"mi boca junto a tu boca, paloma"
Publicado14 Jan 2010
Para ilustrar este verso, cantado por Violeta Parra, Pina Bausch criou movimentos que tornam como el musguito en la piedra, ay, si, si, si, esta sua última peça, uma das de maior enamoramento do seu reportório. Mas esta é também a mais ondulada, a mais curvilínea, a mais horizontal peça da coreógrafa alemã. E podemos continuar, e dizer que ela é também a mais melancólica, a mais onírica, fantasista e nostálgica peça de Pina. E que nela se retrata o Chile, onde a coreógrafa esteve em residência em Fevereiro de 2009, para criar esta obra estreada pela primeira vez, cinco dias apenas antes do seu súbito falecimento. Os materiais que utilizou são o feno, cordas, água, madeira, fruta, ramos de árvores secas onde as mulheres penduram os cabelos. A música são canções do reportório chileno de amor e luta, entrecurtadas com batidas que se ouvem nas discotecas chilenas, como em qualquer discoteca de qualquer parte do mundo. O Chile está presente com seus cavalos, o mar, as batatas, o vento e nas cenas de sedução, joviais e muito físicas. Bailarinos disputam entre si as mulheres. Confrontam-se. Os mais velhos correm atrás da juventude dos mais novos. Mas, são as mulheres o tema desta peça. Num cenário negro, praticamente despido de qualquer cenografia ou adereço, as mulheres são luminosas. Dançam e são solares em seus vestidos floridos, de vermelho, amarelo, carmim e azul ultramarino estampados. São belas com seus cabelos longos, um dos instrumentos coreográficos de Pina quando queria impor a autoridade feminina, o seu poder de sedução ou de punição. São sempre luminosas, até mesmo nos raríssimos momentos em que o poder masculino se lhes impõe, mas jamais como nas antológicas cenas de humilhação de outras peças mais antigas. Aqui é o vento e o amor que prevalecem. Uma mulher pode rolar no chão, atravessando o palco com uma almofada branca, como se vivesse uma noite de insónia, mas a cena que se lhe segue é de júbilo. E voltam as canções de Violeta Parra e as palavras de Ronald Kay, poeta chileno com quem Pina viveu os últimos anos da sua vida, e que poderá não ter sido alheio a esta delicada e antológica sequência de algumas das melhores canções e poemas do reportório do Chile. A peça vive da sabedoria invulgar e única que a coreógrafa tinha na composição e combinação de cenas de grupo intercaladas com solos e duetos. Nesta peça, as cenas de grupo são muito bailadas e parecem movidas como remoinhos na mais clássica composição labaniana, e os solos são invulgarmente longos e diferenciados na suas qualidades de movimentos. Pina Bausch ofereceu a todos seus bailarinos - como nunca o tinha feito - o tempo, a originalidade, o tipo de energia, a definição da cena que cada um quis criar. Agora que ela já não sobe ao palco vestida de negro para agradecer - como habitualmente fazia- o palco é todo para os seus bailarinos, maravilhosos.
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