Manoel de Barros (1916-2014)
Publicado13 Nov 2014
“A gente nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre. Pra não morrer, tem que amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste”
Palavras de Manoel de Barros, no documentário Só dez por cento é mentira, realizado por Pedro Cezar e lançado em 2008.
Nascido a 19 de Dezembro de 1916, em Cuiabá, Manoel de Barros passou a infância no Pantanal, o que terá contribuído para o seu imaginário poético, repleto de imagens da natureza. Aos 8 anos, foi para um colégio interno em Campo Grande, onde conheceu a cultura grega, os sermões do Padre António Vieira e o poeta francês Arthur Rimbaud. Viajou pela Bolívia e Perú, e viveu um ano em Nova York, onde se interessou por arte e cinema. Chegou a pertencer à Juventude Comunista, da qual saiu, tendo sido sempre um defensor da liberdade.
Considerado nome maior da poesia brasileira, conta-se que Drummond de Andrade recusou o epípeto de "maior poeta vivo do Brasil", a seu favor. Deixa-nos 18 livros de poesia, além de textos autobiográficos e obras para a infância. “Ele encontrou a equação perfeita entre natureza e linguagem, inovadora para a história da poesia”, disse ao 'Época' Alberto Muller, professor da Universidade Federal Fluminense. Nos poemas de Manoel de Barros há musgos, sapos, pedras, rãs, árvores e caracóis. “Gosto de alguma coisa na infância que eu tenha mijado nela”, costumava dizer, segundo o mesmo jornal, que o considerou "o poeta das miudezas à espera do infinito". Alguns títulos sugerem isso mesmo, como Livro sobre o Nada (1996) ou Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo. (2001).
O livro premiado pela Academia Brasileira de Letras, Compêndio para uso dos pássaros, de 1960, foi escrito depois de onze anos como fazendeiro, numa propriedade herdada, que o libertou de uma vida no Rio de Janeiro com dificuldades financeiras, período em que se ocupou exclusivamente das lides do campo e praticamente não escreveu. Mais tarde, mudou-se para Campo Grande, onde viveu até ao fim da vida, e ali escreveria mais vinte livros.
Poesia é trabalho, defendia, numa rotina disciplinada que o levava a um quarto onde trabalhava, o "lugar de fazer o inútil", todos os dias, desde as sete da manhã, durante vários anos.
João Guimarães Rosa, que conheceu em 1960, foi uma das suas influências confessas, de quem contava que após ter lido o primeiro livro "ficou roseado". A vontade de descontruir a linguagem e de a tornar uma matéria nova, como tantos dos seus poemas evidenciam, prende-se também com este grande encontro. Millôr Fernandes, jornalista, escritor e humorista, considerado pelo poeta "o homem mais genial do Brasil" foi outro nome decisivo, quando no final dos anos 80 começou a escrever sobre os livros de Manoel de Barros, dando-lhes visibilidade a uma escala até então inédita. Ganhou duas vezes o prémio Jabuti em 1989 e 2002, entre vários outros prémios.
Casado com Stella desde 1947, que conheceu no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito, tiveram três filhos, dos quais dois morreram, em 2007 e 2013. Foi em 2013 que editou o seu último livro, Portas de Pedro Viana. Muitas páginas de apontamentos e notas soltas ficam agora entregues aos seus herdeiros, embora seja conhecido que, nos últimos meses, a fragilidade da sua saúde e a tristeza da perda dos filhos o tivessem afastado da escrita, segundo notícia de CampoGrandeNews.
Ao jornal Estadão, por ocasião da publicação de O Menino do Mato, em 2010, disse que, a escolher uma palavra preferida, seria"criança", com dúvida aberta para "borboleta".
O POETA
Vão dizer que não existo propriamente dito.
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar o resto da vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter de assumir as suas
irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.
In Ensaios Fotográficos, Record, 2007