41 anos do golpe de Pinochet
Publicado11 Set 2014
Foi dia 11 de Setembro de 1973 o golpe militar de Pinochet que instaurou uma ditadura de 17 anos no Chile.
O Próximo Futuro tem tratado este marco, com consequências até hoje na vida do Chile, em várias ocasiões. Recentemente, Escuela, de Guillermo Calderon, abordava a resistência armada e, do mesmo encenador, Villa+Discurso tratavam a violência da repressão. No cinema, Nostalgia de la Luz, de Patrício Guzman, exibido pela primeira vez em Portugal, punha na tela a questão da memória, no cenário do deserto de Atacama, onde astrónomos observam o céu e familiares procuram restos dos desaparecidos. Outra peça, El año en que naci, da argentina Lola Arias, reuniu jovens em palco, que reconstruiram a história das gerações nascidas durante a ditadura de Pinochet a partir de documentos e histórias reais.
Em Junho de 2014, na Festa da Literatura e do Pensamento na América Latina, Alejandro Zambra, um dos mais relevantes escritores chilenos da actualidade, falou da sua obra, que aborda as memórias difusas de infância de quem cresceu durante a ditadura. Maneiras de Voltar para Casa, o seu último livro, está editado em Portugal. (Divina Comédia, tradução de Pedro Tamen)
Herdeiro do terror, o escritor-personagem se vê obrigado a lidar com o peso da memória, mas sem a lucidez (até porque talvez ela não exista) de quem a viveu na pele. Não por acaso, o romance parece ser criado de forma intencionalmente irregular, com idas e vindas nas quais personagens ficcionais se tornam “reais” e memórias claras ficam difusas. Se Bonsai é uma obra direta e fluida desde o seu primeiro parágrafo, aqui temos uma narrativa cheia de incertezas e ponderações, que são bem mais estranhas para o leitor.
Essas lembranças porosas, feitas de imagens repletas de “ruídos” e “manchas”, são para Zambra a matéria-prima da escrita. É por isso, também, que não existe uma forma de voltar para casa: são várias, porque cada caminho da memória é uma escolha por uma autoilusão particular. “Deveríamos simplesmente descrever esses ruídos, essas manchas na memória. (...) Por isso um livro é sempre o reverso de outro livro imenso e estranho. Um livro ilegível e genuíno que traduzimos, que traímos pelo hábito de uma prosa passável”, escreve o narrador da obra, em dado momento.
Filho de uma família que não combateu a ditadura, o narrador enfrenta as consequência íntimas dessa omissão dos pais em relação ao regime de Pinochet. A história da dor de Claudia só contrasta com esse silêncio deles: de certo modo, Formas de voltar para casa é um romance de alguém que não estaria apto, pela experiência pessoal, a escrever sobre a ditadura, mas que ainda assim a vive até o presente em suas sutis (ou não) consequências.
“Aprender a contar sua história como se não doesse. Isso foi, para Claudia, crescer: aprender a contar sua história com precisão, com crueza”, revela melancolicamente o livro. Essa é mais uma tortura da ditadura, Zambra parece apontar: a de nos forçar, em nome da sobrevivência, a naturalizar um pouco da violência imposta.
Pode ler o artigo completo,aqui. (Jornal do Comércio, Brasil)