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Notas sobre o teatro no Chile e na Argentina

Durante os anos em que Michelle Bachelet presidiu ao governo do Chile (2006-2009), as áreas social e cultural do país tiveram apoios e políticas de reconhecimento e de desenvolvimento inéditas, mesmo pensando a uma escala mundial. No que diz respeito à cultura, o sector foi profundamente estudado e estruturado, hierarquizando-se prioridades e colocando-se em cargos de responsabilidade e de decisão uma nova geração de quadros - nascida no início dos anos 1970 -, o que produziu uma renovação saudável do sector, de que hoje se sentem as boas consequências.Uma das área a merecer uma especial atenção foi a do teatro, a que não terá sido alheio o facto de ser esta uma arte tradicionalmente de grande qualidade e tradição no Chile, e de a ministra da cultura ser uma actriz. No processo de estruturação do sector teatral muitas foram as salas recuperadas e equipadas, consolidando-se a sua programação. São centenas as que existem pelo país, das quais, algumas dezenas em Santiago, com públicos muito participantes e activos e muito diferenciados na sua “filiação” tribal.
O teatro chileno é, a par, do teatro argentino, um dos melhores do espectro latino-americano, tendo inclusivamente criado uma técnica vocal que lhe é particular. O teatro chileno é maioritariamente um teatro de palavra e de texto, assenta na performance dos actores e na qualidade da encenação, com pouco investimento em maneirismos cenográficos. A importância e a prevalência do texto é de tal ordem, que nos concursos anuais de dramaturgia chegam a concorrer 250 textos (2009), 60% dos quais originários de fora da capital É um teatro que vive ainda muito da revisitação à história política recente do Chile. Mas as suas abordagens podem ser de uma sofisticação ímpar. Um dos melhores exemplos é a obra "Neva", encenada por Guillermo Calderón, que é provavelmente a melhor peça estreada na América do Sul no ano passado. Num "ringue" de 4 m2, três actores representam o dia seguinte à morte de Tchekov, com incursões às obras do dramaturgo russo. É um teatro feito apenas sobre a qualidade da interpretação de excelentes actores e com uma dramaturgia e encenação de uma inteligência rara. Actualmente, os dois festivais de teatro de referência são o Festival Internacional de Teatro Santiago a Mil (FITAM), sediado em Santiago (www.santiagoamil.cl) e o mais recente Festival Cielos del Infinito (www.festivalcielosdelinfinito.cl) que acontece desde 2008 na cidade mais ao sul do continente sul-americano, Punta Arenas, já na região do Chile Antárctico.
Na Argentina, ao contrário das recentes políticas culturais no Chile, as artes de uma forma geral e o teatro, em particular, não têm tido qualquer apoio por parte do governo. Mesmo assim, o teatro é uma actividade pulsional deste país, em particular em Buenos Aires onde, apesar da crise, em alguns fins-de-semana chegam a estrear-se 30 peças. Os locais são maioritariamente lugares alternativos, como apartamentos e associações, já que a maioria dos teatros da cidade foram privatizados e apresentam sucedâneos da Broadway ou do teatro espanhol comercial. A propósito da situação do teatro na Argentina contou o actor e encenador Marcelo Mininno uma história da sua infância. Vivendo com a sua avó numa região rural, assistiu um dia a uma enorme trovoada. Ao espreitar pela janela, viu a avó deitar sal no chão, em movimentos de cruz, de cada vez que trovejava. Passado algum tempo a avó entrou em casa e dirigindo-se ao neto com um ar peremptório, disse-lhe: a trovoada vai acabar. O comentário do actor foi: “como vêem há muito bom teatro na Argentina”.
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