Logótipo Próximo Futuro

Tamara Drew, de Posy Simmonds, por Pedro Moura

Posy Simmonds é uma das convidadas do encontro do Próximo Futuro "Outras Literaturas: Banda Desenhada" no próximo dia 15 de Maio, na Fundação Calouste Gulbenkian. Um dos nomes mais aclamados de novelas gráficas, assinou  Gemma Bovery (1999) e Tamara Drewe (2006), esta última distinguida em 2008 com o Essentiel d’Angoulême, o Prix des Critiques e uma nomeação para o Eisner Award. Ambas as novelas gráficas foram adaptadas ao cinema. Pedro Moura, moderador da sessão, escreve sobre a autora e Tamara Drew, no blogue Ler BD:

Este livro, de banda desenhada, para além das naturais cenas, isto é, os eventos representados nas mais normalizadas estratégias da banda desenhada (imagem), apresenta ainda trechos de texto (recitativos) assaz longos, como se tivessem sido retirados de um diário, de um longo pensamento como acontece nos textos literários, ou de um momento de interlocução directa com as personagens do livro, inseridos nas pranchas. Essa é uma das características do trabalho de Simmonds já presente no livro anterior, Gemma Bovery, característica que coloca estes livros num campo entre o da banda desenhada e o da literatura, quer a ilustrada quer atout court. Não acontece o mesmo que em Hugo Cabret de Selznik, onde a estranheza é mais complexa; digamos que há uma maior inércia em incluirTamara Drewe na banda desenhada ainda que existam estas estratégias algo estranhas – mas não inéditas, pois basta pensar na história desta linguagem para nos apercebemos que nem sempre a banda desenhada seguiu a mesma maneira de transmitir a parte textual, com legendas minimizadas e balões, mas empregando grandes blocos de texto “externo” à imagem. 

Se Gemma Bovery estabelecia laços estreitos e a vários níveis com Madame Bovary, de Flaubert, Tamara Drewe acaba por se revelar como tendo afinidade com outros universos ficcionais, mas Far from the Madding Crowd, de Thomas Hardy, é, poder-se-á dizer, a fonte explícita deste livro: é a primeira informação textual que se lê no interior do texto, tratando-se do título do anúncio do retiro de escritores, no campo, em torno do qual toda a acção se desenha; a trama desse romance é em tudo idêntica, ainda que nos seus mais gerais contornos, com a desta banda desenhada – a chegada de uma mulher jovem, cosmopolita e sedutora, estranha àquela vila, seduzindo o jovem rural que é menos polido nos negócios do amor; seduzindo outros homens e instigando contínuas atribulações entre rivais; a “pintura”, como se costuma dizer, da vida rural mas revelando o seu aspecto mais prosaico e até violento em vez de o empregar enquanto paisagem bucólica; a típica tensão entre as pulsões do amor e da morte... É como se Posy Simmonds escolhesse – e não o escondesse, mais, o revelasse mesmo, tornando-se parte do jogo intertextual explícito – uma obra de literatura conhecida, a reduzisse à sua estrutura actancial (à la Greimas) e depois a preenchesse com novos elementos, mais próximos da experiência contemporânea, quer em termos civilizacionais quer em termos sociais, para nos ofertar uma nova versão dessa antiga história. Desse modo, revela aquela ideia feita de que um clássico é sempre legível de novo de um novo modo, e de que existem estruturas ou ideias que podem ser repetidas porque farão parte intrínseca da experiência humana. Por outro lado, as semelhanças entre Bovery e Drewe são em termos de estilo, o que não poderá constituir matéria nem de surpresa nem de desagrado.

O texto completo, aqui

Noite Luz, de Marcelo d'Salete

Pedro Moura, moderador da sessão "Outras Literaturas: Banda Desenhada", é critico da área, com obra ensaísta e académica. Escreveu sobre os autores que se reunirão dia 15 de Maio, no Próximo Futuro. Sobre Noite Luz, de Marcelo de Salete, pode ler-se, no blogue Ler BD:

O título remete para um clube nocturno de São Paulo que age como pedra de toque e centro nevrálgico das acções de cada episódio, e de cada grupúsculo menor de personagens, um bar no qual se cruzam as vidas breves destas pessoas, onde se pode beber de um trago algo forte, trocar umas palavras inconsequentes com uma mulher, fechar negócios que quanto mais negros e sujos mais rentáveis e, por vezes, fechar toda uma vida, literalmente. “NoiteLuz” pode ainda ser visto como a clara metáfora que propõe, em que a luz nocturna ilumina as almas e os segredos das personagens: enquanto leitores, e graças à focalização do narrador, e através de estratégias de silêncios estruturados entre o pouco que as personagens resolvem dizer (“confessar”, poder-se-ia precisar) umas às outras, temos acesso, não directo, nítido, mas adivinhado, ao que pauta essas mesmas vidas. Pode ser “luz” (vemos algo a formar-se, apreendemos algo delas), mas mantém-se sempre com um ar de noite (as sombras teimam em ficar em seu torno, não se abdica de todo o sigilo, sobrevivem zonas de indeterminação). [veja-se a excelente história de uma página encontrada no site do autor, que explora precisamente esse ritmo e estrutura de não-ditos, e de promessas narrativas; a publicar num futuro Stripburger]

O texto completo aqui