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"Realismo Mágico em cena"

Publicado8 Set 2014


Realismo mágico em cena

Entrevista de Maria Leonor Nunes a Miguel Seabra, Jornal de Letras, 3 Setembro de 2014


Trágica e poética, uma história sobre o poder e a fragilidade humana, o amor e a morte, Pedro Páramo, do mexicano Juan Rufio, é levada à cena pelo Teatro Meridional, com adaptação de Natália Luiza e encenação de Miguel Seabra. É uma estreia do Próximo Futuro, programa de Cultura Contemporânea da Gulbenkian, com apresentações de 9 a 12, para continuar posteriormente na sala da Rua do Açúcar, em Lisboa, até 12 de outubro.

São sete atores em cena, Ivo Canelas na pele de Páramo, desdobrando-se por varias personagens, almas errantes num "limbo" que o encenador não deixa de ligar à atualidade do mundo e do país. Um trabalho "fascinante" e "complexo" como poucos, confessa, porque não é de ânimo leve que se passa ao palco uma obra como a de Rufio, publicada em 1955, considerada fundadora do realismo mágico.

Jornal de Letras: Foi difícil pôr em cena uma obra tão complexa e particular?

Miguel Seabra: Sim. Pedro Páramo é realmente complexo e fascinante. Desde que o li, há anos, que tive vontade de o transpor para o teatro, mas implicava muitos atores e os direitos eram elevados. António Pinto Ribeiro lançou-nos o desafio do Meridional estrear um espetáculo no Próximo Futuro deste ano, que tem especial incidência na América do Sul. Eu e a Natália Luiza pensamos primeiro no âmbito da lusofonia, que habitualmente trabalhamos.

- Concretamente no Brasil?

- Já fizemos três espetáculos a partir de textos brasileiros, dois contos em viagem e, recentemente, as centenárias. Por isso, acabámos por escolher o romance de Juan Rufio, de que ambos gostávamos muito, e que é muito rico, politicamente abrangente, literariamente inovador. Foi de resto uma influência para Gabriel Garcia Márquez. Sobretudo porque poderia ser, como se verificou, muito estimulante ao nível da criação teatral, pela história maravilhosa que é, pelo trabalho exigente que permite com os atores.

- O que foi especialmente estimulante?

- O facto de a história ser como um grande puzzle. A transposição de um romance para o palco é sempre um desafio: como conseguir manter em cena a ansiedade que sentem os leitores, transformar a magia literária em magia cénica. A Natália Luiza fez a adaptação, fazendo uma primeira escolha delicada do material, das cenas e personagens, das linhas de força em que assenta a versão cénica.

- Quais?

- Procurámos acentuar sobretudo as que se prendem com a fragilidade humana, porque se trata de uma história profundamente humana, sobre o poder e a falta dele, a ambição, o despotismo. E por outro lado é uma história de amor. Interessou-nos essa dualidade. São questões que ligam muito bem com os caminhos do Meridional.

- É a estreia de Pedro Páramo em palcos portugueses?

- Creio que sim. Já foi adaptada no México, nos Estados Unidos. Pedro Páramo tem um caráter universal e criei o espetáculo assumindo que este é um projeto português, feito em 2014, com tudo o que se passa no país, com tantas guerras a acontecer no mundo. Nada disso nos é indiferente criativamente