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No Fly Zone

A partir de hoje e até 30 de Março no Museu Berardo, seis artistas angolanos refletem sobre Angola de hoje. No dia 1 de Fevereiro, às 18h00será discutida a exposição “No Fly Zone” e o contexto que justifica a sua realização, tendo como plano alargado o artista africano na arte contemporânea, bem como a 3ª edição da Trienal de Luanda. Suzana Sousa, Simon Njami, Fernando Alvim e Pedro Lapa serão as presenças nesta mesa redonda de acesso livre.

"Como se olha para um país que foi colonizado, que se tornou independente, que viveu uma guerra civil, que vive agora a explosão económica antes sequer de ter tempo de se pensar? Essa é a grande pergunta de Kiluanji Kia Henda. "O que fazer com este legado?" E o legado são estátuas, são canhões, mas são também preconceitos e modos de pensar. "Temos de refletir sobre isto e evitar uma amnésia coletiva. É impossível olhar para a história de Angola e não fazer uma abordagem política", diz Kiluanji."

Pode ler-se um pouco mais sobre a exposição aqui

Um itinerário de ocupações: MAPUTO

ocupações temporárias maputo 2012

(Fotografia de Maimuna Adam)

Desde 6 de Dezembro, Maputo está temporariamente ocupada por seis intervenções artísticas de igual número de artistas, tendo como mote a palavra “Estrangeiros”.

Esta proposta temática para a terceira edição desta mostra de arte contemporânea surge depois de muitos debates sobre migrações, legais e ilegais, fluxos de pessoas e trocas inerentes, por se entender que resta ainda espaço para falar “dos de fora”; porque a aldeia que se diz global continua a classificar dicotomicamente os seus habitantes: “os de dentro” e “os de fora”. Este estatuto, que parece exclusivamente geográfico, tem também um eixo temporal que retira a pátria aos “de dentro”, se estes permanecem muito tempo fora. Quando regressam, ou quando chegam, passam a ser olhados como “de fora”. São estrangeiros na terra natal.

“Estrangeiros” nas OCUPAÇÕES TEMPORÁRIAS 20.12 realiza-se em Maputo no mês em que todos os “de fora” parecem ocupar a cidade. Os turistas estrangeiros que chegam de avião ou nos cruzeiros, os moçambicanos do estrangeiro que voltam para as férias de família e praia, os estrangeiros que aqui trabalham, e que ainda não saíram para as suas terras de origem.

A exposição toma as linhas de perspectiva, de trajecto e de trabalho de alguns destes estrangeiros, no caso, cinco artistas moçambicanos que estudaram e viveram ou ainda vivem fora do país, e um angolano.

São muito diversas as obras e as abordagens que os autores fazem e o termo “estrangeiros” é transmitido sem recurso a discursos óbvios.

sandra muendane

(Sandra Muendane/Fotografia de Maimuna Adam)

Sandra Muendane no Aeroporto de Mavalane apresenta “Outra moda é possível” que propõem uma reflexão sobre a origem daquilo que enunciamos como património identitário, a partir de objectos quotidianos.

eugénia mussa

(Eugénia Mussa/Fotografia de Maimuna Adam)

Eugénia Mussa, com o seu tríptico de pintura exposto no exterior do Restaurante Cristal (Av. 24 de Julho, nº 554), obriga-nos a uma leitura mais atenta do que são as paisagens conhecidas. “Fata Morgana”, assim se chama o seu trabalho, vai para além da miragem, recorre à memória e ao envolvimento emocional, para que possamos ver para além do imediato.

rui tenreiro

(Rui Tenreiro, video still)

Rui Tenreiro ocupa o interior da Embaixada Real da Noruega (Av. Julius Nyerere, nº 1162). O visitante começa por experienciar a condição de estrangeiro ao sujeitar-se ao horário da embaixada (exposição visível apenas no horário da instituição) e também com a necessidade de se identificar. Este “ritual” próprio de quem parte para um território estrangeiro, completa-se no visionamento dos três vídeos e dos textos que nos levam em “Viagem ao Centro de Capricórnio” onde, como em qualquer viagem reconheceremos paisagens ou pelo menos traçaremos paralelos com os nossos territórios de origem.

tiago correia-paulo

(Tiago Correia-Paulo/Fotografia de Maimuna Adam)

Tiago Correia-Paulo sai da sua área profissional, a música, e apresenta-nos “5:59” uma instalação com objectos e vídeo na Embaixada Sul-Africana (Av. Eduardo Mondlane, nº 41). Aqui, a abordagem é feita a partir do confronto com a rotina, que poderíamos associar à esperança e muitas vezes à desilusão de alguém que num país estrangeiro se vê obrigado a procurar o cumprimento do seu próprio sonho.

joão petit graça

(João Petit Graça/Fotografia de Maimuna Adam)

A instalação visual e sonora de João Petit Graça na Embaixada de Portugal (Av. Julius Nyerere, nº 720) deixa-nos, literalmente, uma janela aberta para nos debruçarmos sobre os imensos fluxos que o termo “estrangeiros” pode encerrar. “HOYO-OYOH”, leitura em espelho da expressão de boas vindas, é também uma singular visão do que pode ser o fluxo de imigrantes em Maputo, a partir de uma porção de cerveja.

kapela

As reproduções das obras do artista angolano Paulo Kapela podem ser observadas em diferentes pontos da cidade como sejam a Av. Eduardo Mondlane, frente à Ronil, a Escola 1º de Maio da Av. 24 de Julho ou o mural de graffiti na Av. OUA. Estas “Obras” de Paulo Kapela têm associada uma mensagem recorrente de paz e unificação que pretende eliminar o estigma do estrageiro e que se reflecte também no uso indiscriminado de objectos, ícones e referências que o artista faz nas suas colagens e na construção das suas obras que são, normalmente, apresentadas em instalações.

Tal como nas edições anteriores, as Ocupações Temporárias podem ser vistas intencionalmente, como um percurso que se realiza de uma só vez, ou em etapas, feitas ao acaso ou de acordo com a agenda de cada um.

Mais uma vez, a ocupação de espaços não vocacionados para a apresentação de obras de arte constitui a “originalidade” do projecto, sendo relevante o facto de em 2012 se terem aberto à proposta instituições que à partida poderiam ser assumidas como de pouco flexibilidade como são as embaixadas.

O apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian à realização deste evento é também uma nota a reter no apoio à divulgação e à circulação da criação contemporânea moçambicana, no seguimento de outras acções anteriores realizadas com este e com outros projectos.

 

Mais informações:

Ana Lúcia Cruz

+258 82 353 79 21

 

Nota: Os artistas podem ainda ser contactados em Maputo. Uma visita à exposição pode ser agendada com a produtora Ana Lúcia Cruz.

matéria no P3 sobre as "ocupações temporárias" em Maputo!

tiago correia-paulo

[Imagem da instalação de Tiago Correia-Paulo, no projeto "Ocupações Temporárias", em Maputo]

“Estrangeiros”: a reflexão de cinco jovens artistas moçambicanos

Ocupações Temporárias 20.12 apresentam cinco artistas moçambicanos emergentes. Depois de Maputo, segue-se Angola, Cabo Verde e Portugal

A experiência internacional de artistas moçambicanos emergentes é o conceito explorado na iniciativa Ocupações Temporárias 20.12, que arrancou esta semana, em Maputo, e que conta com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

Na sua terceira edição, as Ocupações Temporárias apresentam à capital moçambicana cinco artistas moçambicanos relativamente anónimos na cena artística de Moçambique, e, pela primeira vez, um artista internacional, o angolano Paulo Kapela. O Aeroporto Internacional de Maputo, algumas ruas da capital moçambicana e ainda as embaixadas de Portugal, da Noruega e da África do Sul são os espaços onde poderão ser visitadas as instalações artísticas, numa escolha que pretende “provocar” no público uma “experiência internacional”.

“Há uma vaga de quadros formados, a famosa diáspora, que está a regressar a Moçambique. São pessoas que fizeram formação e têm competências, e que retomam o país e a sua construção. Fazia sentido mostrar que também nas artes há uma diáspora”, disse à agência Lusa Elisa Santos, mentora do projecto.

"Estrangeiros"

Eugénia Mussa, João Petit Graça, Rui Tenreiro, Sandra Muendane e Tiago Correia-Paulo são os cinco artistas moçambicanos convidados. O tema “Estrangeiros” foi o ponto de partida para a construção dos seus projectos de ocupações artísticas. “A própria natureza do projecto e o seu lado inédito e, de alguma forma original, suscitou o interesse. Não é apenas uma exposição: é uma exposição num determinado contexto e com determinados objectivos”, avançou António Pinto Ribeiro, curador da Calouste Gulbenkian, explicando o apoio da fundação.

Na apresentação pública da iniciativa, os jovens fotógrafos moçambicanos Filipe Branquinho e Camila de Sousa falaram sobre a sua experiência de participação nas Ocupações Temporárias de 2011, que lhes garantiu uma exposição nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Com o seu trabalho, Filipe Branquinho foi ainda seleccionado para a final do concurso BESPhoto 2013, que, na última edição, teve como vencedor o fotógrafo moçambicano Mauro Pinto.

“Foi, de alguma forma, um encontro entre dois tipos de interesses: do nosso ponto de vista, apresentar obras notáveis e muito boas, do ponto de vista dos fotógrafos, terem a oportunidade de se apresentarem em Lisboa e, posteriormente, em Cabo Verde”, disse António Pinto Ribeiro. “(as ocupações) Têm trazido uma capacidade de ligar os artistas e de os pôr a trabalhar em conjunto, de falarem de linguagens e técnicas que, se calhar, não falariam. Também têm trazido um reconhecimento internacional: temos feito um esforço muito grande para divulgar o que estamos a fazer”, sublinhou Elisa Santos.

As Ocupações Temporárias 20.12 estão em Maputo até ao dia 27 de Dezembro. Seguem depois para Angola, Cabo Verde e, finalmente, Portugal.

Mais notícias, aqui.

"O Grande Kilapy": agora em Londres, para o ano em Lisboa!

o grande kilapy

"O Grande Kilapy", do realizador angolano ZéZé Gamboa, produzido pela David e Golias (Fernando Vendrell), será exibido nos próximos dias 15, 18 e 20 de Outubro de 2012 em três salas de Londres, entre as quais o charmoso cinema Ritzy e o prestigiado BFI.

Em Junho de 2013 estreará em Lisboa, no Anfiteatro ao Ar Livre da Gulbenkian, no âmbito do Programa Próximo Futuro.

Mais sobre "O Grande Kilapy" em Londres, aqui. E entrevista feita pela Marta Lança (Buala) ao Zézé Gamboa, aqui.

"Disco Angola (in New York City)"

Published4 Apr 2012

Tags angola fotografia stan douglas

The photographer Stan Douglas’s new project “Disco Angola,” a work in progress, is on display at the David Zwirner Gallery in New York until April 28, 2012. The New Yorker announced the show in Goings on About Town with the image above. What’s amazing is that Douglas has not been to Angola, though from what I read in this interview with Monica Szewczyk he has done a good bit of studying up.

Here are some of the photos from the show which puts, as Douglas describes it to Szewczyk, postcolonial Angola and postindustrial New York in visual touch, makes capoeira and kung fu “visual rhymes.” I think he is on to something.

Stan Douglas: Disco Angola

Continuar a ler.

"Living in the world's most expensive city"

Published7 Feb 2012

Tags angola cidades indonésia luanda

Wina Miranda says tomatoes can cost up to $16 per kilo

When you think of the world's most expensive cities, the dusty Angolan capital of Luanda seems an unlikely contender

Potholed, chaotic and still scarred by decades of civil war, the city has little of the glitz and glamour of Tokyo, New York or Moscow, and an estimated half of Angolans live on less than $2 a day.

But despite the obvious poverty and sprawling slums, Luanda still manages to boast some eye-wateringly high prices.

A house can be $10,000 (£6,500) a month to rent, a basic meal out for two is easily $50, a hotel room can weigh in at $400 a night and a kilo of imported tomatoes a staggering $16.

A basic saloon car without a driver (which foreigners need to negotiate the difficult traffic and parking) will be $90 a day, but upgrade to a SUV (recommended due to the poor quality roads) and you're looking at $200.

'Expense'

It is prices like these that in recent years have seen Luanda top expatriate-cost-of-living surveys by agencies such as Mercer.

When Wina Miranda moved from Indonesia to Luanda in 2008 with her engineer husband Erwin Santosa, she knew the city was going to be expensive, but she wasn't prepared for quite how expensive.

"Actually the cost of living and the expense was all I found when I Googled Angola," the 34-year-old said.

"There wasn't much else, no pictures or other information, just stories saying how expensive it was here. But actually we didn't know quite how expensive it was until we really came here and experienced it."

Erwin, also 34, works for an international oil company which pays for his family's housing (a compact three-bedroom bungalow inside a private compound in the south of the city), his car and their seven-year-old daughter Obin's international school fees.

Para ler o artigo completo de Louise Redvers na BBC News, basta clicar aqui.

Uma aula de ciência e outra de filosofia, em Paraty (III)

Declamador na FLIP 

"Uma aula de ciência e outra de filosofia": Pola Oloixarac (Argentina) e valter hugo mãe (Angola/Portugal)

O livro dela "As teorias selvagens" parte da ideia de uma guerra cultural. Guerra por significados. Como o conhecimento pertencendo a uma casta separada das paixões "baixas."
Ela busca através da ironia dar conta de uma relação privilegiada com o conhecimento. Tenta criar uma imaginação política, pois há uma tradição da literatura política na América Latina ser muito militante e séria, que ela deseja quebrar com seu livro.
Mistura tecnologia, luta política no âmbito cultural, junto com uma subjetividade que emerge numa potência selvagem... Parece interessante. E ela tem uma aparente obsessão com a luta política.
O valter fala da morte, parece obsecado por ela. Conta que o pai vivia achando que ia morrer até que morre aos 59 anos. Muito simpático, sensivel, fala que busca nos livros que escreve suprir uma falta, algo que não tem na sua vida. Falou muito do outro, da tentativa de entender o outro, da procura pelo outro, como algo que pode ensinar-nos sobre nós mesmos. Seus livros começam sobre um outro e terminam nele, encontrando esse outro dentro de si mesmo.
Deixou todos muuuuito emocionados e foi realmente lindo, quando ele leu uma crônica que escreveu para falar da sua relação com o Brasil.
Foi tão lindo. Ele chorou, muita gente chorou, tenho certeza que vão por online. E tem que ver.
E o livro parece legal mas deve ser triste p'ra xuxu! 

Imagem e texto de Madame de Stael, correspondente em Paraty

ainda há muito para ver no VERÃO do PRÓXIMO FUTURO!

Terminaram ontem os eventos PRÓXIMO FUTURO/Verão 2011 mas ainda há muito para ver até ao final do ano!

Desde logo, a exposição "Fronteiras" (mostra central dos 8.os Encontros Fotográficos de Bamako, vinda do MALI) que, para além das mais de 700 pessoas na inauguração, já foi entretanto visitada por mais de 6.500 pessoas.

Também continuam visitáveis, durante todo o verão, as instalações dos artistas Nandipha Mntambo (ÁFRICA DO SUL), Kboco (BRASIL) e do colectivo Raqs Media (ÍNDIA) pelo Jardim Gulbenkian, para além das intervenções artísticas de Bárbara Assis Pacheco (PORTUGAL), Délio Jasse (ANGOLA), Isaías Correa (CHILE) e Rachel Korman (BRASIL) nos Chapéus-de-Sol projectados pela arquitecta Inês Lobo, também no JARDIM Gulbenkian.

Mais informações e contactos, aqui.

E que mais há de imperdível em JUNHO?

ACHILLE MBEMBE no Centre for Creative Arts (University of KwaZulu-Natal)

Em Junho, esperamos que se junte a nós logo no dia 16 (quinta-feira), às 17h00, na inauguração das intervenções propostas para o JARDIM da Gulbenkian pelos artistas Bárbara Assis Pacheco (Portugal), Délio Jasse (Angola), Isaías Correa (Chile), Kboco (Brasil), Nandipha Mntambo (África do Sul), Rachel Korman (Brasil), e o colectivo Raqs Media (Índia).

No dia seguinte, 17 de Junho (sexta-feira), às 09h30, terá início a segunda parte das LIÇÕES do Próximo Futuro (2011), reunindo investigadores, poetas e professores de diversas geografias (Brasil, Camarões, EUA e Portugal), em torno de reflexões sobre “Democracia e a Ética do Mutualismo” (a partir da “experiência Sul-africana”), “Qual o futuro próximo da Poesia?”, “As grandes incertezas da historiografia africanista” e “Produção, utilização e partilha do conhecimento na economia global”.

Alguns links (complementares às respectivas bios no Jornal) para conhecer os conferencistas de dia 17 de Junho:

Achille Mbembe (Camarões)

What is a postcolonial thinking?

Donors have a simple notion of development

The invention of Johannesburg

Eucanaã Ferraz (Brasil)

Não saberia dizer a hora…

Entrevista

Errática

Margarida Chagas Lopes (Portugal)

Entrevista Antena 1

Desemprego e Interioridade

Principais actividades e trabalhos em Economia da Educação e da Formação

Ralph Austen (EUA)

The Department of History

Trans-Saharan Africa in World History

Postcolonial African Literature

KILUANJI KIA HENDA: soma e segue…!

Published12 Apr 2011

Tags angola besphoto fotografia kiluanji kia henda soso

KILUANJI KIA HENDA em frente ao seu trabalho “Ngola Bar” (2006), na 52.ª Bienal de Veneza, em 2007.

Foto: Christine Eyene

Com exposições realizadas em importantes iniciativas e espaços de diferentes países nos continentes africano, europeu e americano, Kiluanji Kia Henda (n. 1979, Luanda) é um dos artistas angolanos com maior reconhecimento internacional no panorama artístico da actualidade.

Artista autodidata, tem-se destacado pelo trabalho fotográfico que tem vindo a desenvolver sobre o país onde nasceu e vive, paralelamente à criação de séries relacionadas com outros lugares e contextos, decorrentes das várias residências artísticas em que tem participado. Depois da sua primeira residência artística na I Trienal de Luanda, em 2005, integrou programas de residências como os da galeria ZDB (Lisboa, 2007), espaço Blank Projects (Cidade do Cabo, 2008) e Fondazione di Venezia (Veneza, 2010), participando também na 52.ª Bienal de Veneza (Itália, 2007), na 3.ª Trienal de Guangzhou (China, 2008) e na 29.ª Bienal de São Paulo (Brasil, 2010).

Kia Henda realizou a sua primeira exposição invidual em Luanda, na Galeria SOSO (“Estórias e Diligências”, 2009) e um ano depois apresentou, no espaço da SOSO em São Paulo, a nova individual, intitulada “Trans It”, que entretanto desenvolvera em Bordéus (França, exposição “Evento”).

O trabalho “Self-Portrait as a White Man”, desenvolvido entre Veneza e Luanda no âmbito da residência internacional “Art Enclosures”, seguiu logo depois para Itália e deu lugar à sua individual com o mesmo nome na Galleria Fonti (ler artigo aqui).

Neste ano de 2011, algumas das suas obras já foram “apanhadas” no meio de uma revolução (exposição “Propaganda by Monuments”, concebida para o CIC no Cairo, Egipto). Outras podem ser vistas, até final desta semana, na Airspace Residency (Nova Iorque, EUA), na mostra “The Days of This Society Are Numbered”, com curadoria de Miguel Amado. E há ainda trabalhos seus a concurso em Lisboa (no CCB-Centro Cultural de Belém), depois da nomeação para o Prémio BES Photo, que na sua 7.ª edição se abriu aos países da CPLP e cujos resultados são divulgados hoje mesmo, dia 12 de Abril…!

No CCB, Kia Henda expõe ao lado de Mauro Restiffe (Brasil), Manuela Marques (Portugal), Mário Macilau (Moçambique) e Carlos Lobo (Portugal). Aqui um breve depoimento do artista no âmbito da exposição e aqui uma entrevista elucidativa feita pela Lígia Afonso (assistente curatorial na 29.ª Bienal de São Paulo), publicada no catálogo do BES Photo 2011. Para uma biografia mais detalhada é ir aqui.

Vale também a pena ler o artigo que o próprio Kiluanji escreveu em Maio de 2010 sobre “O sonho de Niemeyer e o Universo Paralelo” e ouvi-lo a apresentar os seus projectos na Tate Modern: “Talks & Discussions: After Post-Colonialism: Transnationalism or Essentialism?”.

Lúcia Marques

Comédias

Published5 Apr 2011

Tags África angola luanda

Entre fritos, cafés e bolos de uma cantina manhosa na baixa de Luanda, aguardo que a menina da caixa, negra, belfa, de lábios cor de rosa, me entregue um cartão de saldo para o telefone. Sobre uma das montras de bebidas há um aparelho sintonizado na rádio local que debita em alto volume uma selecção musical inenarrável: Alicia Keys, Mozart, Guns and Roses.

Talvez seja o purgatório e não o inferno. 

Elisa Santos

O que é que Angola tem (3)

Published11 Mar 2011

Tags África angola

 Transporte de gelo - E.R.

Angola tem esquemas. Bué de esquemas.

Muitos mambos e makas que complicam buisnesses e que precisam ser contornados.  Tem chefes, manos, doutores, tias, padrinhos, irmãos primos, sobrinhos, vizinhos e "o camarada lá". Gente com bata, gente com arma, gente com carro, gente com posição, gente com fome, gente com paciência, gente com jeito.

Angola tem devotos que ralham com os seus santos em frente a altares confusos entre cristandades e preposições pagãs; pastores, madres, padres, catequistas, sobas, mais velhos, tradicionais e aflitos

Angola tem códigos alternativos, éticas paralelas, signos próprios, modus operandi. Angola tem ordem. Outra ordem. Modus vivendi

O que é que Angola tem (2)

Published18 Feb 2011

Tags África angola

Angola tem "chineses".

Tem muitos chineses, vietenamitas, coreanos... Homens amarelos que entretanto se amorenaram, que têm olhos rasgados e hábitos diversos e que se instalaram por todo o lado. Angola tem "chineses" que  fazem a estrada, conduzem camiões, têm lojas, constroem casas, hóteis, fábricas, aeroportos, exploram pedreiras; são engenheiros, médicos, arquitectos, electricistas, negociadores.

Angola tem as mulheres dos "chineses" que se escondem nas casas e nas lojas, que vendem gelo, iogurte, fotografias e quinquilharias, e que deambulam como sombras esquivas pelos mercados e pelas ruas.

Angola tem chapeús de palha de aba larga, a fazer lembrar campos infinitos de arroz, espalhados em cabeças negras de africanos,tem calças de ganga de cinta descida e camisolas de manga à cava em corpos orientais, homens acocorados que conversam e fumam, letras como desenhos pintadas em pedras marcando a passagem por ali, ortografias novas, ortografias baralhadas.

Angola não tem bebés chineses. Angola tem tudo misturado, mas a mestiçagem ainda não tem traços de oriente.

O que é que Angola tem (1)

Published16 Feb 2011

Tags África angola

Angola tem paisagens enormes, horizontes imensos, naturezas brutais. Tem as Quedas da Kalandula, as segundas em ordem de grandeza em toda a África. Tem tonalidades de verde, humidade tropical, chuvas fortes, céu azul, Pedras Negras, rios e rios, lagoas, mar, montes íngremes e planaltos chãos.

Angola tem agora línguas de asfalto que lambém quilómetros de terra, que parecem querer unir o país inteiro, e que se interrompem, vez em quando, dando lugar a sobressaltos de guerras passadas, a buracos por reparar e trajectos enlameados.

Angola tem maus hábitos, faltas de hábito e gente que quer mudar de hábitos.

Luanda em dia de aniversário

Published25 Jan 2011

Tags África angola luanda

 

Para além de S. Paulo, também Luanda celebra o seu aniversário, o 435º!. O blog Luanda Azul publica um texto de Pereira Dinis, do Jornal de Angola, sobre a cidade em dia de anos. Aqui.

A ver em Paris

Um museu que investe muito seriamente na apresentação de arte africana tradicional e erudita. É o Museu Dapper que apresenta até 10 de Julho de 2011 a EXPOSIÇÃO Angola Figures de Pouvoir. Um exposição composta por uma primeira parte dedicada à obra do artista plástico António Olé e uma segunda parte que reune peças extraordinárias provenientes de várias colecções públicas e privadas de escultura, estatuária, máscaras, tecidos e utensílios de rito de Angola, ou mais precisamente, do antigo reino do Congo. A ver, aqui, ou lá.

 

(CHOKWE) Angola, figures de pouvoir

E uma exposição de fotografia de artistas sul-americanos com obras desde os anos 30 do século passado à actualidade: Fragments Latino-Américains. São dezasseis fotógrafos de nove países e é uma exposição a ver para conhecer a excelência desta tradição fotográfica. Na Casa da América Latina em Paris.

 Roberto Humacaya

TEMPO DE OUVIR O ‘OUTRO’ ENQUANTO O “OUTRO” AINDA EXISTE, ANTES QUE HAJA SÓ O OUTRO...

Published13 Aug 2010

Tags África angola literatura ruy duarte de carvalho

(Conferência proferida por RUY DUARTE DE CARVALHO a 27 de Outubro de 2008 no âmbito da Conferência 'Podemos viver sem o Outro?'/Programa Gulbenkian Distância e Proximidade. Este texto está publicado no  livro com o mesmo título pela Tinta da China/Fundação Calouste Gulbenkian)

Ruy Duarte de Carvalho

........fazendo eu parte, cívica, emotiva e intelectualmente, da categoria geral do OUTRO em relação à Europa, também por outro lado a questão do OUTRO, e dadas as condições fenotípicas e de origem que me assistem, tem feito sempre parte da minha experiência existencial e pessoal dentro do próprio contexto, africano e angolano, em que venho exercendo a vida e ofício......  isso me tem levado, para poder ver se consigo entender o mundo e entender-me nele e com ele, a identificar e a reconhecer uma multiplicidade de OUTROS........ no presente caso retive apenas três categorias de OUTRO, que são as que me parecem capazes de permitir-me  tentar expor o que poderei ter para dizer aqui..........

.....considerarei aqui como OUTRO, sublinhado ou em itálico, os indivíduos e os grupos, muitos deles já nascidos ou constituídos no territórios das ex-metrópoles a partir de genitores ex-colonizados ou provenientes de ex-colónias e que hoje integram, de pleno direito estatutário, as populações nacionais dessas mesmas ex-metrópoles embora reconhecidos como diferentes da massa dominante através de traços fenotípicos ou culturais......... como ‘OUTRO’, entre apóstrofos, o ex-colonizado ocidentalizado com que o ocidente lida nos contextos das ex-colónias........ e finalmente como “OUTRO”, entre aspas, aquele sujeito marcado por traços afetos a populações que, integradas embora como nacionais em estados-nação que hoje existem a partir de contornos ex-coloniais, mantêm usos, práticas e comportamentos mais afins a quadros pré-coloniais do que pós-coloniais ou mais ou menos ocidentalizados........ quer dizer, subsiste  aí, em muitos casos, um “outro” não, ou ainda não completamente, ocidentalizado ....... . o qual, no decurso de um presente que é também o nosso, continua a ser objeto, evidentemente, de uma pressão ocidentalizante que acaba por ser a marca dominante do seu comum dia-a-dia de pessoas que à luz dos proclamados direitos do homem valem tanto como quaisquer outras pessoas no mundo..........

......só que a sua situação e a sua condição se revelam tão diferenciadas nos contextos nacionais em que subsistem que, da mesma maneira que aqui na Europa, onde estou agora a falar, as ex-metrópoles parece não saberem muito bem às vezes o que fazer com o outro, em itálico, que vem ao mundo em território seu, também o ‘outro’, entre apóstrofos, que gere os territórios das ex-colónias, parece também por seu lado ter dificuldade em saber o que fazer com esse “outro”, plenamente entre  aspas.........

..........este será, em meu entender, um dos problemas, um dos impasses colocados ao mundo de hoje pelo processo histórico que veio a configurá-lo e continua a dinamizá-lo tal como ele hoje existe, e é evidente que estou a falar da expansão ocidental como ela se tem desenvolvido e mantém em curso.................

*

.........outros problemas porém, muitos dos quais, de novo em meu entender, acabam por constituir-se ou configurar-se como impasses, assistem ao mundo de hoje na decorrência, precisamente, e insisto, da expansão ocidental e do lugar que a matriz ocidental de civilização acabou por impor ao mundo inteiro.......... de um modo tal, aliás, que as evidências de uma situação assim não deixam de suceder-se e impor-se cada vez com mais premência, como está acontecendo exatamente neste preciso momento com a crise financeira que o mundo está enfrentando.......... parece que o mundo ocidental, e ocidentalizado, não pode decididamente ignorar mais a necessidade urgente de fazer alguma de inédito por si mesmo.......... do que nestas últimas semanas tenho insistentemente ouvido a tal respeito, retenho apenas que todos as instituições e os governos ocidentais chamados a pronunciar-se sobre a crise em presença se viram perante a necessidade de afirmar que as suas atuais preocupações dominantes com a finança não devem nem podem ofuscar, nem preterir, nem retardar a preocupação vital e global com a saúde, a preservação e salvação ambiental do planeta.......... e mais ainda que os developping countries, que não são exatamente aqueles que mais imediatamente são convocados para encarar a crise do mundo geral, ocidental e ocidentalizado, exigem ser ouvidos quanto antes........

............e é aqui que me ocorre formular a seguinte pergunta: sendo que o mundo global reconhece ter de fazer imperativamente alguma coisa por si mesmo em relação à sorte global do globo, sendo que as vozes emergentes terão obrigatoriamente de ser ouvidas, não seria talvez então também já agora altura de atender ao que toda a espécie de vozes que o mundo ainda comporta poderá ter eventualmente a dizer no interesse talvez de todos? ............. mesmo as vozes daquele “outro” que eu aqui identifico envolvido entre cerradas aspas?......... que podemos viver sem ele, recorrendo ao mote deste encontro, talvez possamos, até porque ele vai inexoravelmente desaparecer, mas não seria pertinente, para o debate e para a sorte do mundo, tentar ou ensaiar ouvi-lo ainda, enquanto existe?.........

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.............estou a sair da Namíbia, onde de há cinco meses a esta parte tenho usufruído do luxo de poder dedicar-me exclusivamente a um livro que estou escrevendo........... é um livro de meia-ficção, na sequência de outros em que tenho tentado essa modalidade, e cuja ação se desenvolve em grande parte no Sudoeste de Angola e no Noroeste da Namíbia, onde subsistem precisamente populações que eu posso identificar com o tal OUTRO absoluto que tenho vindo a referir..... quando recebi lá o convite para participar neste encontro, acedi sem grande hesitação porque em meu entender me via colocado uma vez mais numa situação em que a realidade vem ao encontro da ficção e poderia de alguma forma integrar o estar agora aqui no programa que me tinha anteriormente imposto e via assim interrompido..........  na trama do enredo que tenho vindo tratando nesse livro em curso, dois dos seus personagens concebem a certa altura poder ter para propor ao mundo, a partir das cosmologias e das cosmogonias locais, australo-africanas, para o caso, a figura de um herói tutelar perfeitamente adequado às preocupações, às aflições e às urgências que parecem impor ao mundo em que vivemos uma resposta pronta, eficaz, adequada e no entanto bem difícil de conjeturar ou conceber porque essas preocupações, aflições e urgências decorrem afinal de pressupostos e de dinâmicas que o mundo moderno, ao mesmo tempo, parece pouco disposto a pôr em causa.............

.........o herói em questão dá pelo nome de Nambalisita, e é figura de grande estatura no imaginário e na expressões das populações da região a que me referi e que também costumo identificar como mancha clânica pastoril do Sudoeste da África, constituída sobretudo por populações herero, ovambo e nyaneka........ Nambalisita, com quem eu lido de muito perto desde que há mais de um quarto de século rodei um filme chamado Nelisita, é aquele que se gerou a si mesmo...... ele nasce de um ovo auto-fecundado.......  e contra o mal e os maus e os desconcertos do mundo, Nambalisita faz apelo aos animais todos da criação, seus irmãos, os seu s rapazes, e até mesmo à criação inteira.........

..........só que, sabem os personagens do meu livro muito bem, não será fácil propor um herói desses ao mundo ocidental e ocidentalizado, que detém as rédeas do mundo e dos seus destinos.... Nambalisita emerge de uma matriz  cosmogónica e cosmológica que não é a que conferiu ao ocidente o poder para vir a ocupar o lugar que hoje ocupa no mundo globalizado...........  enquanto para nós aqui, nesta borda da África, refere um desses personagens,  para a nossa maneira de ver as coisas a tudo quanto é vivo assiste uma alma igual que afinal cada ser vivo, seja ele pessoa, hiena ou lagartixa, exprime, vivendo, conforme o corpo de que dispõe, para os brancos e para aqueles que os brancos converteram, domesticaram à maneira deles, é tão só o corpo que identifica o homem enquanto animal, porque o que o que constitui como homem é ter uma alma de que o resto da criação não dispõe........ é essa a expressão da razão, da arrogância e da soberba invasora......... ela coloca o homem fora da condição biológica como se ele estivesse a salvo de tal baixeza e partilhasse com deus, só ele e não o resto da criação toda, da condição divina........... o homem no centro do universo e a servir de medida a tudo, até a deus....... antropoformização de tudo, mesmo de deus........ o divino configurado como um deus branco de barbas brancas.............. tudo domesticado segundo um modelo que previa até o selvagem que nós seríamos aqui, um meio-humano que só tem acesso ao patamar da humanidade, só é verdadeiramente humano, quando aferido em relação não à medida do resto da criação no mundo, mas à da maneira de certos  homens que têm uma versão do mundo e da vida que impõem aos outros, e armas, meios e dispositivos para tirar benefício disso....... o universo feito para uso deles e, em nome de deus e da civilização, autorizados a converter entretanto o mundo todo, divino, humano, animado e inanimado, às suas maneiras, à sua maneira........... uma maneira, a do paradigma que cobriu a expansão ocidental, portanto, que não pecava afinal por sobreestimar as pessoas......... não as colocava mas é tão alto quanto lhes cabe........ porque, mesmo depois de ter chegado o tempo das descolonizações e da entrega das soberanias locais aos ocidentalizados que provinham das populações indígenas anteriormente encontradas, o que de facto aconteceu foi legar-lhes, sem nação ou arranjo pluri-nacional, uma herança envenenada de estados modernos definidos por fronteiras políticas coloniais historicamente recentes e alheias aos diferentes e muitas vezes distintos grupos ou sociedades envolvidos ou retalhados........... e exigiu-se-lhes de pronto o desempenho de estados-nação num mundo universal onde as regionalides dominantes em vias de consumação no quadro político das globalidades operam, ao mesmo tempo, no sentido de se desembaraçarem dessa figura política de estado-nação, como está acontecendo por exemplo com a Comunidade Europeia..........

........só uma grande volta paradigmática, portanto, acrescenta então outro personagem plenamente ao corrente das terminologias ocidentais............ paradigmática e verdadeiramente pragmática....... mas que não contemplasse esses pragmatismos oportunistas e cínicos em que a categoria do necessário e do vantajoso substituiu completamente a do possível e consistem em não conseguir encarar nada sem fazer logo as contas do beneficio parcial que a  situação inspira e não olhar para o mundo senão em função disso........

.......da mesma maneira que seria necessário ter em conta que a uma tal volta paradigmática não bastaria admitir que o “OUTRO” pudesse ser capaz de ver os fenómenos e o mundo e avaliá-los e equacioná-los e aproveitar-se deles segundo as suas razões e os seus interesses, como faz o ocidental.... isso não é volta paradigmática nenhuma, é uma questão de bom senso.........            volta paradigmática será admitir, e reconhecer, que alguém, mesmo sendo o “OUTRO”, pensando de uma maneira radicalmente diferente, possa conseguir ver certas coisas e certos fenómenos de uma maneira melhor e mais adequada à efetiva configuração do mundo, e que os ocidentais e os ocidentalizados,  nesse caso,  é que teriam a aprender com o “OUTRO”, e que isso acabaria por convir a todos........... uma volta, assim, que permitisse, perante os impasses que a expansão e a imposição do paradigma ocidental produz no mundo inteiro – inclusive nessas partes do mundo de onde ele saiu porque estão agora a contas com o troco, que são os filhos dos ex-colonizados, que estão a nascer lá –, permitisse ao próprio saber ocidental achar ser tempo de prestar uma atenção diferente aos chamados discursos arcaicos, dar-se a uma contra-descoberta, por assim dizer, daqueles que antes foram descobertos pelas caravelas......... o que talvez, na linguagem dos especialistas, pudesse ser formulado dizendo que seria tempo de ouvir o ‘outro’ enquanto o “outro” ainda existe, antes que haja só o outro, o tal imprevisível mestiço universal que o tempo se encarregará de produzir.........

..........é isto que os meus personagens dizem no livro que estou a escrever e interrompi para poder estar agora aqui......... esse livro virá a estar à disposição de todos dentro de algum tempo, e só vou deter-me agora aqui num dos aspectos que enunciei: ouvir ainda esse “OUTRO” enquanto ele ainda existe....... ainda existe mesmo?...........

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....existe ainda sim, em certas partes do mundo como aquela de onde estou a sair e me mobiliza de há décadas a esta parte a atenção total......... e se me empenho agora aqui em fazer campanha para que esse “outro” seja ainda tido em conta e ouvido não é tanto porque entenda que devemos ir todos escutar atentamente o que os mais-velhos de lá poderão ter ainda para dizer e para nos ensinar........ a minha experiência de antropólogo leva-me a encarar com a maior prudência o que os mais velhos de hoje poderão vir a dizer aos que os abordam para interrogá-los......... dizem exatamente aquilo que muito pragmaticamente entendem que lhes convém que os outros ouçam, como acontece seja com quem for em qualquer parte do mundo......... será antes imperativo, em meu entender, ter essas populações em conta porque elas ainda hoje, neste preciso momento, continuam a ser alvo de uma violentação, de uma lesão, que lhes é imposta pela expansão ocidental ainda em curso e acionada tanto por ocidentais estrangeiros como por ocidentalizados compatriotas seus.......

....não estou aqui mandatado por ninguém para falar em nome seja de quem for....... falo por mim.......... não defendo nenhuma causa, assumo uma questão que diz respeito à minha própria razão de existir......... mas não posso deixar de referir, quando sou chamado a pronunciar-me acerca de questões que se reportam ao lugar do OUTRO, de que forma me aflige, para não dizer de outra maneira, ver populações que eram assediadas antes por agentes da ocidentalização impondo-lhes assumir os sinais e as maneiras do modelo ocidental e do progresso tecnológico e que são assediadas hoje pelos mesmos agentes ou equivalentes que agora pretendem impor-lhes a preservação dos sinais e as maneiras dos seus modelos arcaicos e não-ocidentais porque isso passou a insinuar-se como o mais rentável tanto para uns como para os outros desde que se deixem integrar em menus de programas turísticos e se deixem representar como expressões de um exótico ecológico e redentor ao lado de outras atrações bizarras como manadas de zebras, de elefantes e de gazelas.............

....não me perguntem que soluções proponho para problemas desta ordem........ não sou nem político, nem profeta, nem militante seja do que for......... mas terão certamente o direito de pe rguntar-me aonde quero chegar se não tenho propostas para salvar o “OUTRO” e todavia ainda assim convido a que esse outro seja tido em consideração e ouvido embora também não proponha que vão lá ouvir o que os mais-velhos poderão ter para ensinar.......... que tipo de ação ou de atitude me leva ainda assim a pretender reter-vos a atenção?........

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......o que eu proponho é bem simples e ao alcance de interessados e de profissionais susceptíveis de ser congregados à volta de questões desta natureza............. não é ter um caminho a propor....... é antes ter algumas idéias para uma eventual hipótese de poder vir a ajudar a encontrar maneira de achar um caminho....... admitir uma possível perturbação, reconfiguração ou mesmo substituição prospectiva, pragmática e programática do paradigma cosmogónico, cognitivo, institucional e político ocidental / global / universal, recorrendo a outros quadros paradigmáticos...... não se trataria de introduzir qualquer espécie de remedeio, de compensação ou de arranjo nos terrenos do paradigma humanista, mas antes de tentar configurar, ou  reconfigurar, um novo paradigma.............. no âmbito desta proposta a hipótese apenas seria encarada a partir e através da identificação, da convocação e da possível integração de dados provenientes de outros quadros de concepção, cognição, representação e ação afins a géneses  africanas e outras...... não se trataria seguramente de tentar suster a mudança mas de convocar outros saberes, outras visões, outras maneiras, outras hipóteses de mudança para além da que é imposta pelo programa ocidental........ nem se trataria de visar a substituição de um paradigma por outro ou de propor um melhor que o outro......... mas alvitrar apenas alguma ação que soubesse extrair do que se sabe, e de todos os meios e expressões, alguma maneira melhor de lidar com toda a ordem de impasses sem estar a criar sempre novos impasses civilizacionais, acrescentando novos impasses a toda a ordem deles.........

........voltando à proposta, pois: não será eventualmente possível encarar a hipótese de poder extrair de outros quadros paradigmáticos que não o do humanismo ocidental algo que venha ao encontro do próprio interesse global irreversivelmente marcado e conduzido pelo modelo que o ocidente impôs ao mundo inteiro e continua em expansão?............

................mas então se o meu programa não passa por ir muito voluntariosa, folclórica e militantemente ouvir o que os mais-velhos poderão ter para ensinar, passará por quê então?...... poderá talvez passar muito ortodoxa e academicamente, e será esse o meu sucinto e singelo e discreto programa, por ir ver o que a própria expansão ocidental terá produzido como registo sobre o “outro”.......... uma releitura, uma revisita, portanto, daquilo que existe escrito......... mas não uma releitura crítica clássica............ procurando antes tentar descortinar e extrair o que poderá estar por detrás dos documentos etnográficos que foram utilizados, se existirem, ou dos textos produzidos sem que os seus autores tivessem em conta a hipótese de poder existir qualquer outro paradigma susceptível de merecer alguma consideração....... uma releitura, portanto, que ensaiasse agora outra perspectiva, uma perspectiva, precisamente, que tivesse em conta outras maneiras de o homem ver a sua relação com o resto da criação, que conferisse, assim, uma importância e uma pertinência diferentes a paradigmas outros que não o paradigma humanista ocidental que se impôs, dominou, e impera a partir daí em exclusividade........... que tivesse até em conta que esta seria, talvez, uma oportunidade inovadora garantida aos intelectuais ocidentalizados, outros e ‘outros’, saídos tanto do campo do ‘outro’ como do do outro,e chamados sempre, sem alternativa, a situar a sua afirmação e o seu desempenho nos terrenos e nas arenas do exercício dos saberes e dos poderes de matriz ocidental......... poderiam assim talvez  finalmente intervir de uma maneira que lhes evitasse ceder ao folclore de fantasias autenticistas ou renascentistas e a coloboracionismos étnico-turísticos e nos abrisse enfim uma via para reivindicar para nós mesmos, também, o direito à exigência........... há muito tempo que me atrevo a dizer que a intelectualidade científica dominante só nos respeitará mesmo quando se vir obrigada a incorporar  na ciência global alguma coisa que saia de uma matriz  inequivocamente nossa............

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.....o programa que eu então me atreveria a sugerir aqui, sem saber muito bem a quem propô-lo, seria o de encarar uma ação que partisse de imediato para uma releitura geral de tudo quanto está registado sobre o saber do Outro, sobre saberes Outros, à luz da hipótese de poder admitir a existência e a eventual pertinência de paradigmas outros para aferir a relação das pessoas com o resto da criação, sem deixar também, logo à partida, de ter igualmente em conta todas as ofensivas anti-humanistas que o próprio paradigma humanista terá gerado ao longo da sua própria história e o que estará, está de facto, entretanto neste momento a ser feito em relação ao mesmo objetivo ainda que formulado de outra maneira.........

........um programa, portanto, que viesse  ao encontro das preocupações, dos problemas, dos impasses do mundo atual mas que visasse muito para além das démarches salvacionistas e socorristas das militâncias que vemos em curso e afinal não conseguem pôr sistema nenhum, por mais lesivo que ele se tenha já revelado, em causa....... que visasse antes uma volta tão absoluta na maneira de olhar para o mundo que ela viesse a constituir um salto quântico, uma mutação, um clinamen capaz de inspirar um quadro de  relações do homem com o resto da criação e com o mundo em geral muito diferentes daquelas que o programa humanista desenhou para o futuro do mundo, a ponto de lhe estar agora a perturbar o presente de uma maneira que assusta a todos........... que reapontasse a práticas diferentes que até talvez acabassem por convir a todos, mesmo àqueles que só querem é tirar proveito do domínio de tudo............. um programa, enfim, que quanto mais não fosse criasse a possibilidade de autorizar que alguém pudesse ensaiar,  experimentar, tentar, ver o que poderá talvez esclarecer-se dentro do que é imediatamente possível averiguar sem fazer muito barulho nem gastar muito dinheiro............... permitisse tão-só talvez, sei lá, colocar alguns estudiosos a rever ao menos tudo o que está fixado, recolhido, escrito sobre as culturas outras...... novas leituras que permitissem novas extrações a partir dos mesmos materiais......... não haverá nada desprezado antes mas a extrair agora do paradigma animista, por exemplo, conforme as novas visões, as novas questões e os novos interesses que se impõem neste momento ao mundo?......... talvez assim os personagens do livro que ando escrevendo encontrassem então terreno propício para propor o seu herói tutelar, esse Nambalisita herói ecológico e da alma comum que é homem e herói fora da condição humanista e de uma genealogia divina que até agora só foi dizendo respeito aos homens de certas cores e de certa cultura e lhes foi conferindo autoridade e legitimidade para irem controlando e regulando tudo, a criação inteira, incluindo os homens de outras cores.......

....e talvez eu viesse então finalmente a encontrar fundamentos para formular em definitivo aquilo que ando a visar e a prometer há muito: um manifesto neo-animista proposto ao mundo inteiro como uma das vias da tal volta paradigmática e pragmática capaz de conferir lugar e sentido a todas as existências, divinas, biológicas e minerais até.........

Sem título

Published12 Feb 2010

Tags África angola música tsikaya vítor gama


Tsikaya é o projecto do músico Vítor Gama com músicos angolanos. A página na internet do projecto oferece uma perspectiva muito abrangente de como o projecto se concretiza e vale a pena visitar.
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