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O contrato social no coração dos novos protestos

Publicado3 Fev 2014

Paulo Granjo

Os mais marcantes protestos sociais ocorridos durante os últimos anos nos países oficialmente lusófonos têm em comum alguns aspetos relevantes: não tiveram por principais atores os mais pobres, tiveram como fator de mobilização imediato e explícito uma decisão económica do poder político que afetaria sobretudo camadas sociais intermédias, e tiveram como referência mobilizadora subjacente e mais profunda as noções populares do contrato social – seja pela visão de que este estava a ser desrespeitado ou subvertido, ou pela consideração de que ele deverá ser refinado em benefício dos governados.

O caso dos motins de Maputo, Moçambique (2008, 2010 e 2012), torna visíveis aspetos suplementares que são igualmente comuns a protestos recentes, em diversos continentes, que utilizaram a violência como forma de expressão ou assumiam a possibilidade de recurso a ela, face à pressão repressiva estatal. Destacam-se entre eles a ameaça a uma subsistência predominantemente precária, fortes assimetrias sociais, o descrédito nas instituições políticas e mediadoras enquanto meios eficazes para resolver os problemas sentidos, a avaliação da atitude governativa como sendo arrogante e fechada à negociação.

Todos os fatores enumerados - que conduziram à ideia de que a violência era, por exclusão de partes, o único meio de protesto eficaz - têm uma presença crescente em Portugal e estão associados a políticas governativas percecionadas como subversoras do contrato social. Embora a presença e relevância desses fatores não conduza de forma automática a protestos violentos, aumenta fortemente a possibilidade de que estes ocorram na sequência de qualquer decisão ou acontecimento considerado particularmente ofensivo, tendo por base uma avaliação eminentemente política e moral justeza das relações entre grupos sociais e entre governantes e governados.

Paulo Granjo é doutorado em Antropologia Social (ISCTE, 2001). Realiza pesquisas em Portugal e Moçambique que possuem um fio condutor comum: compreender as concepções e respostas sociais à incerteza, ao perigo e à tecnologia, em contextos de mudança cultural e social. É Professor Visitante na Universidade Eduardo Mondlane, Maputo (licenciatura em Antropologia). É autor de diversos livros e artigos. É membro do Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE) e do Centro de Estudos Africanos (ISCTE). Será um dos oradores na primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas, dedicado aos "Novos Poderes", no próximo dia 8 de Fevereiro.