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Isabel Noronha: cinema "da dor e da beleza"

Publicado12 Nov 2014

Isabel Noronha é considerada um nome fundamental do cinema moçambicano. Nascida em 1964, em Maputo, filha de pai goês e mãe moçambicana, ingressou , em 1984 no Instituto Nacional de Cinema. Foi membro fundador da primeira cooperativa independente de Video ( “Coopimagem”) e da Associação Moçambicana de Cineastas. Assinou vários filmes, de que se destaca Ngwenya, O Crocodilo, em torno da figura do pintor Malangatana,  distinguido pelo Festival de Milão como melhor documentário de África, Ásia e América Latina.

A sua obra é marcada por temáticas ligadas à construção social e identitária da sociedade moçambicana. Exemplo disso, A Trilogia das Novas Famílias, Prémio Kuxa –Kanema, melhor filme moçambicano de 2007,  apresentada no Próximo Futuro em 2010, é um conjunto de três curtas metragens documentais sobre crianças órfãs, devido a mortes por HIV, que são adoptadas por outras famílias nas suas comunidades.

Desenvolveu a partir de 2008, com a realizadora de animação brasileira Vivian Altman, uma linha cinematográfica entre o documentário e a animação, o que permite tratar temáticas delicadas sem expor a identidade dos testemunhos.  Neste âmbito, destacam-se os filmes “Mãe dos Netos,” ( 2008), “Salani” (2010) e “ Meninos de Parte Nenhuma” ( 2011). 

Espelho Meu (2011), co-realizado com Vivian Altman ( Brasil), Firouzeh Khosrovani ( Irão) e Irene Cardona ( Espanha) é um documentário/ animação, sobre a auto-imagem de mulheres de diferentes culturas, nos quatro continentes: o filme venceu o primeiro prémio no festival Documenta Madrid 2011 e Mujerdoc 2012. 

Além do cinema, Isabel Noronha dedica-se à investigação. Licenciada em Psicologia Clínica e Aconselhamento pelo Instituto Superior Politécnico Universitário (ISPU), onde também leccionou, é mestre em Saúde Mental e Clínica Social pela Universidade de Léon, na Espanha, e actualmente está a fazer um doutoramento em Antropologia na Unicamp, em Campinas. Foi nesta cidade que deu uma entrevista sobre o seu percurso, como começou a fazer cinema, a sua experiência em Moçambique colonial e pós-independência, as eleições recentes no seu país e no Brasil. 

Desde cedo Isabel soube o que era viver em uma sociedade segregada. “Se Moçambique não vivia em um apartheid declarado, era de qualquer modo uma situação clara de estratificação social, com a divisão geográfica e social por raças”, ela lembra. Perto da bela orla marítima viviam os brancos, de ascendência portuguesa. Depois vinham os mestiços, como os portugueses-indianos de Goa. Em seguida vinham os estrangeiros que não procediam de colônias portuguesas e, finalmente, os mulatos e negros, a maioria em situação de extrema pobreza – quadro que melhorou, mas não foi totalmente modificado, pois metade da população vive abaixo da linha da pobreza, segundo dados oficiais e das Nações Unidas.

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A trajetória de Isabel Noronha mudaria em um dia, no início da década de 1980, quando encontrou na rua um grupo que estava envolvido na produção de “O tempo dos leopardos”, primeiro longa-metragem moçambicano, em co-produção com a Iugoslávia. Estavam juntos o cineasta Camilo de Sousa (seu futuro companheiro), o jornalista Machado da Graça e Luis Patriquim, que assinaria o roteiro.

Do encontro surgiu o convite para Isabel participar da produção, mas havia uma grande barreira. Ela era uma “improdutiva”, e não conseguiria o emprego, a menos que aceitasse uma condição: teria que obter um laudo psicológico indicando que tinha sofrido um esgotamento nervoso, e por isso não pôde trabalhar anteriormente. Assim foi feito e ela se tornou assistente de logística da produção moçambicano-iugoslava, que teve direção geral de Zdravko Velimorovic.

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A AIDS continua um grande desafio. São 1,5 milhão de infectados, em uma população de 22 milhões de pessoas. Estima-se que 85 crianças nasçam diariamente com o vírus HIV no país, onde a taxa de prevalência é de 11,5%, contra 0,5% no Brasil.

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A “Trilogia das novas famílias” é o retrato desse enorme drama. Os filmes de Isabel mostram a realidade dos novos arranjos familiares criados a partir da tragédia da AIDS. O corpo político e biológico dominado por um novo tipo de imperialismo, o da doença ligada à miséria e ao estigma.

Em Campinas, realizadora moçambicana conta como é fazer cinema na África da dor e da beleza, na Agência Social de Notícias