Logótipo Próximo Futuro

Mzansi, que é como quem diz Sul


Começa hoje, na Cinemateca do Próximo Futuro, o ciclo Mzansi, uma proposta da curadora sul africana Joan Legalamitlwa para conhecermos melhor o que se passa ao sul. O artigo de Ana Dias Cordeiro no Jornal Público do passado dia 21 apresenta-nos de forma mais profunda a programação escolhida.

África tecnológica e global

Em África, pode haver contágio de coisas boas. Para fora dela, também. Na moda, na música, no cinema. Os DJ europeus renderam-se aos sons electrónicos da música shangaan da África do Sul. A Louis Vuitton inspirou-se nos cobertores basotho do povo do Lesotho. A dança pantsula, que enche as ruas dos bairros pobres da África do Sul e veio de Moçambique, está num dos filmes no ciclo de cinema no Próximo Futuro, The African Cypher, mas também no vídeo do tema Run the World(Girls) da norte-americana Beyoncé. A cantora convidou dois bailarinos de pantsula do grupo Tofo Tofo de Moçambique, que vira dançar num vídeo no YouTube, para dançarem com ela.

"O mundo é muito mais pequeno do que nós o concebemos", diz ao telefone Joan Legalamitlwa a partir de Joanesburgo uns dias antes de apanhar um avião para Lisboa.

E nesse mundo afinal pequeno, a África do Sul espraia as suas cores e a sua vibrante diversidade. São mesmo estas as palavras de Joan Legalamitlwa, programadora do ciclo de cinema Mzansi - The reel South Africa inserido na Cinemateca Próximo Futuro, quando descreve o país, desde que este conheceu a liberdade (com as primeiras eleições multipartidárias em 1994 que deram a vitória a Nelson Mandela) e se abriu ao mundo.

"Mzansi é um calão sul-africano que significa "sul"", explica Joan Legalamitlwa no texto de apresentação do ciclo de cinema. Ou África do Sul. A ele está também associada uma ideia do que é inovador, recente e contemporâneo."

Como o ciclo de filmes que traz à Gulbenkian, uma amostra desse "caleidoscópio, dessa mistura de coisas e de cores" que representa o cinema - e a cultura contemporânea - na África do Sul, diz ao Ípsilon.

O que tem para mostrar "não é sobre o paradigma branco vs negro", esclarece. "É mostrar quem somos, como coexistimos, na nossa diversidade, como nação. Estes são certamente tempos interessantes", sublinha Joan Legalamitlwa. Tempos em que muito do que se faz na África do Sul (país) ou no sul de África (região) tem especial ressonância na Europa.

A África do Sul vive hoje o tumulto próprio da adolescência, acrescenta Joan Legalamitlwa. E entre o que de melhor está a acontecer: "As pessoas estão a encontrar formas inovadoras de fazer filmes".

Dá exemplos: SMS Sugar é o primeiro filme no mundo feito só a partir de imagens captadas por telemóveis. E é sul-africano.

Muitos jovens estão a sair para a rua com as câmaras ao ombro. Filmam e formam-se como realizadores depois. Deixaram de depender das ajudas do Estado.

Entre os filmes sul-africanos que vêm a Lisboa, estão Rewind de Liza Key (composição musical a partir de fragmentos de testemunhos gravados nas audições da Comissão Verdade e Reconciliação, onde vítimas do apartheid contaram as suas histórias e agressores confessaram a culpa), Material de Craig Freimond (história de um jovem muçulmano de uma família muito tradicional que quer tornar-se comediante contra a vontade do pai), ou Otelo Burning de Sara Blecher (através dos olhos de uma criança, conta a história de um grupo de miúdos de um bairro de lata negro que aprendem surf, ou de como um novo mundo se abriu às novas gerações com o fim do apartheid).

Há ainda The African Cypher de Bryan Little (história de jovens que encontram na dança de rua e na música uma alternativa ao crime), Elelwani de Ntshaveni wa Luruli (viagem à paisagem rural e tradicional que acompanha uma jovem universitária que os pais prometem em casamento ao rei da Venda Region), Skoonheid (Beauty) de Oliver Hermanus (história de um homem de negócios branco sul-africano que nutre um ressentimento escondido contra os negros da África do Sul), Mmitlwa (uma performance vídeo da artista Lerato Shadi) e ainda de Teboho Edkins (o mesmo realizador de Thato)

Gangster Project. "Gangster Project é um filme muito sul-africano", diz Teboho Edkins, um filme que gira à volta de "questões de raça e proximidade que são particulares da África do Sul" mas que ele espera sejam "entendidas universalmente". E conclui: "São muitas as questões a abordar em África. Tentar encontrar uma voz distinta para as exprimir é algo que me inspira." Uma nova geração está a emergir, e que essencialmente depende dela mesma. Mas não só.

Co-produções com a Europa

A curadora Joan Legalamitlwa, que foi membro de júris de vários festivais de cinema e de documentário na África do Sul ou na Europa (Festival de Cinema Documental de Amesterdão) diz que o interesse de produtores europeus pelo que se faz no seu país está a alimentar a emergência de "um novo cinema sul-africano".

De França ou da Alemanha, Canal+, Arte ou Goethe Institut, mas também da televisão Al-Jazira, são nomes que surgem associados em co-produções de jovens realizadores independentes sul-africanos.

O cinema é o que melhor conhece Joan Legalamitlwa mas a curadora diz que outras artes e expressões de criação contemporânea também estão a suscitar um interesse além-fronteiras.

O interesse visível na recente capa de um número especial da edição francesa da revista Courrier International, dedicada a África, que vai buscar o título Afrique 3.0 a um livro de dois jornalistas sul-africanos Richard Poplak e Kevin Bloom prestes a ser publicado na África do Sul. Os editores explicam: Se a África 1.0 era a do colonialismo europeu, e a África 2.0 a que se seguiu às independências, a África 3.0 reflecte um continente em plena reinvenção, também ligado às novas tecnologias.

Depois da África 2.0, há um novo mundo a abrir-se aos artistas e criadores sul-africanos que, desde então, atravessam fronteiras, reinventam oportunidades mostrando os seus trabalhos ao mundo ou ao continente.

Ana Dias Cordeiro Jornal Público 21-06-2013