O Museo del Barrio, conhecido simplesmente por "El Museo", nasceu em Nova Iorque, no bairro do Harlem, em 1969, como resposta à invisibilidade da arte da América Latina, por iniciativa do artista Raphael Montañez Ortiz, um grupo de pais e de educadores, artistas e activistas, marcado pelo clima de contestação do statu quo ocidental, desde modelos museológicos a educativos, e pelo movimento dos direitos civis. Inicialmente muito focado na arte porto-riquenha, o museu tornou-se progressivamente mais abrangente, tendo hoje mais de 6500 peças na sua colecção permanente, de arte carinhebenha, latina e latino-americana. Mantém uma forte ligação com a comunidade local e uma vertente educativa marcada.
Jorge Veneciano, natural da Argentina, criado nos Estados Unidos, assumiu recentemente, em Março deste ano, a direcção do Museu, depois de tempos complicados em termos de administração que levaram ao encerramento de exposições durante alguns dias da semana. Veneciano dirigiu o Museum of Art no Nebraska e, no início dos anos 90, trabalhou em Nova Iorque, responsável pela curadoria do Studio Museum, também em Harlem. Nesta entrevista, explica a sua visão do futuro para "El Museo".
–Ya logró acomodar el presupuesto del museo. ¿Qué plantea en el plano artístico?
–Cuando se fundó el museo, en 1969, el objetivo era preservar el arte, la tradición y la cultura de la comunidad portorriqueña. En 1994, con el 25° aniversario, el campo se amplificó a las artes y la cultura de los latinoamericanos. Y esa misión sigue hasta hoy. Pero lo que yo quiero es ampliarla y presentar la cultura en sus diferentes manifestaciones y formas: arquitectura, moda, diseño industrial, decorativo, gráfico, literatura, gastronomía, teatro, baile, música, ópera, etc.
–¿Qué es lo latinoamericano hoy para los estadounidenses? En su momento fue la cultura portorriqueña, pero ahora está muy ligado a la cultura mexicana. En Latinoamérica hay diversidad de “subnaciones”.
–Es la cultura de la gente de las Américas, los que hablan español y también portugués, porque también incluimos a Brasil. Puede ser que para EE.UU. la presencia de mexicanos sea más prevalente, pero la cultura mexicana no va a prevalecer en este museo, queremos ser equilibrados.
Automóveis eléctricos existem, mas não permitem que o condutor jogue dominó durante a viagem, tornando a ideia projectada neste cartaz da America's Independent Electric Light and Power Companies uma miragem ainda futurista. Não é o caso de algumas das previsões do escritor Isaac Asimov, nascido na Rússia, naturalizado americano, e nome incontornável da ficção científica que em 1964, ano da New York World's Fair - que pretendeu mostrar ao mundo as mais inovadoras tecnologias da época - escreveu um artigo para o New York Times em que previa... o ano de 2014, colocando algumas das questões essenciais com que nos debatemos hoje em dia, globalmente.
Communications will become sight-sound and you will see as well as hear the person you telephone. The screen can be used not only to see the people you call but also for studying documents and photographs and reading passages from books. Synchronous satellites, hovering in space will make it possible for you to direct-dial any spot on earth, including the weather stations in Antarctica (shown in chill splendor as part of the '64 General Motors exhibit). (...)
Not all the world's population will enjoy the gadgety world of the future to the full. A larger portion than today will be deprived and although they may be better off, materially, than today, they will be further behind when compared with the advanced portions of the world. They will have moved backward, relatively.(...)
Indeed, the most somber speculation I can make about A.D. 2014 is that in a society of enforced leisure, the most glorious single word in the vocabulary will have become work! (...)
A Revista The Atlantic revisita esse texto e analisa o legado, em termos das mudanças climáticas, da evolução da tecnologia e da relação entre o homem e a natureza.
Asimov begins by suggesting that in the coming decades, the gulf between humans and "nature" will expand, driven by technological development. "One thought that occurs to me," he writes, "is that men will continue to withdraw from nature in order to create an environment that will suit them better. " (...)
But Asimov knows too that humans cannot survive on technology alone. Eight years before astronauts' Blue Marble image of Earth would reshape how humans thought about the planet, Asimov sees that humans need a healthy Earth, and he worries that an exploding human population (6.5 billion, he accurately extrapolated) will wear down our resources, creating massive inequality.
Asimov rightly saw the central role of the planet's environmental health to a society: No matter how technologically developed humanity becomes, there is no escaping our fundamental reliance on Earth (at least not until we seriously leave Earth, that is). But in 1964 the environmental specters that haunt us today—climate change and impending mass extinctions—were only just beginning to gain notice.
O prémio Nobel da Literatura é anunciado amanhã, dia 9 de Outubro. Atribuído por decisão da academia sueca, sem lista prévia de concorrentes, motiva, todos os anos, muitas expectativas e palpites. O Jornal El Pais indica o escritor queninano Ngugi Wa Thiog'o e o poeta sírio Adonis como nomes possíveis.
Y los apostadores juegan al juego que cree que juega la Academia Sueca, ¿un juego geopolítico, de distribución del galardón por diferentes partes del planeta y lengua? Desde 2003, con el sudafricano Coetzee, el premio no llega a África. Tal vez por eso, además de la calidad literaria, el primero en las apuestas de la casa londinense Ladbrokes es Ngugi Wa Thiog'o (Kenia, 1938). Un autor de referencia desde su época de periodista en The Nation y por su activismo de la igualdad entre las razas, lo cual le valió años de cárcel y luego el exilio. A su regreso, dos décadas después, en 2004, violaron a su mujer y él sufrió quemaduras en el rostro.
Ngugi Wa Thiog'o nasceu em 1938, é autor de romances, peças teatrais, literatura infantil, contos e ensaios e professor de Literatura Comparada, na University of California. É dele a obra seminal do pensamento pós-colonial Decolonising the Mind: The Politics of Language in African Literature, de 1986. É o fundador e editor da revista na língua nativa gĩkũyũ Mutiiti.
Adonis nasceu em 1930, é poeta, ensaísta e tradutor e foi professor na Sorbonne, Damascus University e Lebanese University. Autor de mais de vinte livros, vive em Paris desde que saiu do Líbano, em 1980, para se afastar da guerra. Conhecido por combater o sionismo e as ditaduras árabes, defende uma poesia livre das instituições políticas e obrigações religiosas. Esteve no Próximo Futuro em Setembro de 2013.
Njideka Akunyili Crosby nasceu em 1983, na Nigeria, formou-se e estabeleceu-se nos Estados Unidos e a sua obra reflecte um diálogo transcontinental entre culturas diversas. Foi distinguida com Rosenthal Family Foundation Award (2013), Rema Hort Mann Foundation Grant (2013) e pelo Carol Schlosberg Memorial Prize for Excellence in Painting (2011). Participou em exposições como Bronx Calling: The Second AIM Biennial, Bronx, Nova Iorque; Cinematic Visions: Paintings at the Edge of Reality, Victoria Miro Gallery, Londres; e Primary Sources, The Studio Museum, em Harlem, Nova Iorque. Integra a exposição Kings County, que inaugura na Stevenson Gallery da Cidade do Cabo dia 9 de Outubro.
A Revista Wiriko escreve sobre o seu trabalho, a que atribui uma «identidade glocal»:
Podríamos decir que las obras de la nigeriana son como espejos que devuelven la imagen con un filtro muy personal y distintivo. Espejos locales y globales al mismo tiempo. No nos referimos a lo global a partir de esa versión homogeneizadora de la modernidad occidental, sino a una interpretación más bien adaptada a la inclusión de lo tradicional y lo local como característico de lo moderno.
La adopción de formas culturales diferentes le sirve a la joven artista para expresar “otredades” en formatos globalmente comprensibles. Se trata de afiliaciones, préstamos o colaboraciones plasmadas en formato papel (pues no suele trabajar sobre lienzo). Dichas transformaciones derivan de resistencias culturales que demuestran que la globalización no ha podido vencer las diferencias, y que la supervivencia de formas no-occidentales en las “sociedades del Norte” tiene en sus manos la pluma que escribirá el futuro. O tal vez, el pincel que pintará el mañana.
Achille Mmembe, filósofo e investigador de História e Ciência Política, camorês radicado na África do Sul, é considerado um dos mais brilhantes intelectuais africanos da contemporaneidade. A edição em português da sua mais recente obra, traduzida por Marta Lança, chegará em Outubro às livrarias portuguesas.
De la postcolonie em 2000. Sortir de la grande nuit dez anos mais tarde. E agora, Critique de la raison nègre. Estamos perante os contornos de uma verdadeira obra. Pode, no momento em que se publica este novo ensaio, desenhar em poucas palavras as grandes linhas do seu projeto intelectual?
A minha preocupação é contribuir, a partir de África onde vivo e trabalho, para uma crítica política, cultural e estética do tempo que é o nosso, o tempo do mundo. É um tempo marcado, entre outras coisas, por uma crise das relações entre a democracia, a memória e a ideia de um futuro que a humanidade no seu conjunto poderia partilhar. Esta crise é agravada pela confluência do capitalismo com o animismo e a recodificação em curso do conjunto dos campos das nossas existências na e pela linguagem da economia e das neurociências. Esta recodificação volta a pôr em questão a ideia que construímos do sujeito humano e das condições da sua emancipação a partir pelo menos do século XVIII.
Uma das teses fortes do seu novo ensaio é a de que um dos efeitos do neoliberalismo é o de «universalizar» a condição negra». Que entende por «neoliberalismo»?
O pensamento contemporâneo esqueceu que, para o seu funcionamento, o capitalismo teve sempre, desde a sua origem, necessidade de suportes raciais. Melhor dizendo, a sua função sempre foi não apenas a de produzir mercadorias, mas também raças e espécies. Por neoliberalismo, entendo a idade no decorrer da qual o capital quer ditar todas as relações de filiação. Ele procura multiplicar-se numa série infinita de dívidas estruturalmente insolventes. Deixa de haver distância entre o facto e a ficção. Capitalismo e animismo não são senão uma e a mesma coisa.
Sendo assim, os riscos sistémicos aos quais apenas os escravos negros foram expostos na altura do primeiro capitalismo constituem doravante se não a norma, pelo menos a situação de todas as humanidades subalternas. Há, pois, uma universalização tendencial da condição negra. Esta vai a par com o aparecimento de práticas imperialistas inéditas, uma re-balcanização do mundo e a intensificação das práticas de delimitação de zonas. Estas práticas constituem, no fundo, uma forma de produção de novas subespécies humanas votadas ao abandono, à indiferença, quando não à destruição.
Emma Wolukau-Wanambwa é uma artista e investigadora nascida em Inglaterra, com origens ugandesas. Tem trabalhado em torno das representações do colonialismo tardio, sobretudo na África Ocidental, desde 2011.Participou no primeiro Kampala Contemporary Art Festival (em 2012), que está agora na 2ª edição, e fala, nesta entrevista das mudanças que observa em Kampala nos últimos quatro anos, no plano artístico.
C&: Now finally, how would you describe the art scene in Kampala?
EWW: A lot has changed in the four years since I started visiting Kampala. The artistic community is ever more curious about what is going on in other parts of the world, and is increasingly keen to take part in various international conversations. The new Kampala Art Biennale, launched in August this year, is the most recent testament to that fact. I would say the key catalysts for the changes I am now seeing are: KLA ART 012 (Kampala Contemporary Art Festival 2012); David Adjaye and Simon Njami’s touring exhibition, Visionary Africa: Art at Work, which was presented in Kampala at the same time; the opening of 32º East (a project space, library, and studio complex that has reconnected Uganda with the Triangle Arts Network and brought a steady stream of artists into Uganda from abroad); Fas Fas (Ronex Ahimbisibwe’s short-lived artists’ space); and, obliquely, the success of Bayimba – a tremendously popular performing arts festival that now takes place all over the country and is becoming a major force in the region. I think the efforts and achievements of its founder Faisal Kiwewa and his team have been a valuable object lesson in what can be achieved.
Plataforma online que aloja residências de artistas e estruturas ligadas à criação e programação artística e outras, com actividades nos domínios da difusão, educação e formação na área das artes - nomeadamente unidades de investigação universitária, projectos editoriais, museus, escolas de artes visuais e projectos independentes. As áreas artísticas inicialmente contempladas são a fotografia, as artes visuais, cinema, arquitectura, design, música e artes sonoras.
As entidades parceiras são convidadas a desencadear processos criativos, que se materializam em propostas de criadores convidados: textos de investigação, artigos, ensaios visuais, projectos gráficos, sonoro-musicais, cinematográficos ou outros, realizados especificamente para a plataforma.
As residências são sucessivamente colocadas online de quinze em quinze dias, até Abril de 2015.
A Rádio France Culture convidou dois fotógrafos para falar do "branco" na sua obra.
« Les paysages du départ » de Bruno Boudjellal, fotógrafo francês de origem algeriana, que integrou a exposição "Artistas Comprometidos? Talvez" do Próximo Futuro, e a série «White» de Agnès Geoffray, artista nascida em França e radicada em Bruxelas, são o pretexto para uma conversa em torno do branco nas imagens fotográficas: fantasmagoria? revelação? forma de representar o irrepresentável?
Les images dont nous parlons aujourd’hui, d’abord on les croit brûlées. La pellicule parait brûlée, comme la terre que l’on brûle en temps de guerre pour éradiquer les ressources de l’ennemi. Brûlées comme les têtes de ceux qui risquent tout pour fuir.
Mais les images dont nous parlons aujourd’hui ont aussi la lumière invasive du souvenir en train de se faire, le flash de l’étourdissement ému. C’est ça, vous n’êtes plus vraiment sûr d’avoir bien vu, ou d’avoir voulu voir.
Georges Didi-Huberman, filósofo francês considerado um dos maiores teóricos da imagem, esteve na Universidade Nacional Tres de Febrero, em Buenos Aires, na conferência “Pensar en imágenes”. A revista Clarín entrevistou o teórico, famoso pela polémica com o realizador Claude Lanzeman, a propósito do valor testemunhal das imagens do Holocausto. Em Portugal estão publicados os livros O que nós vemos, o que nos olha (Dafne, 2011) e Imagens Apesar de Tudo (KKYM, 2012).
–Latinoamérica y Medio Oriente ofrecen el big bang de imágenes de masas, durante todo el siglo XX y aún hoy. Pensemos en el duelo por la muerte del imán Khomeini, en Irán, en las masas de las presidencias de Perón, hoy día las masas uniformadas del chavismo. ¿Hasta qué punto diferenciamos en las fotos las masas fehacientes de las producciones cinematográficas, los “figurantes” de su último libro?
–Cuando llegué ayer a Ezeiza, me sorprendió una gigantografía de McDonald´s y enfrente, otra de un político. En Europa eso sería imposible de concebir. Pero también nos abruman hasta la náusea los ídolos e íconos, que no son mejores que los políticos: el rock star, el objeto “corpiño con push-up”… Hay que distinguir siempre entre la imagen que fija un concepto y aquella que lo pone en movimiento –¡pero lo mismo se puede decir de las palabras! Se puede decir algo que abre o algo que cierra. Un ejemplo, el film Soy Cuba , de Mijail Kalatozov, es de un virtuosismo increíble, con alardes de técnica soviética, filmado en 1963 y arrumbado hasta la censura. Es el más bello homenaje a Cuba, mientras que yo puedo ver mil veces esa cabeza del Che y no me dice absolutamente nada.
Termina hoje a exposição Under the Same Sun: Art from Latin America today, no Guggenheim de Nova Iorque, que reuniu 40 artistas contemporâneos de 15 países, com trabalhos de pintura, escultura, fotografia e vídeo.
Julie Schwietert Collazo faz um balanço crítico sobre a exposição no site Hipperallergic, considerando a pertinência de fazer um retrato de um contexto tão diverso e adequação do espaço a certos suportes, como por exemplo, o vídeo.
The medium of video — even if it is just a document of the artistic act rather than the act itself, as in Galindo’s and Bruguera’s cases — is one of the most democratic and subversive forms in which artists in “developing” countries can work. Typically more accessible than “traditional,” institution-bound art, video has a unique ability to make direct verbal and visual statements, and it’s easier to share. As Santiago points out, “A digital file is a very versatile thing. It can be projected, streamed, stolen, shared, copied and reproduced.” You can, for instance, see parts of “Tatlin’s Whisper” and “La Cueva Negra” on YouTube, as well as “Punto Ciego” on Vimeo. And, in the setting of Latin America, video is powerfully symbolic: the artists are appropriating a medium that, in many parts of the region, is largely owned by the state, or at the very least whose messaging is dramatically influenced by the party line. For video to be largely out of view in this show decontextualizes it and undercuts its impact.
Fundador de Voices in Colour, uma organização dedicada a estabelecer ligações entre culturas contemporâneas através do discurso artistico, Mthabisi Phili esteve envolvido em várias iniciativas da National Gallery of Bulawayo, como Discovering Identities (2008), Voices in Colour (2009), Blue-Pencil (2010), Perception360 (2011), P.S. My speak! (2012), and Emergency (2012). O site Another Africa falou com o curador sobre a arte contemporânea no Zimbabué.
Houghton Kinsman | How would you describe the current state of the art scene in Zimbabwe?
Mthabisi Phili | From an economic point of view, it depends on what we compare it to. For instance, comparing the art scene to South Africa and an earlier Zimbabwe will prove that the art scene is less than what it used to be. Economically speaking, sales are less than what they used to be.
From a quality point of view there seems to be more competitive artworks currently as a result of Zimbabwe’s involvement in the Venice Biennale over the past 4 years and also because of the chemistry and contact with the outside world – artists can exchange ideas. For example, Portia Zvavahera can now easily access the South African art market, along with any other artist who has the ambitions to do so.
In terms of education, there is still no tertiary institution that offers a Fine Art degree in Zimbabwe. This is a dire situation for artistic development; organizations like my own Voices in Colour have resorted to workshops in order to educate the usually self-taught artists.
There are still perhaps only 2 main galleries in Zimbabwe, the National Gallery and Delta Gallery. They have stood the test of time and have influenced a lot of artists. They are slowly being joined by other organizations that are now influencing artists through exchange programs and discussions with foreign artists, these are Voices in Colour in Bulawayo and Njelele Gallery in Harare. It still remains a struggle to get artists to familiarise themselves with art practices that are occurring outside the borders, hence existing art organisations have a mountain to climb especially as there are no formal structures for art education.
Zócalo, que será publicado em Espanha no dia 6 de Outubro, é o mais recente livro do poeta sírio Adonis, convidado do Próximo Futuro em 2013 e um dos nomes candidatos ao Nobel da Literatura há vários anos. Nesta entrevista ao Babelia/El Pais, Adonis fala do novo livro, que resultou de uma viagem ao México, faz também um balanço da primavera árabe, sobre a qual afirmou em 2011 não ser uma revolução, numa conversa em que se aborda a situação na Tunísia, no Egipto e na Síria, a religião, o monoteísmo e a visão sobre o Islão.
Adonis dice desconfiar de “toda revuelta que salga de una mezquita con proclamas políticas”, pero extiende su desconfianza a las soluciones salidas de los despachos de Estados Unidos o de Europa. ¿Occidente no se ha interesado por la oposición laica? “Los políticos occidentales, no Occidente, no quiero generalizar”, responde. “Desgraciadamente, los políticos no se interesan de verdad por los árabes, los ven como fuente de riqueza —el petróleo— y como espacio estratégico. No se interesan por las fuerzas progresistas aunque sean, es cierto, poco numerosas. Lo que hacen las intervenciones extranjeras es revitalizar las fuerzas oscurantistas en el mundo árabe. Lo emponzoñan todo. Cuando uno compra y arma a unos supuestos combatientes, a una supuesta oposición, inventa un ejército de mercenarios. El Estado Islámico es una creación de Arabia Saudí y Estados Unidos. Ahora tienen que combatir a aquellos a los que armaron ellos mismos”.
Athi Mongezeleli Joja é critico de arte, escritor, investigador e membro do colectivo artístico Gugulective e The Feminist Wire. Neste texto, debruça-se sobre a cultura na sociedade pós-apartheid, no ano em que se celebram 20 anos de democracia.
Writing at the height of negotiations, which is also to say the restless end days of apartheid, Albie Sachs’s thesis in his rather provocative essay Preparing Ourselves For Freedom(1990), first delivered in Stockholm, then in Lusaka, is arguably the text that “prepared” today’s cultural production[1]. By way of critiquing ideological art, Sachs groped for the agency of culture away from what he calls the “somnambulist sureness” of the political. His thesis argued within the already existing problematic line that “struggle art” repressed the more nuanced and ordinary qualities of our lives. It is this position, with all its generated rejoinders, that has finally swirled its way into state level. This viewpoint wasn’t just catapulted into cultural policy where it remains to structure and dominate state institutions’ conceptual framework. Its main assumptions also pervade social life and artistic productions writ large – from the street corner, to trains, to pop music, to theatre, to visual arts, etc. Cultural reflection had to adhere to the generative itinerary of the triumphalist “cop-free world” that was already saturating global politics. This is the so-called end of ideology moment. Everything had to be cut loose from the jaundicing venom of politics. This Sachs characterized as going beyond “the multiple ghettoes of apartheid imagination.” By way of unproblematically assuming a “we,” Sachs argued that culture presented a better chance not only at freeing artistic imagination, but at manifesting “our” real personality – individually and nationally. “Culture,” he stated, “is us, who we really are.
Jean-Pierre de la Porte é investigador, escritor e director do Institute for Advanced Studies in Architecture and Infrastructure, em Joanesburgo. É um dos convidados da rubrica The Interview Issue, do site Art South Africa, com artistas, curadores, pensadores comprometidos com a mudança de perspectiva sobre a arte produzida em África. Nesta entrevista, discute-se o conceito "arte africana", a definição de artista, a posição ocupada pela África do Sul no cenário artístico.
The need for a pan-African perspective arose in specific conditions inside the African diaspora around 110 years ago and seems to owe as much to American Hegelianism as to anything else. We should trace the twists and turns it has undergone, particularly thanks to the interpretative and tactical brilliance of the early African National Congress.
Today, any artist may label him/herself in any way they desire, but the label remains in candidacy for recognition by suitably disposed peers and (like any binding self-ascription operating within a normative rationality) it is up to the future commitments of the artist and his/her followers to show whether the label has interesting consequences. Criteria for adopting any label cannot be isolated in advance but must be adduced in retrospect from their consequences. Today it is worth prefacing as much as possible with the qualifier 'African', even if just to bring out the concerned missionary sensibility lurking within Western critics and commentators one more time.
No México, existem 68 línguas indígenas, em risco de desaparecimento, muitas das quais têm hoje menos de cem falantes. O El Pais visitou aldeias e falou com os habitantes, traçando o retrato de uma cultura em extinção.
Entroncado en la familia lingüística del mixe-zoqueana, entre cuyas contribuciones universales figura la palabra cacao (pronuciada kaagwa, en ayapaneco), el idioma tiene singularidades que enloquecen a los especialistas. Entre ellas, su riqueza en palabras simbólicas, en onomatopeyas de enorme precisión como tzalanh (sonido del golpe de un machete) o el perfectamente entendible ploj (pisar el lodo).
Esta joya filológica, que durante siglos floreció en la húmeda selva tabasqueña, al sureste de México, no ha podido aguantar el embate de los tiempos modernos. La extensión masiva y exclusiva de la educación en español a lo largo del siglo XX y la inmensa riqueza petrolera de la zona, que atrajo una fuerte inmigración hispanohablante, barrieron el ayapaneco hasta convertirlo casi en un recuerdo.
Decorre entre 21 de Setembro e 1 de Outubro, a FILBA, um encontro literário que pretende abordar os cruzamentos entre a literatura e outras artes, como o cinema, o teatro, a pintura ou a música, com foco no diálogo intercultural nos países latino-americanos, realizado em três cidades: Buenos Aires, Santiago do Chile e Montevideo. O país convidado da edição de 2014 é a Bolívia, tema de reflexão de Edmundo Paz Soldan, escritor boliviano e representante da corrente McOndo, que se opôs à hegemonia do realismo mágico, na divulgação internacional da literatura latino-americana:
Si hubo un momento en que la literatura boliviana se enfocó en el indígena y otro en el que se olvidó de él, los narradores de las nuevas generaciones han optado por insistir en otro camino: representar una Bolivia en la que distintas tradiciones culturales conviven e impregnan la mirada tanto urbana como la rural. Esa mezcla está presente en la complejaCuando Sara Chura despierte (2003) de Juan Pablo Piñeiro, que nos presenta a una La Paz chola y ha asimilado como pocos la influencia de Saenz y Urzagasti, y en los cuentos inquietantes de Rivero (Tukzon, 2008) y Colanzi (La ola, 2014). A esa mezcla la acompaña la indagación en las raíces históricas del presente que llevan a cabo Rivero en 98 segundos sin sombra (2014) —una novela chispeante sobre el peso de la cultura del narcotráfico en una ciudad de Santa Cruz en los años 80— y el vargasllosiano Urrelo de Fantasmas asesinos (2006) y Hablar con los perros (2011). Otra forma de narrar el presente se encuentra en la potente El profesor de literatura (2014) de Christian Vera, que dinamita las bases de un sistema educativo alienante a través de un narrador neurótico rebelde a ese sistema a pesar de su aparente pasividad (o quizás por ello mismo).
A propósito da exposição “Ernest Cole: Photographer”, na Grey Art Gallery, em Nova Iorque, publica-se no New York Times um artigo sobre a vida e a obra do fotógrafo sul-africano negro que acreditou no potencial da foografia para mudar o mundo, assinado pelo crítico Holland Cotter.
Artists will stop making art about race when racism ends. I won’t be here when that happens, and you won’t either. But in the early 1960s, a brash, South African photographer in his 20s named Ernest Cole thought he just might be, once his pictures of his racially sundered homeland got out into the world.
(...)
He’s not always so physically removed from his subjects. In a series on the life of a rebellious township adolescent nicknamed Papa, Cole moves right in when the street-fighting man in the making swings a punch or bursts into tears. And when he documents the mugging of a white man by five black thieves on a Johannesburg street, he’s not a startled witness; he’s part of the scene, positioned to watch a piece of criminal choreography unfold.
Decorreu este Verão a 31ª edição da Feira Internacional do Livro do Zimbabué, uma das mais antigas no continente africano, subordinada ao tema "Indegenous Languages, Literature, Art and Knowledge System". A Revista Wiriko esteve lá, e falou com o escritor Zymunia, que integra a organização do evento.
Después de treinta años (desde 1983) la valorización de las culturas propias y de los sistemas de conocimiento africanos son un pilar fundamental de la ZIBF. En palabras de Musa Zimunya: “Las culturas ofrecen una base fundamental sobre la que descansa el desarrollo de toda la humanidad. Por otro, hay gran cantidad de recursos en esas culturas (la música, la literatura, el arte, la danza, la escultura, los monumentos, el patrimonio natural, etc.) que tienen un enorme potencial para generar ingresos tanto para los individuos como para las comunidades y las naciones. Las industrias creativas se basan precisamente en este enfoque”.
Doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE), da Fundação Getúlio Vargas, Octávio Neto Amorim fala das eleições, do momento que o Brasil está a atravessar, do número invulgar de partidos com representação no seu país e do significado das recentes manifestações.
Em que é que a entrada de Marina Silva vem alterar as eleições? Pouco depois de assumir a candidatura do PSB, Marina logrou aquilo que Aécio Neves, o candidato do PSDB, não conseguira durante meses de campanha: canalizar o descontentamento que emergira nas ruas em Junho de 2013, dando fim, ao que tudo indica, à polarização entre o PT e o PSDB, que tem caracterizado as eleições presidenciais no Brasil desde 1994. A confirmar-se a ida de Marina à segunda volta contra a Dilma, o Brasil poderá estar diante de um amplo desalinhamento eleitoral, fenómeno que testemunhou pela última vez em 1989, com a eleição de Fernando Collor, e em 1990, com a implosão do sistema partidário que havia operado a transição para a democracia. Mesmo com uma eventual vitória de Marina, o seu partido, o PSB, continuará a ser pequeno no Congresso. Isso significa que Marina é uma candidata sem lastro político, aspecto também patente na sua diminuta aliança eleitoral e equipa de assessores. Ela tem boas chances de ganhar a eleição presidencial, mas enfrentará grandes dificuldades para governar. A ausência de uma grande organização partidária na sua coligação eleitoral não é o único sinal de falta de lastro da candidatura de Marina. Ela também não conta com a lealdade de nenhuma grande organização social. E uma presidência sem lastro organizacional é, por definição, uma presidência vulnerável.
(...)
Porque é que as ruas falam tanto de corrupção? Há corrupção no Brasil. A imprensa brasileira enfatiza obsessivamente o tema – quando se abrem as páginas dos jornais do país, as quatro primeiras, em geral, são sobre corrupção. Não que não exista, mas há uma ênfase excessiva. Há uma percepção de corrupção da classe política, mas a população não está plenamente informada a respeito dos ganhos de uma melhor gestão da administração pública, decorrentes, sobretudo, da nova lei de administração de 2000.
O que há no Brasil hoje é esse enorme desequilíbrio entre uma carga fiscal digna de um país europeu, 37%, e serviços públicos dignos de um país africano. Esse fosso entre tributos e qualidade de serviço levou as pessoas a reivindicarem. Mas que pessoas são essas? São novos cidadãos, com o sentimento de que possuem direitos muito mais fortes.
(...)
Que impacto têm os movimentos que surgiram dos protestos numa política que descreveu como fragmentada? Essa é uma grande questão. Os historiadores do futuro certamente vão ver nas manifestações de Junho de 2013 um ponto de inflexão política do país que teve efeitos imediatos e terá efeitos a longo prazo. Efeito imediato foi enfraquecer politicamente Dilma – a popularidade dela nunca mais se recuperou. Pouco antes, todo o mundo acharia que ela ganharia as eleições de 2014 na primeira volta. Hoje sabe-se que haverá um segundo turno muito disputado. Outro aspecto crucial das manifestações é que elas foram totalmente avessas aos partidos políticos e quando os partidos tentaram juntar-se eles foram repelidos pelos manifestantes. O efeito disso foi mais uma onda de desprestígio da classe política e dos partidos. Quais seriam as consequências disso? Aumento da abstenção, o que pode enfraquecer muito os partidos.
A entrevista completa, por Joana Gorjão Henriques, aqui
Pixinguinha: "Porta aberta à inovação para onde quer que a música nos leve"
Como apresentar Pixinguinha a alguém que nunca ouviu falar dele?
Bia Paes Leme reflecte um pouco e responde: "Um músico exemplar e genial por isso mesmo."
Bia sabe do que fala. Desde 2008 que ela está no Instituto Moreira Salles e foi o facto de ali estar depositado o acervo de Pixinguinha, em partituras manuscritas, que a levou a aceitar o convite. "Quando entrei em contacto com esse material, vi que ele era de uma consistência e uma integridade muito grandes. Então, reuni uma equipa de oito arranjadores e começámos a trabalhar nisso desde 2009, ininterruptamente."
O que tinha nas mãos? Mais de 300 arranjos escritos por Pixinguinha (1897-1973), um dos mais geniais músicos brasileiros de todos os tempos. Nascido Alfredo da Rocha Vianna no Rio de Janeiro, no subúrbio da Piedade, aprendeu cavaquinho e aos dez anos já acompanhava o pai nas festas onde este ia tocar. Depois iniciou-se na flauta e, mais tarde, no sax tenor, já a sua carreira como líder de orquestra, compositor, instrumentista e arranjador ia num ponto alto. O desafio, para Bia (que é arranjadora e produtora musical, além de cantora e instrumentista, tendo integrado nessa qualidade as digressões de Chico Buarque desde o ano 2000), era tratar toda essa herança de forma sistemática e devolvê-la ao meio onde foi criada: aos músicos e ao público.
O trabalho da equipa de arranjadores produziu, até agora, quatro volumosos livros: "O primeiro, em 2010, Pixinguinha na Pauta, tem partituras de 36 arranjos. Em 2012 editámos um livro de composições chamado Pixinguinha, Inéditas e Redescobertas, e agora, em 2014, estamos lançando duas caixas de arranjos: uma, Outras Pautas, que é a continuação do livro de 2010, tem mais 44 arranjos. Outra, O Carnaval de Pixinguinha, tem 25 arranjos para uma formação menor, de banda." É destes livros que nasceu o concerto que o Rio de Janeiro viu em 2010 e vai ver agora, renovado, a 23 de Setembro de 2014 no Teatro João Caetano, com a mesma formação de orquestra de 30 músicos.
Portugal verá, no entanto, um concerto absolutamente inédito, diz Bia. "A segunda caixa-livro lançada este ano é para uma formação menor: flauta, clarinete, dois trompetes, bombardino e tuba. O que é que procurámos neste concerto criado para Portugal? Tendo alguns arranjos da formação da grande orquestra, como os conhecemos bastante bem, fizemos uma redução drástica, aproveitando os contracantos mas como melodias, instrumentos melódicos. Mas guardando a harmonia e a forma dele. Já nos arranjos da caixa O Carnaval de Pixinguinha essa redução é muito menos drástica, é apenas uma adaptação de timbre.
Estamos trabalhando com bandolim, por exemplo."
No Grande Auditório da Gulbenkian estarão hoje, ao todo, nove músicos: Bia Paes Leme (cantora e apresentadora), Paulo Aragão (violão e direcção musical), Nailor Proveta (clarinete), Pedro Aragão (bandolim), Rui Alvim (sax alto), Pedro Paes (sax tenor), Mauricio Carrilho (violão de sete cordas), Jayme Vignoli (cavaquinho) e Marcus Thadeu (percussão). "Eu vou participando do show como cantora, também", diz Bia, "porque incluímos clássicos dele, músicas mais conhecidas ou que podem chegar a um público que gosta também de ouvir canção com letra." As apresentações serão breves. "O texto vai ser um pouco ilustrativo mas sem ser didáctico. Estamos levando informações sobre o Pixinguinha, a vida dele e as suas facetas, como compositor, como instrumentista e obviamente como arranjador." Mas isso será feito na informação de sala, não no palco.
No palco ouvir-se-ão composições instrumentais de Pixinguinha, como O rasga, Assim é que é, Minha vez, Pula sapo, Desprezado, Cascatinha, Ignez, Levanta meu nego ou 1 a zero, a par de várias parcerias, como Carinhoso (com João de Barro), Fala baixinho (com Hermínio Bello de Carvalho), Rosa (com Otávio de Sousa), Mundo melhor, Seule (ambas com letra de Vinicius de Moraes), Bengelê e Yaô (ambas com Gastão Viana).
Tradição e novidade
Bia Paes Leme lembra-se de começar a ouvir Pixinguinha ainda muito nova. "Eu tenho 55 anos, a minha mãe gostava muito de cantar e o meu pai também, ainda gosta até hoje, e Carinhoso certamente deve ter sido a primeira música dele que eu ouvi, quando comecei a aprender a tocar violão. Mas a minha ligação com a música instrumental, que é o ouro do Pixinguinha, dá-se na adolescência, a partir dos 15, 16 anos. Eu já começava a me interessar por arranjos.
Lembro-me de que o contacto com a energia, a força, o vigor, dos arranjos do Pixinguinha foi uma experiência importante para mim."
O que torna Pixinguinha especial?
"Ele faz uma ligação entre passado e futuro que é fundamental dentro do que ele representa para a música brasileira e dentro do que ele representa para nós, músicos, que somos apaixonados por ele. Ele traz a tradição com muita força por tudo o que ouvia em casa ainda muito criança.
Mas por outro lado ele era uma esponja: tudo o que ele ouviu de música erudita, de jazz, de novidade, foi prontamente absorvido por ele e integrado na bagagem que ele trazia.
Ele representa uma porta aberta à inovação para qualquer caminho a que a música nos leve."
Tem saudades, palavra portuguesa que conhece do tempo em que os poetas se encontravam nos cafés, fumavam, bebiam e liam poemas. Da "textura da interação humana". Diz que com os anos foi abandonando "a mania da ordem protestante do norte". "Foi uma das coisas boas da África do Sul, houve um momento que definiu o antes e o depois". Agora, gosta de lá voltar e "ser um fantasma". Em 1975 foi preso, em 1977 foi novamente acusado de terrorismo. Esteve sete anos na prisão. O irmão era o chefe das Forças Especiais sul-africanas, um instrumento de repressão, e um militar condecorado e duríssimo. Breyten Breytenbach nasceu no Cabo Ocidental, em 1939- Tornou-se um dos míticos combatentes do apartheid, e um dos grandes intelectuais sul-africanos. Poeta, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, pintor, atravessou os anos tentando impedir o progresso da escuridão. A Gulbenkian, no Programa Próximo Futuro, trouxe-o a Lisboa para ver em cena, por Rogério de Carvalho no Teatro do Bairro, "As Confissões Verdadeiras de um Terrorista Albino". Emocionou-se. Adora Lisboa, uma cidade onde gostaria de viver. Vive entre Barcelona e Girona, depois de ter vivido em Paris, em Nova Iorque, onde lecionou na NYU, e metade do ano no Senegal, onde foi diretor do Instituto Gorée, em Dacar, do qual continua a ser um dos mentores.
Quando escreveu "As Confissões Verdadeiras de um Terrorista Albino", sobre a sua experiência, o "terrorista" da prisão sul-africana nos anos 70, a palavra terrorista teria um significado diferente do que tem agora.
Sim, já na altura era uma palavra com um longo historial. Pensem-se nos usos da palavra nas formulações dos russos anarquistas do século XIX, ou mais tarde os usos americanos da palavra com Sacco e Vanzetti... é uma palavra com um substrato teórico. Quando eu apareci em cena, a palavra terrorista era um epíteto honorável por causa da natureza do Estado. O apartheid usava a palavra terrorista para um inimigo do Estado. O inimigo era em primeiro lugar o comunista e depois o comunista que praticava atos de terror, mas não eram a mesma coisa necessariamente. A lei antiterrorista era muito vasta. Naquelas condições sul-africanas, devíamos a nós mesmos ser terroristas. Depois, a palavra mudou.
Quando fui aos Estados Unidos, tinha no cadastro a condenação como terrorista e com um significado muito diferente. O mesmo aconteceu com Nelson Mandela ou as figuras do movimento de libertação. Era um sarilho para entrarmos nos EUA. Até um ex-embaixador da África do Sul na Holanda esteve horas a ser interrogado no aeroporto por ter no cadastro a acusação de terrorismo. E ele era um branco cristão. E isto antes do 11 de Setembro. Hoje, eu sou um terrorista que é visto como um veterano retirado, é uma medalha. Mas a história não chegou ao fim.
É difícil pensar hoje que foi perseguido por ter casado com uma mulher francesa de origem vietnamita. Um casamento proibido pela lei sul-africana devido à mistura de "raças". O apartheid tornou-se um conceito remoto. Teremos tendência a esquecer a História e, logo, a repeti-la?
O ser humano, fisiológica e existencialmente, está programado para conter um certo volume de experiência e conhecimento que não é infinito. O passado está sempre em mutação. Recordamos partes, reinterpretamos, reinventamos, remodelamos, por causa, da consciência, da imaginação, da identificação. É difícil ir para trás e encontrar aquilo tal qual deve ter sido. No momento em que se escreve sobre uma coisa substituímo-la. Claro que podemos pegar no apartheid e desmontá-lo, ver as leis que o regiam, ver a ideologia, até as implicações religiosas e a angústia existencial de pessoas que se consideravam pioneiras e descendentes de europeus. Podemos ver a loucura de tentar encontrar a pureza onde ela não existia. E podemos ver a corrupção do poder, a violência, a tortura, a execução. E ver como a sensibilidade das pessoas fica embotada quando se vive dentro de um sistema onde as pessoas são mortas pelo Estado.
Não só as pessoas dentro do sistema mas as pessoas normais, os professores, os advogados, os jovens... A imposição de uma minoria colonial que teve de ser combatida com uma longa luta de libertação. O apartheid deixou um legado, e não acabou. Não se pode dizer que parou ali. Os novos sul-africanos ficam incomodados quando falo dos torturadores, da polícia, e dizem que mudaram muito, querem desesperadamente fazer parte da nova realidade. Renasceram. Isso implica uma grande falta de memória, de esquecimento. Percebo que seja difícil de digerir e que as pessoas tentem transformar a culpa. As pessoas perderam utilidade, e não só as brancas. No tempo do apartheid, um intelectual ou escritor tinha uma certa influência, por causa das leis, da censura, o propósito estava definido, validado, combater o sistema. Uma pessoa como eu, um operador político amador, nunca iria preso.
Não é um pormenor. Sete anos de prisão. E escreveu que não foi torturado como devia ter sido, com a tortura do afogamento, por causa do seu irmão, do respeito que ele impunha.
Sem dúvida. Fui interrogado e privado de sono por longos períodos. E estive dois anos em isolamento total, não podia falar com ninguém e ninguém podia falar comigo. É uma tortura mental. Fisicamente, fui privado de comida mas não é a mesma coisa.
Tinha com que escrever?
Os materiais de escrita destinavam-se a confissões, era kafkiano. O único privilégio, e obtido devido a pressões exteriores porque já era conhecido fora, foi ter direito a um certo número de folhas de papel. Tinha de as devolver todas as noites e eram fotografadas e analisadas pelo diretor e pela gente da Segurança. Dessa experiência, escrevi um livro chamado "Mouroir", que é um livro descontínuo por causa dessas condições físicas. É um livro negro, underground.
Essa escuridão ficou consigo para o resto da vida?
Sim, claro. Não é estável, fixa. É também um espaço de pesadelos, de angústia existencial. Tem a sua dimensão, a sua população. A sua história. Às vezes, entro lá para dentro. E é um período de funda depressão, em que revivo esse espaço. Está lá, estará sempre, e posso entrar quando quiser. Não posso controlá-lo mas não tenho de estar dentro o tempo todo.
É budista. Ajuda?
Tremendamente. Torna-se menos traumatizante. Por causa da escrita e da pintura, eu tenho de entrar nesse mundo de escuridão, ou estar consciente dele, o outro lado. A disciplina budista ensinou-me a não me apegar, dar mais importância a isso.
Transformou-o como artista, escritor? Acho que sim. O mundo em que vivemos, em que tudo mudou tanto nos últimos dez anos, por causa da crise financeira internacional, da crise de comunicação, dos fluxos de pessoas, faz com que estejamos em evolução. É um processo e é difícil analisá-lo. A minha mudança é um contínuo.
Viveu em Paris, Cidade do Cabo, Nova Iorque, Dacar, e agora vive na costa da Catalunha. Espalhou-se por várias cidades ao mesmo tempo, em movimento nómada.
Somos todos nómadas. Tenho desenvolvido algum nomadismo mas não é o mesmo de há vinte anos.
Ou dez anos. Fiquei menos móvel, mais focado. Quero passar mais tempo no meu estúdio da Catalunha, a escrever e a pintar. É também fisiológico. Viajar pode tornar-se um fardo. Quando viajo gosto imenso por causa de excitação do novo, ou desta vez, em Lisboa, revivi a excitação anterior. Não é a primeira vez mas é como se fosse. Fiz as pazes com o facto de não pertencer a lugar algum.
O poeta palestiniano Mahmoud Darwish foi um dos seus grandes amigos. E nele, esse sentimento, de não pertença a uma terra, a uma pátria definida, era doloroso. Toda a poesia dele está repassada dessa ansiedade de pertencer a uma Palestina que oficialmente não existe. No seu caso, a pátria repeliu-o ou você repeliu a pátria? É sul-africano? Não lhe apetece voltar a casa.
Não! É algo que reaparece com regularidade, a noção de regressar a casa. Escrevi sobre isso de muitas maneiras.
Tentei teorizar sobre isso nos meus ensaios "Notes From the Middle World". Falei agora com um amigo sul-africano sobre o que representa para mim ver pessoas fora do meu mundo, da África do Sul, interessarem-se pelo meu trabalho, por mim, por esse mundo, enquanto na África do Sul ninguém sabe nada. Lá, sabem muito sobre a minha poesia mas não sabem para lá disso. Nas entrevistas é o que aparece, ou pedem-me a opinião sobre o país. Estes ensaios são desconhecidos, foram publicados em inglês.
Ainda tem lá casa? Família?
Casa deixei de ter. Tenho restos da família e muitos bons amigos. Estão todos a morrer. Há uns mais novos. Escrevi um livro chamado "Dog Heart", que é uma tentativa de perceber as origens da minha família, os Cloete, franceses não huguenotes, que se estabeleceram no Cabo Ocidental, na propriedade de Groote Schuur, a produzir vinho. Baudelaire refere-se às vinhas de Groote Schuur. Os Cloete casaramse com locais e há mais Cloete de cor, como se diz, do que sem cor. Mestiçámos. Nessa altura podia-se, a única discriminação era religiosa, era-se cristão e um membro da congregação ou não se era. Era-se escravo ou não. O pai da minha mãe, Cloete, era um branco pobre com uma grande família. Do outro lado, Breytenbach, nome alemão, éramos gente escura. O meu irmão mais velho, o coronel, é mais escuro do que eu. Nascemos com a mancha azul, a mancha mongólica.
Marca genética de uma ascendência asiática.
Desaparece.
Não era assim tão puro. Essa procura de identidade, das origens, diz muito sobre a nostalgia da pertença.
Claro! Tenho outros antepassados que são os meus mentores, as pessoas que eu admiro, cujo trabalho admiro.
Diria que Albert Camus pertence a esse grupo.
Absolutamente. Identifico-me com muitas coisas do seu pensamento, a noção de absurdo, o existencialismo, até os seus fracassos, os erros. Na África do Sul, houve antes de mim um escritor chamado Jan Rabie que foi muito influenciado pelo existencialismo e que escreveu sobre o processo de hibridização, a nação híbrida que é a África do Sul. Acho que o mestiço nunca a chega a ser totalmente diferente, carrega os traços de quem foi, historicamente. E isso não é necessariamente bom.
Tornar-se outro significaria tornar-se menos discriminatório e às vezes é o oposto. A África do Sul não é uma "nação arco-íris". Não chegámos lá, o processo foi parado prematuramente. Mandela foi o derradeiro arquejo do sonho. Ele e Tutu. Sem sucessores. Neste contexto, a identidade fica esfrangalhada. Parte de mim é muito africânder, a linguagem que posso usar como instrumento. Se tentar conceptualizar, uso o francês. A poesia só em parte é linguagem, ou léxico, as partes sagradas são textura, ritmo, memória da poesia como linguagem que atravessa o tempo e as civilizações, é um modo de dançar para dentro do ser. E aí uso o africânder. Paul Celan sabe que o seu alemão pode não ser reconhecível por pessoas a viver na Alemanha, na Áustria ou na Suíça. Ele tornou-o seu, a sua linguagem.
Eu reconheço a minha inscrição na paisagem do Cabo Ocidental, instintivamente tenho os mesmos desejos da comida, do mar, das montanhas, do clima, do espaço. Do humor. Do significado da palavra azul. E identifico-me com África, sou um africano especial. Há muitos... os tuaregues, os de Zanzibar, mesmo a família Dos Santos, são africanos especiais.
Uma manta de retalhos de gente híbrida.
Havia um grupo de escritores antiapartheid, Coetzee, Nadine Gordimer, você, de fortes vozes morais. Coetzee tornou-se um exilado, um australiano. Gordimer acaba de morrer e você vive longe. Desencantados? Ião pouco temos na Europa um conjunto de escritores que represente essa presença moral, essa "força da razão". Talvez Gunter Grass.
Têm o Bernard-Henry Lévy, que é uma fraude total. Chamo-lhes "burros da televisão". Telefonamos ao Presidente a dizer para ele bombardear a Líbia... ou o Iraque. Funciona com um louco como Sarkozy. Gosto muito do John Coetzee.
Temos uma grande relação mesmo quando não nos vemos. Ele veio visitar-nos na Catalunha e fez-me uma pergunta estranha: não pensas na Grande Ceifeira (Morte)? Somos da mesma idade. Ele tinha estado doente. Não falámos muito disso mas ambos sabíamos o que estávamos a pensar. Houve uma identificação. Em Lisboa, há anos, estivemos juntos no Parlamento Mundial de Escritores, e uma noite saímos para descobrir o fado. Bebemos muito e falámos muito, provavelmente muito para ele. Insisti em falar africânder e quando ele ficou um pouco mais embriagado desistiu do inglês e começou a falar africânder. Ele é parte africânder, Coetzee, do pai. Sinto agora, na ficção dele, que está muito mais consciente de viver com uma língua perdida. Acho que sente muito essa falta. Estranhamente, escolheu como biógrafo um homem chamado Kannemeyer, que entretanto morreu a história do John matou-o de certeza que só era conhecido por ter escrito a biografia de escritores africânder. Podia ter tido como biógrafo quem quisesse, um americano. Quis esta pessoa, um intelectual africânder, teimoso, paroquial, limitado.
A posteridade é importante? O que se deixa?
Não! Estou ciente de que não podemos prever nem controlar o que fica depois de nós. É como a História, a memória, o que fica não é o que é verdade. Estou a reler Dogen, o mestre japonês, e vejo que ele faz parte do nosso DNA, culturalmente. Escreveu num japonês muito híbrido, chinês com japonês, talvez um Celan ou um Robert Walser do seu tempo.
Podemos usar o que dele encontramos, basta limpar um bocadinho.
Estou a lembrar o verso de Wordsworth sobre o esplendor na relva, a força que se ganha do que se perdeu. Aqui, são os leitores que vão à procura da sua força no que ficou do escritor.Estamos no tempo da internet, tudo é visual, multiplicado, repetido, disperso. Pela primeira vez, acho que o romance, cuja morte discutimos há décadas, está a morrer. E que a poesia deixou de ser uma disciplina da mente. E que ninguém lê coisa nenhuma. Os palestinianos não sabem o que é a poesia de Darwich. Uma seita em extinção, os escritores e leitores de livros importantes?
Acho que sim. É aquilo que eu chamo evolução, não nos vai deixar melhores ou mais competentes. Há um afunilamento, vivemos numa nova configuração tribal. Uma das piores tribos é a dos turistas.
Matam tudo. Tenho dificuldade em pensar que além de serem turistas são pessoas normais. Os turistas são uma massa sólida pior do que o terrorismo, de certo modo. Uma espécie diferente. Tenho de lutar contra o meu instinto para os odiar e tornar-me discriminatório.
A classe média. Estamos sempre a defender a classe média, pilar dos regimes e da estabilidade, mas a classe média é mediania, indiferença estética. Mau gosto. Tédio.
Deixei de encontrar uma comunidade. Só há indivíduos. Desde que deixei de ser professor e de ser o diretor do Instituto Gorée fiquei envolvido com uma unidade chamada O Coletivo da Piroga.
Na África Ocidental é maravilhoso, as pessoas entram pelo mar alto nestes barquinhos, fazem fogo lá dentro, comem, tudo! Senegal significa originalmente o nosso barco. Sempre foram viajantes, descobriram a América antes do Colombo e dos portugueses. O Coletivo organiza um festival de poesia chamado 'Dançar por outras Palavras'. Parte caravana parte festival de criatividade, poesia, em todo o continente africano. É só para poetas e têm de ser velhos, alcoólicos ou alcoólicos em recuperação, têm de saber dançar, ainda, e têm de escrever como se a escrita fosse a única coisa importante que podem fazer mas sem significado algum e completamente inútil e absolutamente essencial. Encontrei alguns. Como o Ko Un, o velho coreano e o mais famoso bêbado da Coreia. A mulher dele disse logo, por favor não lhe dêem vinho! Tem de ler a poesia dele, é absolutamente extraordinária. Ele esteve à frente de um mosteiro zen durante muitos anos, tornou-se um prisioneiro político e por fim um sem-abrigo, bêbado, que vivia debaixo das pontes. E tornou-se o melhor e mais famoso poeta coreano vivo.
Vai de certeza ganhar um Nobel, está na shortlist há tempos. É um velho maravilhoso.
Você tem amizades com pessoas fora do lugar, refugiados, exilados dentro da sua terra ou fora. É a sua comunidade. Ainda acabam a receber a visita da Angelina Jolie...
Ahahah! Nos velhos tempos era logo capaz de reconhecer um antigo prisioneiro. Há uma identificação instintiva. Pessoas que deslizam por corredores escuros de hotéis, vagamente cansadas...
Tristes? Mahmoud Darwich tinha uma tristeza.
E morreu com o coração partido, literalmente. Conhece o volume que escrevi para ele? "Voice Over". Era intensamente triste, sim.
E morreu com o coração desfeito, embora ele dissesse que era uma doença de família.
Ele sabia da sua condição. "Voice Over" é a continuação da minha conversa com ele, que não acaba. Nesta última matança de Gaza, lembrei-me dele.
Escreveu uma carta a Ariel Sharon, quando ele estava vivo e de saúde. Criticando fortemente, violentamente, a expansão militar e a ocupação. Escreve ainda, e concordo, que palestinianos e israelitas são muito parecidos. Podiam ter sido aliados e amigos. Sem dúvida, e isso era óbvio em Darwich como é. óbvio em Yehuda Amichai (grande poeta israelita) que era meu amigo. Conheciam-se um ao outro. Vi Mahmoud uns dois meses antes de ele morrer, sabia que ia morrer. O médico francês avisou-o de que morreria na mesa de operações. "Mas se não fizer nada morrerei a qualquer momento". Disse-me: "Temos de deixar de pensar que existe uma solução cara a Palestina". Ele morreu de um longo desespero. E viveu como alguém da classe média, acho que nunca o vi sem ser de casaco, bem vestido, polido, era como um funcionário, um pouco uma figura como Pessoa. Um dandy, um conquistador de damas. Tudo isso eram disfarces, um modo de não ceder à lamentação. Ao colapso. Como dissemos no festival de poesia, escrever poesia é organizar a própria loucura. E o desespero. Quando era mais novo acreditara na mudança das coisas, na luta pela libertação, na Fatah. Fez os seus compromissos. Com o tempo... Ele levou-nos a conhecer Arafat, em Ramallah, com Saramago e Goytisolo e outros, quando Saramago fez o famoso depoimento (comparando Gaza a Auschwitz) que destruiu todo o propósito da nossa visita porque a seguir não se falou de outra coisa.
Foi muito aborrecido. Mas eu gostava de Saramago, essa figura altiva que era completamente louca por trás da fachada.
Mudando de assunto. Não acha que a violência pura do mundo em que vivemos, sendo-nos trazida em tempo real, suga-nos a atenção e impede o pensamento? Torna-nos insensíveis e sentimentais. Ninguém quer saber de Gaza, ou da Síria... é tudo um blockbuster de Hollywood. Espetáculo. Lembro-me de quando o conflito israelo-palestiniano era uma discussão intelectual, ou uma causa. Hoje, em Ramallah, estão burocratas e corruptos.
Sem dúvida, e ninguém presta atenção aos esforços que são feitos para nos concentrar. Sabe que eu ganhei o primeiro Prémio Internacional de Poesia Mahmoud Darwich, e não houve segundo. Acabou. E acabou porque as autoridades palestinianas não estavam interessadas em continuar.
Estavam interessados em capitalizar a propaganda do prémio, não o prémio. Muito da Palestina tornou-se território da propaganda.
Sim. Fiquei com uma pedra do túmulo dele, antes do monumento. E falei com um dos ministros palestinianos, dos tempos antigos, um desses interlocutores da paz, que se lembrava do tempo da resistência em que Mahmoud lhe telefonava a meio da noite porque tinha escrito um poema novo. Ele tinha renunciado a essa vida, uma vida secreta, uma vida de sonho, em que estava desperto para o absoluto horror e beleza de ser um ser humano, um palestiniano, um lutador. E passavam o resto da noite a discutir poesia. Esse mundo acabou. Vivemos no mundo da atenção estilhaçada, das coisas sem consequência, do horror próprio. Tentamos chegar ao fim dos anos que nos restam com uma visão clara do mundo que é completamente impossível, porque duvidar, interrogar é o propósito da vida.
Tentar perceber o que nos aconteceu e como contribuímos. Muita gente vem ter comigo e diz: pensava que você já tinha morrido! Fiz parte do mundo dessa gente por um instante e não mais do que isso. Sou um blip no fluxo da informação. Não temos escolha, temos de viver no momento. E tenho algum conforto no facto de saber que mesmo o passado só vive num momento particular e o futuro também. Se alguma coisa o 11 de Setembro me ensinou, eu estava em NY a ensinar, foi isso. Vivia na baixa de Manhattan e vi o primeiro avião aproximar-se, a rasar os telhados. Estava sentado na varanda a corrigir manuscritos dos estudantes. E, por um instante, todos os pombos se ergueram num som. Foi o momento do impacto. E lembro-me de pensar, algo de apocalíptico aconteceu. Por um canto do olho olhava e via as chamas e as pessoas a tomarem consciência do que tinha acontecido, e por outro tinha os olhos postos na televisão para ver o que tinha acontecido. Este é o mundo em que vivemos agora. Tudo é imediatamente digerido e filtrado. Mas no 9/11, durante uns dias, os jornalistas e políticos não tinham palavras adequadas para descrever aquilo. Algo impensável acontecera. Soubemos depois que não era assim tão impensável.
Não sabemos mais do que as pessoas da Idade Média, apesar do acesso a tanta informação.
O volume do que sabemos é restrito. Yehuda Amichai dizia que conhecer a história da nossa família é como saber as águas territoriais de uma nação, além fica o oceano. Para lá, nada podemos saber.
Mohau Modisakeng é um artista sul-africano que expôs recentemente na Galeria Brudyn, que actua entre a performance, a escultura e a fotografia e problematiza as relações entre as sociedades pós-coloniais e as suas histórias comuns. Nesta entrevista, fala da influência das cidades de Joanesburgo e Cidade do Cabo na sua obra, da criação em diáspora e do que significa criar na África do Sul no século XXI.
The cultural climate of both Cape Town and Johannesburg is informed and controlled by the legacy of a racialist history founded on segregation. Johannesburg is more interesting in the sense that it allowed for an influx of migrant labourers from all across Southern Africa and further.
Due to that particular characteristic Johannesburg developed into a cosmopolitan urban environment with various cultures converging in one place. The result of that was a confluence of otherwise removed cultural influences.
The colonial legacy of both Johannesburg and Cape Town remind us of that history more so in Cape Town where colonial infrastructure engineered to separate still inform how blacks and whites relate.
My work is concerned with some of the tensions that arise out of that history and the memory of the violence imposed on black bodies in the span of Western rule on the continent. The effects of that history extend into the lived experiences of (South) Africans living in either city. Ultimately, South Africa’s past affects the conditions under which people practice and experience culture today.
Imagem: Vista geral do Pavilhão Ciccillio Matarazzo. Revista Clarín
Começou dia 6 de Setembro e decorre até Dezembro um dos maiores acontecimentos latino-americanos de arte contemporânea, a 31ª Bienal de Arte de S.Paulo, com um equipa de curadores internacionais, e sob o mote Como (…) coisas que não existem, justificado desta forma pela organização:
Considerando que a nossa compreensão e capacidade de ação são sempre limitadas ou parciais, muitas coisas ficam de fora dos modos comumente aceitos de pensar e de atuar. Porém, essas coisas que não existem são essenciais para superar expectativas e convicções. Quando nos encontramos sem saída, debatendo sobre explicações distintas sobre nossa experiência no mundo, as coisas que não existem se tornam tangíveis em sua ausência. Elas nos confrontam quando testemunhamos injustiças ou quando encontramos situações que nos parecem insuperáveis, pois nos fazem falta as ferramentas necessárias para agir.
A Revista Clarín (Argentina) lança, a este propósito, a questão: Para que serve hoje a arte contemporânea?
Para qué sirve hoy el arte contemporáneo? ¿Tiene –debería tener– alguna utilidad? Y si llegara a tenerla, ¿se puede ser optimista al respecto, en un mundo en el que queda poco espacio para los optimistas? El team de siete curadores de la 31a Bienal de San Pablo en Brasil –la segunda más antigua del mundo después de Venecia y una de las más importantes a nivel internacional–, integrado por el inglés Charles Esche, los israelíes Galit Eliat y Oren Sagiv, los españoles Nuria Enguita y Pablo Lafuente, y los curadores asociados brasileños Benjamin Seroussi y Luiza Proença responde que sí, que el arte contemporáneo tiene la capacidad de hacer reflexionar y actuar sobre la vida, el poder y las creencias. Sin embargo para actuar, para cambiar el mundo, dicen los curadores, antes hay que imaginar; y ahí es donde se vuelve fundamental el papel de los artistas, especialmente de los seleccionados aquí: el 70 por ciento no tiene galería. Por lo menos, no la tenía hasta la inauguración de la Bienal: porque rápidamente muchos de ellos consiguieron, antes de la apertura de la Bienal al público, apoyos, coleccionistas interesados y galeristas. Algunas situaciones cambiaron, en la imaginación y en la vida real.
Artigo completo, assinado por Mercedes Pérez Bergliaffa, aqui
ENCONTRO ANUAL DO INSTITUTO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DA FACULDADE DE CIÊNCIA SOCIAIS E HUMANAS DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FCSH-UNL
25 E 26 DE SETEMBRO DE 2014
OS SUJEITOS DA HISTÓRIA Nesta sua primeira edição, o seminário tem como tema principal os sujeitos históricos. A fortuna editorial do género biográfico talvez constitua o sinal mais visível da reemergência da questão do sujeito histórico, igualmente participada pela consolidação académica dos estudos sobre elites ou a atracção memorialista pelas histórias de vida. De resto, a persistência das histórias nacionais e, mais timidamente, de grandes narrativas de actores sociais igualmente apoia um processo não raras vezes entendido como um regresso da prática historiográfica ao que seria a sua verdadeira essência: narrar os sujeitos e os seus feitos, tarefa de que a disciplina teria sido afastada ao aproximar-se das ciências sociais. Esta aproximação teria levado a uma menor atenção à autonomia dos actores e a uma sobrevalorização do seu contexto.
E, todavia, aquilo a que aqui chamamos a reemergência da questão do sujeito histórico tem igualmente implicado um conjunto de interrogações acerca dos limites de oposições como as que foram estabelecidas entre história dos acontecimentos e história das estruturas. Para tal têm contribuído, entre outros, os estudos sobre governamentalidade, os debates em torno da agencialidade dos objectos ou as aproximações entre História Social e História Conceptual. Destas e de várias outras questões nos ocuparemos nos dois dias de encontro. As intervenções dos conferencistas convidados articularão reflexões em torno dos trabalhos realizados pelo investigador, discussão do estado da arte e proposta de futuras linhas de pesquisa. O seminário tem como primeiro destinatário a comunidade de investigadores de ciências sociais e humanas.
O seminário é de entrada livre mas é necessária inscrição prévia: [email protected]
PROGRAMA
25 DE SETEMBRO – QUINTA-FEIRA – Auditório 1, Torre B
9h30: Abertura, com Maria Fernanda Rollo (directora do IHC-FCSH/UNL) e José Neves (coordenador do encontro, IHC-FCSH/UNL).
9h45: Mesa 1 – FEMINISMO, HISTÓRIA TRANSNACIONAL E PÓS-COLONIALISMO
“O futuro é um país estrangeiro. Lá fazem as coisas de modo diferente”: abordagens feministas à História e à História da Arte. Filipa Lowndes Vicente (ICS-UL)
O modernismo em Portugal e os “modernismos do sul” Joana Cunhal Leal (IHA, FCSH-UNL)
Pensar com Persas: desfazer histórias de minorias Abdoolkarim Vakil (King’s College, Universidade de Londres)
O legislador, os juristas, os juízes e os «colonizados» como sujeitos históricos Ana Cristina Nogueira da Silva (FD-UNL)
13h: intervalo para almoço
15h: Mesa 2 – METABIOGRAFIA, BIOGRAFIA E TECNOLOGIAS DE SI
Los retos de los tránsfugas. Biografía y análisis del lenguaje político en una perspectiva comparada. Steven Forti (IHC-FCSH/UNL)
Metabiografia: entre a “ilusão biográfica” e a “biographical turn” Carlos Maurício (ISCTE-IUL)
Vidas genéricas e vidas minúsculas: repensar a agência nas tramas históricas Tiago Pires Marques (CES-UC)
17h30: pausa para café
17h45: Conferência – What is the Subject of Political History? Conferência de Patrick Joyce (Universidade de Edimburgo)
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26 DE SETEMBRO – SEXTA-FEIRA – Sala Multiusos 2, Edifício ID
9h: Mesa 3 – POLÍTICA POPULAR, ANTROPOLOGIA E HISTÓRIA SOCIAL
Sujeitos do passado, uma revisitação a algumas personagens historiográficas (rebeldes, povos e reis) Fátima Sá e Melo Ferreira (ISCTE-IUL)
Reprodução social, descontinuidades e fronteiras – tempo, coetaneidade e liminaridade, entre a antropologia e a história Paula Godinho (IHC, FCSH-UNL)
Os intelectuais, o poder e a cidade. Estruturas sociais de oportunidades e estilos de intervenção simbólica entre os intelectuais do Porto no Estado Novo. Bruno Monteiro (FL-UP) e Virgílio Borges Pereira (FL-UP)
11h30: pausa para café
11h45: Debate – Estado, Regimes, Elites, Líderes e Classes no Século XX Português Conversa com Fernando Rosas (IHC-FCSH/UNL) conduzida por Luís Trindade (Birkbeck College – Universidade de Londres, IHC-FCSH/UNL).
13h: intervalo para almoço
15h: Conferência – Reflexões ocidentais sobre os "sujeitos" da história e da historiografia Conferência de Fernando Catroga (FL-UC)
16h15: pausa para café
16h30: Mesa 4 – MATERIALIDADE, TRABALHO E OBJECTIFICAÇÃO
O Burocrata: Materialidade, Infraestrutura, Tecnopolitica Filipe Calvão (The Graduate Institute – Geneva)
Materialidade, objectificação e sujeitos operários da história Emília Margarida Marques (CRIA-IUL)
Histórias de objetos, quase Ricardo Roque (ICS-UL)