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A cidade do Mindelo ocupada

Publicado7 Mar 2013

Etiquetas ocupações temporárias mindelo cabo-verde

Inaugura hoje, na cidade do Mindelo, a exposição Ocupações Temporárias. Seis intervenções na "morada" para falar dos Estrangeiros.

"Ocupar a ’morada‘ do Mindelo, ou seja, a cidade central e carismática da capital de S. Vicente, com o tema “Estrangeiros”, pode ser uma redundância, dada a história do arquipélago de Cabo Verde e desta ilha em particular. Abordar esta temática numa cidade, que se fundou como entreposto de carvão para navios ingleses, servindo a rota Atlântica que liga a Europa à América, é correr o risco do discurso quase historicista da identidade crioula que tem feito também a rota das migrações.

A proposta feita aos artistas Abraão Vicente, Bento Oliveira, Diogo Bento (em parceria com o coletivo Oficina de Utopias), Nenass Almeida e Nuno Pina, pretendia uma reflexão sobre quem são os estrangeiros hoje no Mindelo, quais as fronteiras, tangíveis e imateriais, que delimitam a pertença, quantos territórios existem, como se distingue o eu do outro. "
Pode saber-se mais sobre a exposição aqui e aqui

Ocupações Temporárias Cabo Verde

As "Ocupações Temporárias Cabo Verde" decorrerão na cidade do Mindelo entre 7 e 21 de Março e são a primeira realização desta iniciativa fora do espaço onde inicialmente foram criadas.

A proposta feita aos artistas, em tudo idêntica à que foi formulada aos artistas de Maputo, é de ocuparem o espaço público da cidade, refletindo sobre uma temática específica, sujeitando os seus objetos artísticos às condições do espaço ocupado, tornando-os alvo de uma visibilidade que vai para além dos habituais "consumidores" de exposições.

Um percurso entre a Gare do Porto Grande e a Praça Estrela acolherá as seis ocupações que se apresentam em espaços que não são os que formal e tecnicamente são habitualmente utilizados para exposições.

Estrangeiros é o tema proposto no Mindelo, tal como foi em Maputo em Dezembro de 2012. A Abraão Vicente, Bento Oliveira, Diogo Bento, Nenass Almeida e Nuno Pina foi proposta a reflexão sobre quem são os estrangeiros, quais as fronteiras, tangíveis e imateriais, que delimitam a pertença, como se distingue o eu do outro. Às propostas do Mindelo, em forma de vídeo, instalação, pintura e cerâmica, serão acrescentadas as intervenções de Paulo Kapela (Ang) e de Rui Tenreiro (Moz) vindas da cidade de Maputo integrando o circuito e acrescentado diferentes discursos, diferentes formas e vivências.

As “Ocupações Temporárias Cabo Verde” são financiadas pela Fundação Calouste Gulbenkian,  através dos Programas Gulbenkian de Ajuda ao Desenvolvimento  e Próximo Futuro, e contam com o apoio local do Camões Centro Cultural Português

Pode seguir-se tudo aqui

Mindelo

Publicado22 Jan 2010

Etiquetas África cabo-verde mindelo

Situada na ilha de S. Vicente de Cabo Verde, a cidade tem cerca de 63.000 habitantes, dos quais 65,7% com menos de 30 anos e uma taxa de desemprego que ronda os 23.3% (dados do censo de 2000)

Mindelo tem um Clube de Golfe, que se situa às portas da cidade num vasto terreno de terra batida, pontuado pelo verde poeirento das acácias. Em 1920 chamava-se St. Vincent Golf Club, em 1969 passou a Club Anglo-Português e em 1975 Clube de Golfe de S. Vicente. Improvável alegoria de Mindelo, este clube sintetiza a história e o carácter da cidade e da ilha.
Apesar de S. Vicente ter um porto natural e uma posição estratégica excepcionais, praticamente não tem água, pelo que as várias tentativas de povoamento feitas a partir de finais de setecentos, bem como a decisão régia de mudar a capital para esta ilha em 1838, falharam. Foi a instalação das primeiras companhias inglesas de carvão a partir de 1850, que abriu a ilha à navegação internacional e viabilizou a então pequena aldeia de pescadores. Nesse tempo do carvão, os ingleses imprimiram à cidade uma forma de viver mais moderna, com casas mais confortáveis e higiénicas, novos hábitos alimentares e de trabalho e novas práticas desportivas como o golfe, o críquete, o ténis e o futebol. Uma influência que não se explica pelo número de residentes, que nunca foi muito elevado, nem pelo facto de por duas vezes no século XIX, aqui ter havido concentração de tropas inglesas, primeiro devido ao conflito com os Ashanti na zona do Gana e mais tarde, por causa da guerra anglo-boer na África do Sul. Na verdade os mindelenses nunca foram admitidos nos clubes ou actividades inglesas, mas observavam com curiosidade as excentricidades e novidades que chegavam, assimilando o que lhes agradava e deixando de lado o que não se coadunava com os seus gostos e maneira de ser.
Entretanto a cidade continuava a debater-se com o problema da falta de água, que nem o recurso aos poços, à canalização de nascentes do interior da ilha, ou à água que um pequeno vapor transportava diariamente da ilha vizinha de S.to Antão conseguiam resolver, até que em 1966 se dá finalmente início à dessalinização da água do mar. Pior que sobreviver à falta de água foi, contudo, sobreviver às crises provocadas pela falta de navios que erros da administração portuguesa e novas técnicas e rotas da navegação, ajudaram a afugentar.
Apesar da história de Mindelo ser uma impressionante sucessão de crises, a cidade sobreviveu e cresceu e foi até, durante alguns anos, a principal fonte de receitas e sustento do arquipélago. É verdade que os grandes navios ainda não voltaram, as crises e o desemprego continuam a maltratar a cidade e uma ou outra avaria no dessalinizador relembram-nos que a ilha não tem água, mas este povo tem alma de cigarra e sobrevive tenazmente aos dias difíceis e às lições de moral das formigas. Mindelo é uma cidade colorida, musical e alegre, virada para as tranquilas águas azuis da Baía do Porto Grande e às portas da cidade, lá onde começa o deserto, todos os fins de semana, mesmo quando o vento levanta nuvens de pó, dezenas de desportistas jogam no chão castanho avermelhado do seu campo de golfe, antes de um gin-tonic na velha sede do clube.
Ana Cordeiro