Frequentemente, estas continuam a representar uma apropriação neo-colonial, em particular quando esta abordagem legitima, entre outros, o discurso político, económico e humanitário, ou os princípios por que se rege o direito internacional ou a ‘ajuda ao desenvolvimento’.
O descentramento relativo à lusofonia deverá ainda provocar outros descentramentos e multiplicações nas perspectivas de reflexão sobre as Áfricas na pós-colonialidade.
Em discussão estará, em primeiro lugar, a percepção / construção / incorporação do continente pelo saber ocidental e pelas narrativas dominantes no Norte, bem como o seccionamento epistemológico prevalecente dos estudos africanos segundo as áreas de influência neo- colonial. Interrogar-se-ão as eventuais distorções essencialistas que estes estudos, assim organizados, possam produzir, propondo alternativas para o pensamento teórico, a investigação empírica e a acção prática, nomeadamente através da análise de dinâmicas locais de resistência e da validade e/ou falência de modos e casos de tradução cultural.”
(tradução em português trazida daqui)
Portanto, excelente oportunidade para não apenas criticar mas ir além da tão falada ‘lusofonia’!
Lúcia Marques
KILUANJI KIA HENDA em frente ao seu trabalho “Ngola Bar” (2006), na 52.ª Bienal de Veneza, em 2007.
Foto: Christine Eyene
Com exposições realizadas em importantes iniciativas e espaços de diferentes países nos continentes africano, europeu e americano, Kiluanji Kia Henda (n. 1979, Luanda) é um dos artistas angolanos com maior reconhecimento internacional no panorama artístico da actualidade.
Artista autodidata, tem-se destacado pelo trabalho fotográfico que tem vindo a desenvolver sobre o país onde nasceu e vive, paralelamente à criação de séries relacionadas com outros lugares e contextos, decorrentes das várias residências artísticas em que tem participado. Depois da sua primeira residência artística na I Trienal de Luanda, em 2005, integrou programas de residências como os da galeria ZDB (Lisboa, 2007), espaço Blank Projects (Cidade do Cabo, 2008) e Fondazione di Venezia (Veneza, 2010), participando também na 52.ª Bienal de Veneza (Itália, 2007), na 3.ª Trienal de Guangzhou (China, 2008) e na 29.ª Bienal de São Paulo (Brasil, 2010).
Kia Henda realizou a sua primeira exposição invidual em Luanda, na Galeria SOSO (“Estórias e Diligências”, 2009) e um ano depois apresentou, no espaço da SOSO em São Paulo, a nova individual, intitulada “Trans It”, que entretanto desenvolvera em Bordéus (França, exposição “Evento”).
O trabalho “Self-Portrait as a White Man”, desenvolvido entre Veneza e Luanda no âmbito da residência internacional “Art Enclosures”, seguiu logo depois para Itália e deu lugar à sua individual com o mesmo nome na Galleria Fonti (ler artigo aqui).
Neste ano de 2011, algumas das suas obras já foram “apanhadas” no meio de uma revolução (exposição “Propaganda by Monuments”, concebida para o CIC no Cairo, Egipto). Outras podem ser vistas, até final desta semana, na Airspace Residency (Nova Iorque, EUA), na mostra “The Days of This Society Are Numbered”, com curadoria de Miguel Amado. E há ainda trabalhos seus a concurso em Lisboa (no CCB-Centro Cultural de Belém), depois da nomeação para o Prémio BES Photo, que na sua 7.ª edição se abriu aos países da CPLP e cujos resultados são divulgados hoje mesmo, dia 12 de Abril…!
No CCB, Kia Henda expõe ao lado de Mauro Restiffe (Brasil), Manuela Marques (Portugal), Mário Macilau (Moçambique) e Carlos Lobo (Portugal). Aqui um breve depoimento do artista no âmbito da exposição e aqui uma entrevista elucidativa feita pela Lígia Afonso (assistente curatorial na 29.ª Bienal de São Paulo), publicada no catálogo do BES Photo 2011. Para uma biografia mais detalhada é ir aqui.
Vale também a pena ler o artigo que o próprio Kiluanji escreveu em Maio de 2010 sobre “O sonho de Niemeyer e o Universo Paralelo” e ouvi-lo a apresentar os seus projectos na Tate Modern: “Talks & Discussions: After Post-Colonialism: Transnationalism or Essentialism?”.
Lúcia Marques