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“Um mundo ao qual não conseguimos dar nome” – Carlos Fuentes (1928 – 2012)

Publicado17 Mai 2012

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O escritor mexicano Carlos Fuentes, nascido em 1928 na Cidade do Panamá, morreu hoje, 15 de maio. Recebeu diversos prêmios por sua obra, entre eles o prestigioso Cervantes, em 1987. De seus romances, destacam-se A morte de Artêmio Cruz e A campanha. Leia abaixo um trecho da última entrevista que cedeu, publicada no jornal El país ontem (a íntegra em espanhol pode ser acessada aqui).

P. Do que trata o seu último livro e o que você vai iniciar agora?

R. No que terminei, Federico en su balcón, Nietzsche aparece ressuscitado em uma varanda às cinco da manhã, e eu começo uma conversa com ele. O livro que vou iniciar, El Baile del Centenario, encerra uma trilogia da Idade Romântica, que cobre desde a celebração do centenário da independência, em setembro de 1910, oranizada por Porfirio Díaz, e a celebração do fim do centenário, em 1920, organizada por Álvaro Obregón e José Vasconcelos, de modo que abrange dez anos da vida no México. Já estou com muitos capítulos, anotações e personagens. Há uma mulher que me interessa muito,  que não quer contar nada sobre o seu passado  e que vai sendo descoberta pouco a pouco, até que chega ao mar e se liberta.

P. Há algo de específico nesse início de século que o atraia?

R. Sou fascinado pelas mudanças que estamos vivendo. Quem diria que as mudanças começariam no norte da África? E daí se estenderia para boa parte da Europa e dos Estados Unidos, onde muitos de meus alunos me dizem: “Sou doutor e não encontro emprego”. Ou… “Meu pai virou classe média e sinto que estou descendo para a classe proletária”. Na América Latina também acontecem mudanças grandes, ainda que lá tenha havido certa estabilidade. Antes, os problemas começavam na América Latina. Agora parece que vão chegar nela. E é um mundo ao qual não conseguimos dar um nome. Se uma pessoa perguntasse a Dante: “Como você se sente vivendo em plena Idade Média?”, ele responderia: “O que é a Idade Média?”. Não podemos dar um nome a essa época, mas sentimos que tudo está mudando. O Renascimento sabia que era o Renascimento, a Idade Média não sabia que era a Idade Média.

P. Como você lida com a internet e as redes sociais?

R. Eu parei no fax; escrevo à mão em uma página em branco com uma caneta, corrijo na página seguinte. A minha esposa que me informa das novidades. Antes, eu dizia: vou pesquisar na Enciclopédia Britânica. Agora, ela fala, não, aperta uma tecla e encontra o que procurava.



in Blog do Instituto Moreira Salles

Morreu o escritor mexicano Carlos Fuentes

Publicado16 Mai 2012

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O Ministério da Cultura mexicano confirmou o óbito. E segundo a AFP, o presidente Felipe Calderón deixou uma mensagem na sua conta no Twitter: “Lamento profundamente o falecimento do nosso querido e admirado Carlos Fuentes, escritor e mexicano universal. Descanse em paz”. 

O Prémio Cervantes (1987) e Prémio Príncipe das Astúrias (1994) morreu de problemas cardíacos, aos 83 anos. Tinha começado a escrever aos 29 anos e o seu último romance editado, “Adão no Éden”, foi publicado recentemente pela Porto Editora. 

É autor de “O velho Gringo”; “Cristóvão Nonato”, “Constancia e outras Novelas para Virgens”, “Aura”, “A Laranjeira”, “Diana ou a Caçadora Solitária”, “A Campanha”, “Aquilo em que Acredito” (todos editados em Portugal pela Dom Quixote). 

A Porto Editora, depois de ter lançado o seu último romance publicado, tem prontos a publicar dois volumes que reúnem os contos do autor: “Contos Naturais” e “Contos Sobrenaturais”. O editor Manuel Alberto Valente disse ao PÚBLICO que já estão traduzidos, estavam agendados para 2013 mas agora poderá vir a ser antecipada a sua publicação. 

“Carlos Fuentes foi o mais ‘infeliz’ dos três grandes nomes do 'boom' da literatura latino-americana: Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e ele”, diz Manuel Alberto Valente. "Só que os outros dois ganharam o Prémio Nobel. Do Fuentes falava-se sempre que podia ser um candidato ao Nobel mas infelizmente não o teve". 

Manuel Valente lembra que, também em termos de vendas, foi sempre um autor menos lido do que os outros, Márquez e Llosa. “Pelo menos em Portugal nunca teve um grande sucesso de público. Mas é um autor extremamente importante e o facto de ter tido sempre menos sucesso que os outros dois pode explicar-se por ser o mais político dos três. A obra dele é muito o espelho do México e das suas vicissitudes políticas. É um autor muito marcado ideologicamente e isso talvez tenha contribuído para que não tenha sido um autor tão popular. Mas é indiscutivelmente um dos grandes nomes da literatura latino-americana e da literatura mundial.”

Filho de mexicanos, Carlos Fuentes nasceu no Panamá, a 11 de Novembro de 1928, numa família de diplomatas e passou a sua infância entre a Europa e o continente americano. Estudou na Suíça e nos Estados Unidos; viveu em Quito, no Equador; em Montevideo, no Uruguai; no Rio de Janeiro, no Brasil; em Santiago do Chile e em Buenos Aires, na Argentina, num percurso que acabou em Washington, nos Estados Unidos. Na adolescência, passou a viver no México.

Em 1955, fundou com Octávio Paz e Emmanuel Carballo, a “Revista Mexicana de Literatura”. Era um homem de esquerda, membro do Partido Comunista, próximo de Fidel Castro antes de se afastar depois da prisão do poeta cubano Ernesto Padilla (em 1971). Num ensaio da revista “Tiempo Mexicano”, de 1972, escreveu: “O que um escritor pode fazer politicamente deve fazê-lo também como cidadão. Num país como o nosso, o escritor, o intelectual, não pode alhear-se da luta pela mudança política que, em última instância, supõe também uma transformação cultural”.

Licenciou-se em Direito na Universidade Autónoma do México e no Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra, e prosseguiu a carreira diplomática de tradição familiar, sobretudo com o trabalho em organismos internacionais, em particular nas Nações Unidas, em Genebra. Em meados da década de 1970, dedicou-se ao ensino e leccionou nas principais universidades mundiais, de Paris a Princeton, Harvard, Columbia ou Cambridge. 

Em 1974, foi nomeado embaixador em Paris e, em 1977, demitiu-se para protestar contra a nomeação para embaixador em Madrid do ex-presidente mexicano Gustavo Díaz Ordaz , que ele considerava responsável pelo massacre dos estudantes no México em 1968. 

Numa entrevista que deu recentemente a Geneton Moraes Neto, do canal brasileiro Globo News, dizia que não trocaria a literatura por nada e que, aos 83 anos, só lamentava não ter tempo para escrever todas as histórias que imaginava. Nessa entrevista em que falava em inglês (era bilingue e escrevia em espanhol porque considerava já existirem escritores suficientes em língua inglesa) revelava ainda que tinha acabado de escrever um novo romance "Federico en su balcón" ( sobre Nietzsche). Dizia também que havia um livro que gostava de ter escrito mas sabia que não o iria conseguir fazer. Era a história do último dia de vida do revolucionário e líder agrário mexicano Emiliano Zapata. Queria começar o livro a partir do momento em que o revolucionário acorda (no dia em que morreu) até ao momento em que é fuzilado. Era uma ideia que Carlos Fuentes tinha a rodar na sua cabeça e que nunca conseguiu concretizar. No entanto, dizia: "Se eu viver bastante, um dia escreverei esse livro!"

“'Adão no Éden’ não é uma novela inovadora no tema, recorrente no trabalho de Carlos Fuentes”, escrevia Fernando Sousa no Ípsilon de 11 de Maio de 2012. “É possível encontrar os mesmos cenários e personagens semelhantes em ‘La tierra más transparente’, a sua primeira obra, de 1958, um texto que é uma espécie de inventário da sociedade mexicana; em ‘Artemio Cruz’ (1962), reflexões-à-beira da morte de um antigo revolucionário convertido num político de esquemas, corrupto e corruptor, que à hora de desaparecer conta o passado com a sinceridade própria de quem já não tem nada a perder; e em ‘La silla del Àguila’, nova radiografia do poder onde Fuentes imagina o seu país no ano 2020.” 

E acrescentava o crítico: “Mas é na sua inspiração literária uma obra apoteótica no estilo que o autor adoptou para nos mostrar o que o México, o México sinistro, lhe mostrou a ele em mais de oito décadas, uma obra que remete por assim dizer para as inaugurais, as dos primeiros anos de escrita, quando a sua estrutura ainda se desenvolvia. Uma obra-mestra.”

No final da entrevista do programa Dossiê Globo News, Geneton Moraes Neto perguntou-lhe se havia alguma pergunta vital para a qual não tinha resposta. Carlos Fuentes respondeu: "Não sei se Deus existe. Mas em breve vou descobrir."



in Público