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A Poesia de Breyten Breytenbach

Publicado28 Ago 2014

Imagem: Breyten Brytenbach© Keke Keukelaar

No próximo dia 2 de Setembro, apresenta-se no Próximo Futuro, As Confissões Verdadeiras de Um Terrorista Albino, pelo Teatro Griot. Com encenação de Rogério de Carvalho, a peça baseia-se no romance homónimo do autor sul-africano Breyten Breytenbach, que nesse livro narra a sua experiência enquanto prisioneiro dos calabouços do apartheid: tendo saído do país para viver em Paris, manteve-se no estrangeiro uma voz activa contra o regime e, numa viagem clandestina à África do Sul, em 1975, é detido, acusado de traição e condenado a 7 anos de prisão.

Escritor consagrado, autor de contos, romances, ensaios, tem uma extensa obra de poesia, pela qual já foi distinguido em várias ocasiões com o Prémio Herzog, dedicado a poesia em língua africânder. É também pintor, à semelhança de Mario Cesariny, poeta e pintor surrealista, que traduziu para português, a partir de versões em inglês, o livro Enquanto Houver Água na Água (Publicações D. Quixote, 1979)

 

Conheci Breyten Breytenbach no Poetry International Festival de Roterdão de 1974, quando ainda não conhecia a sua poesia. Trocámos algumas palavras em francês: as suas sobremodo céleres, as minhas sobretudo rápidas. Ofereci-lhe o exemplar que levara comigo do número 4 da revista Phases, de Dezembro de 1973, que abriga uma imagem também veloz de algum surrealismo português.

A única palavra que conheço em língua africandêr é a da interjeição portuguesa ai!, que o leitor poderá observar tanto na versão original como na tradução do poema que a insere. (...)

Não foi no entanto inteiramente inútil a consulta da edição em africânder. (..) Serviu a descoberta do poema que Breycherbach dedica a «João Bacalhau» e que assinala a passagem do poeta em Portugal; e serviu a obediência, rigorosa quanto possível, à versificação original, de que as traduções consultadas às vezes se afastam.

Mário Cesariny, 9-9-1978

SOMBRA DE AMOR, JOÃO

(a João Bacalhau)

o mundo é pouco e pêgo como pedra
metida há muito em môlho de vinagre
e também é granito e em dois terços gêlo
(só que nós não sabemos nossa história)
todos os climas nasceram nos pólos
pontos cardeais correntes marítimas
se segues sempre em frente
acabas por voltar
por onde o sinal negro da tua comida caiu na rocha
a recitar pequenos castelos de merda
(e porque estamos no meio
temos frio)
- em Portugal porém vindo do Sul
num comboio que também abana os tentáculos
as amendoeiras são brancas em flor
míseras mãos que nunca ardem negras

OS LIVROS SÃO BOMBAS

para o meu irmão morto, Tiro*

um negro, cujo nome era Tiro, Abrãao
(e Tiro jaz no seu próprio sangue)
quis estudar numa «universidade»
(e Tiro jaz no seu próprio sangue)
onde tomou a sério a sua educação
(Tiro jaz no seu próprio sangue)
e antes de que o passassem ao estado de morto vivo
trocou a terra natal
por uma aldeia cujo nome é Gaberones num país
cujo nome é Botswana um deserto
repleto de rastilhos para o combate de libertação
que as palavras de Tiro incendiavam
e o amo teve de mostrar que um negro
deve saber ficar no seu lugar, senão...
e o amo mandou um livro a Tiro
e Tiro jaz no seu próprio sangue
e Tiro jaz no seu próprio sangue
e Tiro jaz no seu próprio sangue
e Tiro é a chama interior no seio do fogo vermelho

*Resistente sul-africano refugiado no Botswana e que a polícia de Pretória assassinou enviando-lhe da Europa um livro armadilhado (N.do T.)

BREYTEN BREYTENBACH, in Enquanto Houver Água na Água