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“Monangambé” e “Sambizanga” em Londres com Sarah Maldoror à conversa

[Film still de "Guns for Banta" (1970), de Sarah Maldoror. Cortesia Suzanne Lipinska]

“Sou de Guadalupe, faço parte dos escravos que foram enviados para lá. Sou Africana.” Palavras de Sarah Maldoror entrevistada por Pedro Cardoso para o “Novo Jornal” de Angola (Novembro de 2008), quando foi homenageada no primeiro Festival Internacional de Cinema em Luanda.

Sarah Maldoror nasceu Sarah Ducados em 1939, filha de mãe francesa e de pai natural da Ilha Marie Galante (Arquipélago de Guadalupe), nas Antilhas Francesas. Adoptou mais tarde o apelido vindo da obra “Os Cantos de Maldoror” de Lautréamont e em 1956 fundou em Paris o grupo de teatro “Les Griottes” (“Os Contadores de Histórias”), promovendo a “negritude” através de adaptações de Jean-Paul Sartre e Aimé Cesaire.

Frequentou depois a Academia de Cinema de Moscovo graças a uma das bolsas dadas pela (ex-)URSS na Guiné Conacri, e chegou a conhecer aquele que é considerado por alguns o “pai do filme africano”: Ousmane Sembène.

Foi também então que se iniciou na luta pela independência das colónias africanas pela mão do nacionalista angolano Mário Pinto de Andrade – que conhecera em Paris e do qual se tornaria companheira –, acompanhando os primórdios do próprio MPLA-Movimento Popular de Libertação de Angola (do qual Andrade foi fundador em ’56 e chegaria a ser Presidente em 1960-62).


[Sarah Maldoror na rodagem de "Sambizanga" (1972)]

Amanhã, dia 23 de Fevereiro, na presença de Sarah Maldoror, passam em Londres (onde Mário de Andrade faleceu há 21 anos) precisamente dois dos filmes iniciais da cineasta, profundamente comprometidos com a luta anticolonial: “Monangambé” (1969/71) e “Sambizanga” (1972).

“Monangambé” era o chamamento usado pelas forças anticoloniais para as reuniões nas aldeias e deu título ao seu primeiro filme, dedicado à tortura e incompreensão da língua.

Filmada na Argélia com actores amadores, esta curta-metragem baseou-se no conto “O fato completo de Lucas Matesso” do activista e escritor branco angolano Luandino Vieira, nascido português e preso por mais de 14 anos pela polícia política de Salazar (PIDE-Polícia Internacional e de Defesa do Estado), chegando mesmo a ser deportado para o campo de concentração no Tarrafal.

Sintomaticamente, numa das cenas uma pessoa conversa com um lagarto: “é a metáfora da solidão completa. O lagarto era o único ser vivo com quem aquela personagem podia falar sobre liberdade”, disse Sarah Maldoror na entrevista de 2008 ao "Novo Jornal".

“Sambizanga” foi rodado no Congo Brazzaville – contando mesmo com a participação de militantes do MPLA que aí operavam – e ganhou, logo no seu ano de estreia, a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cartago. Sarah Maldoror partiu novamente de uma obra de Luandino Vieira (“A Vida Verdadeira de Domingos Xavier”), mas desta vez o argumento foi trabalhado também por Mário Pinto de Andrade e pelo escritor, jornalista, editor e comediante amador Maurice Pons.

Nome de um bairro de operários em Luanda, no qual se localizava uma prisão do regime colonial português – cujo assalto em 1961 constituiu o primeiro acto coordenado de sublevação armada contra essa ditadura fascista –, “Sambizanga” em versão fílmica mostra como as mulheres também participaram na luta armada de libertação anticolonial e conta a história de Maria: “uma mulher que, com o seu filho às costas, viaja do interior até Luanda à procura do seu marido, Domingos, preso por razões políticas”. O herói surge confinado nessa prisão, onde é torturado até à morte, terminando o filme com a preparação do histórico ataque de 1961 (altura em que Andrade era Presidente do MPLA).

Portanto, dois filmes imperdíveis para ver e conversar com Sarah Maldoror, em Londres, esta 4f, no Ciné Lumière, numa apresentação moderada por Mathieu Kleyebe Abonnenc e enquadrada no projecto “Foreword to Guns for Banta”.

Manthieu Kleyebe Abonnenc (nascido na Guiana Francesa) é um dos três artistas actualmente em residência na Gasworks, juntamente com Umesh Kumar (Índia) e André Guedes (Portugal). É também curador, pesquisador e o autor do projecto “Foreword to Guns for Banta”, com enfoque na produção cinematográfica de Sarah Maldoror e, em especial, no conturbado “Guns for Banta”: filmado entre os guerrilheiros de Amílcar Cabral no mato da Guiné-Bissau em 1970, mas sem ter chegado a sair da mesa de edição.

Lúcia Marques