Prosseguindo um trabalho pertinente de divulgação em Portugal de artistas contemporâneos de África, a galeria INFLUX acolhe a partir de amanhã, sábado, a mais recente exposição individual do artista Tchalé Figueira (n. 1953, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde).
A exposição intitula-se “Do Arco da Velha” e será visitável em Lisboa até 9 de Abril de 2011.
Há um texto iniciático de Irineu Rocha (director da M_EIA, Mindelo Escola Internacional de Arte) sobre a obra de Tchalé aqui e no blog do próprio artista também é possível ler alguns dos seus poemas e partes de livros já publicados, bem como posts activistas, de natureza cívica, que também contextualizam a sua multifacetada obra.
Com data de inauguração programada à partida para 30 de Janeiro de 2011 – dia em que consecutivas manifestações nas ruas originaram a primeira nomeação em 30 anos de um vice-presidente no Egipto! –, a exposição “Propaganda by Monuments” foi adiada sine die, tendo a curadora Clare Butcher iniciado um diário que relata as experiências vividas durante a montagem e justificado a opção de refazer o enquadramento conceptual da mostra, de modo a incluir esta inesperada revolução popular egípcia.
Entretanto, algures numa Cairo ainda em processo revolucionário, estarão os trabalhos de Hasan & Husain Essop, Ângela Ferreira, Dan Halter, Runa Islam, Iman Issa, Ahmed Kamel e Kiluanji Kia Henda, escolhidos para uma iniciativa que, curiosamente, já propunha uma reflexão sobre o que acontece quando a revolução se torna realidade e quando a revolução acaba.
Imperdíveis, as palavras e imagens de Clare Butcher aqui.
Já estão abertas as inscrições para a IX Bienal de Salto, no Uruguai, terminando o prazo de candidaturas a 18 de Abril de 2011.
A participação é por concurso dirigido a artistas que sejam uruguaios, maiores de 18 anos, cidadãos naturais ou legais, residentes ou não no país, compreendendo todas as manifestações artísticas que estejam contempladas nas artes plásticas-visuais, conforme se pode ler na secção on-line de Preguntas Más Frecuentes. Nessa secção informativa também se adianta que já está previsto que a próxima Bienal de Salto, em 2013, seja internacional, abrindo-se nessa altura à participação de artistas estrangeiros.
A inauguração da IX edição da Bienal de Salto está agendada para 14 de Maio de 2011.
[Film still de "Guns for Banta" (1970), de Sarah Maldoror. Cortesia Suzanne Lipinska]
“Sou de Guadalupe, faço parte dos escravos que foram enviados para lá. Sou Africana.” Palavras de Sarah Maldoror entrevistada por Pedro Cardoso para o “Novo Jornal” de Angola (Novembro de 2008), quando foi homenageada no primeiro Festival Internacional de Cinema em Luanda.
Sarah Maldoror nasceu Sarah Ducados em 1939, filha de mãe francesa e de pai natural da Ilha Marie Galante (Arquipélago de Guadalupe), nas Antilhas Francesas. Adoptou mais tarde o apelido vindo da obra “Os Cantos de Maldoror” de Lautréamont e em 1956 fundou em Paris o grupo de teatro “Les Griottes” (“Os Contadores de Histórias”), promovendo a “negritude” através de adaptações de Jean-Paul Sartre e Aimé Cesaire.
Frequentou depois a Academia de Cinema de Moscovo graças a uma das bolsas dadas pela (ex-)URSS na Guiné Conacri, e chegou a conhecer aquele que é considerado por alguns o “pai do filme africano”: Ousmane Sembène.
Foi também então que se iniciou na luta pela independência das colónias africanas pela mão do nacionalista angolano Mário Pinto de Andrade – que conhecera em Paris e do qual se tornaria companheira –, acompanhando os primórdios do próprio MPLA-Movimento Popular de Libertação de Angola (do qual Andrade foi fundador em ’56 e chegaria a ser Presidente em 1960-62).
[Sarah Maldoror na rodagem de "Sambizanga" (1972)]
Amanhã, dia 23 de Fevereiro, na presença de Sarah Maldoror, passam em Londres (onde Mário de Andrade faleceu há 21 anos) precisamente dois dos filmes iniciais da cineasta, profundamente comprometidos com a luta anticolonial: “Monangambé” (1969/71) e “Sambizanga” (1972).
“Monangambé” era o chamamento usado pelas forças anticoloniais para as reuniões nas aldeias e deu título ao seu primeiro filme, dedicado à tortura e incompreensão da língua.
Filmada na Argélia com actores amadores, esta curta-metragem baseou-se no conto “O fato completo de Lucas Matesso” do activista e escritor branco angolano Luandino Vieira, nascido português e preso por mais de 14 anos pela polícia política de Salazar (PIDE-Polícia Internacional e de Defesa do Estado), chegando mesmo a ser deportado para o campo de concentração no Tarrafal.
Sintomaticamente, numa das cenas uma pessoa conversa com um lagarto: “é a metáfora da solidão completa. O lagarto era o único ser vivo com quem aquela personagem podia falar sobre liberdade”, disse Sarah Maldoror na entrevista de 2008 ao "Novo Jornal".
“Sambizanga” foi rodado no Congo Brazzaville – contando mesmo com a participação de militantes do MPLA que aí operavam – e ganhou, logo no seu ano de estreia, a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cartago. Sarah Maldoror partiu novamente de uma obra de Luandino Vieira (“A Vida Verdadeira de Domingos Xavier”), mas desta vez o argumento foi trabalhado também por Mário Pinto de Andrade e pelo escritor, jornalista, editor e comediante amador Maurice Pons.
Nome de um bairro de operários em Luanda, no qual se localizava uma prisão do regime colonial português – cujo assalto em 1961 constituiu o primeiro acto coordenado de sublevação armada contra essa ditadura fascista –, “Sambizanga” em versão fílmica mostra como as mulheres também participaram na luta armada de libertação anticolonial e conta a história de Maria: “uma mulher que, com o seu filho às costas, viaja do interior até Luanda à procura do seu marido, Domingos, preso por razões políticas”. O herói surge confinado nessa prisão, onde é torturado até à morte, terminando o filme com a preparação do histórico ataque de 1961 (altura em que Andrade era Presidente do MPLA).
Portanto, dois filmes imperdíveis para ver e conversar com Sarah Maldoror, em Londres, esta 4f, no Ciné Lumière, numa apresentação moderada por Mathieu Kleyebe Abonnenc e enquadrada no projecto “Foreword to Guns for Banta”.
Manthieu Kleyebe Abonnenc (nascido na Guiana Francesa) é um dos três artistas actualmente em residência na Gasworks, juntamente com Umesh Kumar (Índia) e André Guedes (Portugal). É também curador, pesquisador e o autor do projecto “Foreword to Guns for Banta”, com enfoque na produção cinematográfica de Sarah Maldoror e, em especial, no conturbado “Guns for Banta”: filmado entre os guerrilheiros de Amílcar Cabral no mato da Guiné-Bissau em 1970, mas sem ter chegado a sair da mesa de edição.
É durante esta semana, a 22 de Fevereiro (às 19h) na GASWORKS (em Londres) e a 26 de Fevereiro (às 18h) no CARPE DIEM – Arte e Pesquisa (em Lisboa), que será lançado o livro HOME & ABROAD, documentando as várias actividades concretizadas no âmbito daquele que foi o primeiro workshop da Triangle Network organizado em Portugal, fruto de uma parceria com a associação cultural XEREM. A publicação é bilingue (pt/ing) e fornece variadíssima documentação visual sobre o desenvolvimento do workshop com os 21 artistas participantes durante as duas semanas de residência em Sintra – no Monte dos Ciprestes –, destacando ainda o dia de abertura (“Open Day”) dos espaços de atelier, na casa do Monte, ao público interessado.
Os artistas residentes internacionais foram: Ana Maria Milán (Colômbia), Alex da Silva (Cabo Verde), Beatriz Albuquerque (Portugal), Bernard Akoi-Jackson (Gana), Binu Bhaskar (Índia/Austrália/Emirados Árabes Unidos), Carlos Mélo (Brasil), Cristina Ataíde (Portugal), Daniel Melim (Portugal), Gayle Chong Kwan (Escócia/China/Ilhas Maurícias), Gemuce (Moçambique), Hindhyra (Angola), Isabel Lima (Portugal), Rachel Korman (Brasil/Portugal), Rémi Bragard (França), Salomé Lamas (Portugal), Sara e André (Portugal), Susana Guardado (Portugal), Teodolinda Semedo (Portugal), Tiago Borges (Angola/Portugal), Yara El –Sherbini (Reino Unido/Egipto).
Para além dos textos dos respectivos coordenadores artísticos e co-fundadores da Xerem (Mónica de Miranda e Jorge Rocha), a edição conta também com os testemunhos do próprio director da Triangle Network (Alessio Antoniolli) e da curadora residente (Lúcia Marques), bem como com os diversos contributos de outros curadores, programadores, gestores culturais e artistas convidados a participar na programação transversal desta iniciativa, nomeadamente David-Alexandre Guéniot, Lourenço Egreja, Jorge Barreto Xavier, José António Fernandes Dias, Andrzej Raszyk, Fabrice Ziegler, Herwig Turk, João Dias, Graça Pereira Coutinho, Xana e Rigo. O design é assinado pelos MusaWorkLab.
Tem muitos chineses, vietenamitas, coreanos... Homens amarelos que entretanto se amorenaram, que têm olhos rasgados e hábitos diversos e que se instalaram por todo o lado. Angola tem "chineses" que fazem a estrada, conduzem camiões, têm lojas, constroem casas, hóteis, fábricas, aeroportos, exploram pedreiras; são engenheiros, médicos, arquitectos, electricistas, negociadores.
Angola tem as mulheres dos "chineses" que se escondem nas casas e nas lojas, que vendem gelo, iogurte, fotografias e quinquilharias, e que deambulam como sombras esquivas pelos mercados e pelas ruas.
Angola tem chapeús de palha de aba larga, a fazer lembrar campos infinitos de arroz, espalhados em cabeças negras de africanos,tem calças de ganga de cinta descida e camisolas de manga à cava em corpos orientais, homens acocorados que conversam e fumam, letras como desenhos pintadas em pedras marcando a passagem por ali, ortografias novas, ortografias baralhadas.
Angola não tem bebés chineses. Angola tem tudo misturado, mas a mestiçagem ainda não tem traços de oriente.
É hoje que arranca a mais recente e ambiciosa iniciativa programática do MAM-Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Brasil), intitulada TERCEIRA METADE porque “se desenha no espaço geográfico e mental do Atlântico, em especial na triangulação Brasil, África e Europa”, tal como explicam os respectivos curadores Luiz Camillo Osório (director do MAM) e Marta Mestre (recentemente integrada na equipa curatorial do MAM após estágio INOV-Art como curadora assistente naquela instituição).
O programa multidisciplinar decorrerá de 17 de Fevereiro a 17 de Abril de 2011 e articula uma exposição, um seminário internacional, uma mostra de cinema, o lançamento de um livro e um site, dedicados às “mudanças culturais que acontecem no mundo contemporâneo, em especial entre as três margens deste eixo geográfico” (Brasil, África e Europa).
Assim, a abertura da TERCEIRA METADE acontecerá hoje mesmo às 19 horas locais (Rio de Janeiro) com a inauguração de uma mostra de trabalhos especialmente produzidos no âmbito deste projecto, relacionados com a arquitectura do museu e realizados num “diálogo a três” por parte dos artistas Manuel Caeiro (nascido em Évora, Portugal, em 1975 e actualmente a viver entre Lisboa e o Rio de Janeiro), Yonamine (nascido em Luanda, Angola, em 1975, e actualmente a viver em Lisboa e em Luanda) e Tatiana Blass (nascida em São Paulo, Brasil, em 1979, onde continua a viver).
[Manuel Caeiro]
O Seminário é gratuito – apenas implicando pré-inscrição no website do MAM –, com tradução simultânea (pt/ing) e terá lugar na Cinemateca do museu nos dias 29 e 30 de Março. Propõe-se debater “as relações, as formas de representação e a circulação da economia da cultura no eixo geográfico Brasil, África e Europa” e conta com “a presença de curadores, pesquisadores, economistas, artistas, antropólogos, escritores”, dos quais se destacam Célestin Monga (“camaronês economista do Banco Mundial em Washington”), Roberto Conduru (“historiador de arte brasileiro”), Paul Goodwin (“curador da Tate Britain de Londres”), Adélia Borges (“curadora da Bienal Brasileira de Design 2010”) e António Pinto Ribeiro (“ensaísta e programador da Fundação Calouste Gulbenkian”).
Ainda na última semana de Março realizar-se-á uma mostra de cinema com curadoria da pesquisadora e realizadora Michelle Sales, abordando questões como: “De que forma o cinema ‘olha’ para os ‘olhares’ entre Brasil, África e Europa? Qual o estado do cinema atual, neste eixo geográfico?”, seguindo-se a edição de um livro bilingue (pt/ing) “com todas as ações do projecto TERCEIRA METADE”, para além do respectivo website.
“Terceira Metade” é também o título do último livro da trilogia “Os Filhos de Próspero” do inagualável escritor, cineasta, artista plástico e antropólogo, Ruy Duarte de Carvalho (nasceu em 1941 em Portugal, naturalizou-se angolano em 1975 e morreu na Namíbia em 2010): o primeiro que categorizou explicitamente como um romance, procurando “tratar literariamente, em língua portuguesa e através de um certa ficção, questões comuns a todos os tempos e ao mundo inteiro” (segundo palavras do autor aqui). E aqui um diário de viagem particularmente cúmplice, com o intuito de “problematizar o processo de ocidentalização do mundo e os seus efeitos, com enfoque no espaço atlântico”.
Ora termina precisamente hoje, 17 de Fevereiro, a homenagem póstuma que lhe dedicou em Angola a associação cultural Chá de Caxinde. Que vivam (e revivam) as terceiras metades pelo mundo fora.
Angola tem paisagens enormes, horizontes imensos, naturezas brutais. Tem as Quedas da Kalandula, as segundas em ordem de grandeza em toda a África. Tem tonalidades de verde, humidade tropical, chuvas fortes, céu azul, Pedras Negras, rios e rios, lagoas, mar, montes íngremes e planaltos chãos.
Angola tem agora línguas de asfalto que lambém quilómetros de terra, que parecem querer unir o país inteiro, e que se interrompem, vez em quando, dando lugar a sobressaltos de guerras passadas, a buracos por reparar e trajectos enlameados.
Angola tem maus hábitos, faltas de hábito e gente que quer mudar de hábitos.
Já estão disponíveis em português os 8 volumes da “História Geral da África” graças a uma parceria da Representação da UNESCO no Brasil, com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do Brasil e a Universidade Federal de São Carlos. Este projeto editorial teve início em 1964, ano em que a UNESCO se propôs “contar a história da África a partir da perspectiva dos próprios africanos. Mostrar ao mundo, por exemplo, que diversas técnicas e tecnologias hoje utilizadas são originárias do continente, bem como provar que a região era constituída por sociedades organizadas, e não por tribos, como se costuma pensar.” (vd. site da Representação da UNESCO no Brasil).
No mesmo site pode ler-se que “quase 30 anos depois, 350 cientistas coordenados por um comitê formado por 39 especialistas, dois terços deles africanos, completaram o desafio de reconstruir a historiografia africana livre de estereótipos e do olhar estrangeiro”. E aqui e aqui, encontram algumas referências biográficas e bibliográficas sobre os membros do Comitê Científico Internacional. A colecção completa já foi publicada em inglês, francês e árabe (existindo uma versão condensada editada em inglês, francês e até mesmo em hausa, peul e swahili), mas a tradução portuguesa está totalmente disponível através de download gratuito, pelo que aqui ficam os respectivos shortcuts para consulta, reflexão, debate:
Não foi assim há tanto tempo atrás que pudemos ouvir o testemunho do carismático martiniquês Edouard Glissant (1928-2011) sobre música e crioulização a propósito do novo álbum “KREOL”, que o músico, escritor e conselheiro cultural cabo-verdiano Mário Lúcio lançou também em Portugal.
Estavamos em Outubro de 2010 e na Fnac do Colombo passava um inesperado excerto do documentário homónimo realizado por Frédérique Menant, que acompanhou as gravações do álbum em sete países, seguindo a rota histórica da escravatura.
Glissant surgiu então, durante breves mas impressionantes momentos, em conversa sobre a importância das raízes da música e o modo como esta “deve correr o risco da diversidade”, reforçando através da repetição de ideias (tão estrategicamente eficaz) a sua constatação e defesa do processo de crioulização a partir da especificidade antilhense.
Deixámos agora de poder contar com a sua inquietude contagiante mas o seu legado está talvez mais vivo do que nunca, com todo o interesse que tem vindo a suscitar e tão crucial que é para pensar os dias que vivemos.
Poeta, filósofo e romancista, Edouard Glissant é já internacionalmente reconhecido como um pensador humanista fundamental no que toca aos temas das migrações, diversidade e mestiçagem, identidade e nação, tendo teorizado toda uma “poética da relação” que realça o processo de “crioulização” numa actualidade a que chamou, sintomaticamente, “Todo-Mundo” (“Tout-Monde”): uma cultura feita, cada vez mais, de muitos mundos, uma cultura inexoravelmente feita de culturas.
Vale a pena ler no Africultures um óptimo artigo publicado pelo jornalista e crítico de cinema Olivier Barlet por altura da estreia mundial do filme biográfico que lhe dedicou Manthia Diawara, em Julho do ano passado.
Aqui a homenagem já depois da sua morte, e desta vez escrita, pelo cineasta e escritor Diawara. E aqui encontram uma excelente súmula sobre a importância do legado deixado por Glissant através de Valérie Marin La Meslée.
Não é facto extraordinário a existência de eleições em África (mais de uma dezena em 2010), nem tão pouco a reeleição do partido no poder. Contudo, que num país africano se efectuem eleições após campanhas renhidas, que o partido no poder renove a maioria absoluta e que o partido da oposição assuma a derrota e entenda assumir o lugar que o povo lhe entregou, isso é um facto “extraordinário”, notado e comentado dentro e fora do continente. (Como aqui).
Em Cabo Verde acontecem coisas extraordinárias, como as chuvas mansas que têm abençoado as ilhas este mês de Fevereiro.
Já aqui se destacou esta exposição logo a seguir à sua abertura no antigo Mercado de Sta. Clara (Lisboa), em Dezembro passado. Mas com tantas boas razões para ser revisitada, e estando a um mês do seu fim (8 de Março de 2011), voltamos à iniciativa para divulgar algumas novidades recentes:
- também passou a integrar uma montagem de fotografias sobre a vida e obra do arquitecto Amâncio d’Alpoim Miranda Guedes (também pintor, escultor, professor e coleccionador Pancho Guedes);
- programaram-se visitas guiadas de entrada livre todas as 5.as feiras, às 11h30 e às 15h30 (para além das visitas com um dos comissários, já confirmadas para este sábado e domingo – dias 12 e 13 de Fevereiro – às 17h: marcações pelo n.º 91 2947430);
- e já é possível comprar o catálogo on-line, por exemplo, aqui ou aqui.
A exposição constitui uma oportunidade única de conhecer ao vivo a colecção de arte africana que o casal Dori e Amâncio Guedes reuniram ao longo das suas viagens e estadias (sobretudo em Lourenço Marques – actual Maputo –, Joanesburgo e Lisboa), fruto de cumplicidades várias e de um espírito mecenático informado, atento à simultaneidade das práticas artísticas e usos criativos nas várias Áfricas das décadas de 1950/60, i.e., no arranque das primeiras independências.
Reúnem-se, por vezes numa lógica intencionalmente disrruptiva de entrecruzamento de referências, núcleos de máscaras mais conhecidas (de decoração geometrizante, como a que influenciou decisivamente os modernistas ocidentais) e de outras muito menos divulgadas, (como os exemplares raríssimos que adquiriu directamente junto dos Macua-Iómuè, feitos de entrecasca de árvore), entre outros artefactos rituais, objectos de uso quotidiano e manifestações de arte popular, para além de uma secção especialmente dedicada às chamadas “artes plásticas” (mas também ela representativa do desejo de questionar hierarquias entre disciplinas, géneros ou autorias). É nessa nave central da exposição (que se vê na foto) que encontramos o incontornável conjunto de pinturas iniciais de Malangatana – infelizmente, falecido a 5 de Janeiro deste ano –, realizadas com o patrocínio visionário de Pancho Guedes, mas também quadros feitos na pré-adolescência pelo próprio filho Pedro Guedes, desenhos, esculturas e bordados de amadores ou autores desconhecidos, para além de outras surpresas, como os originais de Bertina Lopes, que devido à promoção e arranjo gráfico de Pancho, ilustraram em 1964 a 1.ª edição da novela revolucionária “Nós Matámos o Cão Tinhoso!” do moçambicano Luís Bernardo Honwana (posteriormente apreendida pela polícia, ainda em Lourenço Marques). No lado oposto dessa parede até painéis publicitários anónimos são expostos, evidenciando os vários caminhos da colecção e da própria exposição que a apresenta (bifurcada logo de início, como o revela a foto da nave central).
Pancho Guedes, autor dos “25 estilos Guedes” e que queria ser pintor, é (afinal) também um dos mais reconhecidos patronos da arte africana contemporânea, pioneiro no apoio a uma produção que acreditava (poder) ser autónoma da lição ocidental, como desde cedo prestigiadas figuras do circuito artístico internacional o reconheceram e agora o relembra o curador da exposição Alexandre Pomar sublinhando, nos textos de apoio, a estreita relação do artista-arquitecto com Frank McEwen (organizador do 1.o Congresso Internacional da Cultura Africana em 1962) e Ulli Beier (fundador do Mbari Club e da revista “Black Orpheus”, na Nigéria), para além de constituir, juntamente com Malangatana e as datas das guerras de libertação, “a única presença relativa às ex-colónias portuguesas na cronologia da história mundial da arte esbelecida no site do MET”.
No catálogo bilingue (pt/ing), para além de dois textos imprescindíveis de Alexandre Pomar – sintetizando a abordagem proposta na exposição e contextualizando com muita informação preciosa o contributo de Pancho Guedes na projecção da arte africana contemporânea (procurando também partilhar o mais possível o conhecimento decorrente de algum acesso ao imenso arquivo pessoal do próprio Pancho) –, há para ler o texto com preocupações de sistematização antropológica do co-curador Rui M. Pereira, a generosa tese de Alda Costa (sobre o panorama Moçambicano nos anos em que o artista-arquitecto-patrono aí viveu), um (auto)retrato escrito por parte do amigo e protegido Malangatana, o testemunho da antropóloga Elizabeth (Betty) Schneider sobre “a influência da arte africana em Pancho Guedes”, uma breve síntese sobre “o arquitecto” por Ana Tostões e ainda importantes notas biográficas dedicadas às variadíssimas autorias presentes na colecção do casal Guedes.
Sintomaticamente, em mais uma opção de montagem acertada, numa das paredes da exposição lê-se: “Acho que a preocupação em sublinhar a diferença da cultura africana é uma espécie de apartheid cultural. Acho que os criadores são sempre mágicos, onde quer que se encontrem, na Europa, em África ou na América. Acho que nos devíamos interessar pela universalidade da arte, pelas forças que levam as pessoas a fazer coisas, em vez de tentar descobrir diferenças sem importância”.
Palavras do genial Pancho Guedes, proferidas em 1962, no 1.º Congresso Internacional da Cultura Africana (em Salisbúria, Harare), no seu jeito algo "warburgiano" (Aby Warburg) de se dedicar às ressonâncias imagéticas, simbólicas, em prol de uma vivência cultural efectivamente global.
E no Brasil, com apoio do programa “Conexão Artes Visuais” (uma iniciativa do Ministério da Cultura Brasileiro com o financiamento da Petrobras), saiu um livro dedicado aos “Espaços Independentes” em torno da grande questão: “como manter um espaço de arte independente”, ou seja “que não esteja necessariamente ligado ao poder público ou a instituições privadas”. É possível folheá-lo aqui e, se passar em São Paulo pelas Edições397/Ateliê 397, pode mesmo levar o seu exemplar gratuito. A publicação contempla cinco estudos de caso brasileiros – Ateliê 397 (São Paulo), Arquipélago (Florianópolis), Branco do Olho (Recife), Atelier Subterrânea (Porto Alegre) e Barracão Maravilha (Rio de Janeiro) –, e inclui um mapa de diversos espaços independentes localizados no país.
Há cerca de um mano escrevia-se no Egipto: The Wildcard e Who should rule Egypt. Este blog escrito por uma egípcia, continua a ser actualizado e é uma excelente fonte de informação, para quem tenha interesse em saber um pouco mais sobre o que se está a passar no Egipto.
Primeira oportunidade para ver em Portugal o trabalho eclético que a jovem artista mexicana, de ascendência nipónica, Hisae Ikenaga (1977) tem proposto através do recurso a materiais e objectos de fabrico industrial disponíveis em cadeias multinacionais, procurando reconfigurar num contexto artístico as suas possibilidades de utilização.
Ikenaga transforma peças de mobiliário do IKEA em esculturas, desmultiplica recortes dos contornos de equipamentos domésticos tornando-os delicados cenários de papel e cria novos “fósseis” com bolas de golfe e corais, num jogo de dicotomias assumidamente lúdico e simbólico. Radicaliza a própria lógica “do it yourself” (“faça você mesmo”), que permite a ampla circulação e comercialização de objectos de consumo, para desviá-los do seu destino formal e funcional mais evidente. Com uma biografia que cruza a América Latina, Europa e Ásia, Hisae Ikenaga traz para a sua obra um modo descomplexado de celebrar a criatividade num mundo cada vez mais dividido entre a homogeneização do que tem alcance global e a sobrevivência do que ainda chamamos de identidades locais. “Concreciones”, ou “diversidade que se agrega num todo”: para ver ao vivo até 26 de Fevereiro na Galeria 3+1, em Lisboa.