Kurika
Publicado27 Ago 2009
Os livros não têm horários nem lugares de leitura fixos mas Kurika de Henrique Galvão apetece ler à noite, já na cama. Escrito em Março de 1944 em Lisboa, editado pela Cotovia (Outubro de 2008), tem como subtítulo romance dos bichos do mato. Podia ser classificado como um livro de histórias para crianças onde os animais que são as personagens fundamentais desta narrativa adquirem parte dos atributos que classificam os humanos. Trata-se da história de Kurika, um leão (o nome é a tradução) que depois de ter sido capturado enquanto bebé por um negociante branco é libertado pela macaca Paulina (o outro companheiro de brincadeiras é o cachorro Janota). Como qualquer leão, ao crescer, transforma-se num animal selvagem, rei da selva africana como é sabido, com com as características próprias da espécie a que se juntam o seu particular passado junto dos brancos e dos seus colegas animais de estimação. O mais emocionante nesta novela é o enorme apreço com que os animais selvagens são tratados pelo autor. Quase se pode dizer que tanto quanto ignora a espécie humana, tanto se concentra nas qualidades e características dos animais selvagens e as exalta. É notório o enorme conhecimento que o autor tem da fauna e da flora africana e em especial da savana, do comportamento dos animais e das difentes espécies. Encontramos um aturadíssimo observador e um minucioso escritor com uma capacidade invulgar de descrever o comportamento das feras, as manifestações das estações do ano, as qualidades físicas e temperamentais dos animais. É um escritor zoólogo, um naturista exímio que com certeza tinha um enorme fascínio pela vida da natureza africana que aqui é narrada com uma entusiasmo e objectividade invulgares. Mas tudo isto é possível porque o autor demonstra uma enorme qualidade literária, na composição das cenas e na descrição de comportamentos psicológicos e físicos. As cenas de sedução e de acasalamento dos leões são de um erotismo literário invulgares, as cenas de caça são cinematográficas, a descrição da solidão do animal é de uma precisão emotiva rara.
No final também é a natureza africana - longe das cidades - que se valoriza e admira, situação muito comum na literatura africana.
apr