Critica da Razão Negra, de Achille Mbembe
Publicado4 Out 2014
Achille Mmembe, filósofo e investigador de História e Ciência Política, camorês radicado na África do Sul, é considerado um dos mais brilhantes intelectuais africanos da contemporaneidade. A edição em português da sua mais recente obra, traduzida por Marta Lança, chegará em Outubro às livrarias portuguesas.
De la postcolonie em 2000. Sortir de la grande nuit dez anos mais tarde. E agora, Critique de la raison nègre. Estamos perante os contornos de uma verdadeira obra. Pode, no momento em que se publica este novo ensaio, desenhar em poucas palavras as grandes linhas do seu projeto intelectual?
A minha preocupação é contribuir, a partir de África onde vivo e trabalho, para uma crítica política, cultural e estética do tempo que é o nosso, o tempo do mundo. É um tempo marcado, entre outras coisas, por uma crise das relações entre a democracia, a memória e a ideia de um futuro que a humanidade no seu conjunto poderia partilhar. Esta crise é agravada pela confluência do capitalismo com o animismo e a recodificação em curso do conjunto dos campos das nossas existências na e pela linguagem da economia e das neurociências. Esta recodificação volta a pôr em questão a ideia que construímos do sujeito humano e das condições da sua emancipação a partir pelo menos do século XVIII.
Uma das teses fortes do seu novo ensaio é a de que um dos efeitos do neoliberalismo é o de «universalizar» a condição negra». Que entende por «neoliberalismo»?
O pensamento contemporâneo esqueceu que, para o seu funcionamento, o capitalismo teve sempre, desde a sua origem, necessidade de suportes raciais. Melhor dizendo, a sua função sempre foi não apenas a de produzir mercadorias, mas também raças e espécies. Por neoliberalismo, entendo a idade no decorrer da qual o capital quer ditar todas as relações de filiação. Ele procura multiplicar-se numa série infinita de dívidas estruturalmente insolventes. Deixa de haver distância entre o facto e a ficção. Capitalismo e animismo não são senão uma e a mesma coisa.
Sendo assim, os riscos sistémicos aos quais apenas os escravos negros foram expostos na altura do primeiro capitalismo constituem doravante se não a norma, pelo menos a situação de todas as humanidades subalternas. Há, pois, uma universalização tendencial da condição negra. Esta vai a par com o aparecimento de práticas imperialistas inéditas, uma re-balcanização do mundo e a intensificação das práticas de delimitação de zonas. Estas práticas constituem, no fundo, uma forma de produção de novas subespécies humanas votadas ao abandono, à indiferença, quando não à destruição.
Entrevista conduzida por Arlette Fargeau, Le Messager Out 3, 2013, publicada em português na Buala, que disponibiliza também a pré-publicação de excerto da obra.
Pode ouvir-se o autor sobre a obra, na entrevista concedida à Radio France Culture, 25 de Novembro de 2013