Adirley Queirós em entrevista
Publicado4 Jun 2015
O filme Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós (Brasil, 2014), que se apresenta no Próximo Futuro dia 23 de Junho, parte de eventos reais, uma rusga num baile funk onde morreram dois jovens e onde a polícia pronunciou a frase que dá título à longa-metragem. O filme recebeu o prémio especial do júri e o prêmio da crítica internacional do 55º Festival Internacional de Cinema de Cartagena das Índias, na Colômbia e também o prémio do Festival de Brasília. Em entrevista, o realizador
Você acabou de fazer um filme que dialoga com a ficção científica. Há a pretensão de fazer um filme de gênero apenas?
Pretendo. Mas acho que, por enquanto, muito mais leio do que vejo filmes. Me empolga muito mais a literatura, às vezes, do que os filmes. Acho que dá pra explorar muito mais pela literatura que por uma referência fílmica. Pretendo fazer um filme 100% de ficção, que embarque totalmente no gênero, sem concessões, sem ficar explicando. Na verdade, esses filmes que eu faço que ficam ali no limite (do gênero) são também resultado de uma limitação orçamentária e uma limitação de edital. Ganho edital de documentário e, às vezes, tenho que tentar convencer as pessoas que o que faço é um documentário, caso contrário elas pedem o dinheiro de volta. O Branco Sai mesmo, se não houvesse a limitação do documentário no edital, eu já iria direto na proposta de narrativa de gênero. Mas ainda com essa proposta de liberdade dos atores, com a memória. A memória de pessoas que têm mais de 40 anos é a memória narrativa de filmes de ação. Porque os filmes que a gente via, e as histórias que ouvíamos eram todas narrativas, as músicas eram narrativas, o rap, clássicos da MPB, Geni. Acho que a memória passa por essa linha narrativa. Quero explorar a memória junto com o gênero. Não necessariamente fazer um filme como o Mad Max, mas explorando esses sistemas nossos.
Você falou de memória narrativa…
Quando falo de memória narrativa é que o que a gente tem de referência pra contar as histórias são referências muito narrativas. A memória sai disso. Tem início, meio, fim, ponto de virada. Quando você propõe uma pessoa a contar a realidade dela, na minha cabeça, a pessoa tem esses paradigmas todos do politicamente correto. Se eu vou abordar um personagem periférico, o que ele tem de construção narrativa periférica são os telejornais, são as narrativas “sociais”. Então esse cara começa a dramatizar, sofrer, a se colocar num lugar de sofrimento e piedade. Se internaliza essa narrativa, como se a pessoa que fosse ouvir aquele personagem necessariamente estivesse em um lugar de classe maior do que ele. Como se necessariamente essa outra pessoa tivesse um poder de juiz. Porque ela vem pra julgar aquele personagem e enquadrá-lo numa narrativa. Mas se a gente propõe a esse narrador periférico que ele apareça dentro de um arquétipo de ficção, essa narrativa dele virá amarrada à ideia de filme de ação e aventura. E aí acho que esse personagem chega num certo ponto, em que não existe uma orientação de corte, e ele tem que responder à própria fruição do pensamento, e aí ele começa a ter gagueira. E isso eu acho massa. Na gagueira sai o filme. Ele se livrou daquele espírito do homem cordial, e passa a atuar a partir de sua memória, e aí ele começa a se emocionar. Acho minha busca é no limite dessas coisas: a narrativa enquanto documentário e a narrativa desse cara ficcional. E aí vem também uma coisa de preparação da equipe pra essas reações, porque ela tem que estar preparada pra gagueira do cara. A nossa busca de cinema é muito por essas narrativas. Até a ideia de ver os filmes passa por isso. Dia desses vimos aquele documentário careta, o Lixo Extraordinário, um filme perverso, reacionário, e aí começamos a discutir como aqueles personagens estão enquadrados nessa leitura do pobre que transforma, mas que conhece seu lugar.
A entrevista completa, aqui