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Duas ruas em Lisboa

Published10 Jan 2010

Tags lisboa


Talvez tenha a ver com os horários da biografia do quotidiano ou com a topografia das horas, mas subitamente dou-me a cismar sobre duas ruas particulares das mitologias que os anos – e a cidade – me foram erguendo.
As ruas nunca são particulares, naturalmente. Apenas nos apropriamos delas à medida que as reconhecemos e elas nos reconhecem a nós.
Talvez a Rua da Escola Politécnica seja a da velocidade indiferente do dia. A elegante via que corro para aceder à cidade. As janelas que passam por mim, um pouco desprendidas no seu viver-habitualmente burguês. Outrora vaidosamente burguês. Talvez seja uma mulher, elegante e luminosa, por quem passo sem grande atenção, ensimesmado nos negócios do dia.
Talvez a Rua do Século seja a da hora crepuscular. Nocturna, pesada, avenida que traz a noite. Que me carrega os passos indecisos e trocados, pelas dúvidas do dia que se vertem na noite, ou pelo fino álcool que se atravessa. São pedras mais duras. Palácios de um poder antigo. Palácios renunciados, alguns desolados, de um poder agora frouxo. Pedras mais escuras. Muros reflexo dos candeeiros falsamente nostálgicos que intermitentemente iluminam. Servirá de grande consolo re-conhecer que depois de mim lá persistirão as mesmas inamovíveis nocturnas pedras?
Sobram sempre as cidades.
João Amaro Correia
Arquitecto

A Ilha

Published8 Jan 2010

Tags África ilha de moçambique moçambique


Uma linha recta. Um traço fino. Divide? Não. Une. O continente e a Ilha.
Azul turquesa líquido. Branco areia fina. Casa de macúti, casa de pedra e cal. A costa, a contra costa, o omnipresente Indico. O hospital, a praça, a casa da flor, o forte, as arcadas. O Arsenal gigantesco, um escudo na fachada.
Mussa Al Mbique. Camões. Xavier. Fatimah. Pedro. Oxi. Nazira. Gabriel. Rino. Felismino.

“Quero ser arquitecto, como o Alexandre que trabalha na UNESCO.” Disse o menino.
A porta aberta. O contra luz. Um retrato a preto e branco. A mão tapa o sorriso. A máscara de pó branco. Mussiro. O riso. A dança. Cheira a sal. Turista. O barco. As ilhas. Mais praia. Água morna. Missangas. Vidros. Corais. Moedas. Muito antigas. Mais risos.
“Não há cães na ilha. Abateram-se 52 cães vadios.” Passeia um gato.
Sol aberto. Céu celeste. Luz. Silêncio. Silêncio e luz. Calor. Quase lume. Proteger a pele. Branca. Negra. Quantos quartos tem este pátio? Um véu que desenha os olhos. Descalçar. Voz de chamada. Ouvi um sino. O por do sol. A madrugada. Ventania. Silêncio e ventania. Mesquita verde. Igreja branca.
Deus. Uma linha recta. Um traço fino. Divide? Não. Une.
Elisa Santos
Missionária/Técnica em actividades de desenvolvimento comunitário
P.S. A Ilha de Moçambique tem cerca de 3 km de comprimento, 300-400 m de largura e está orientada no sentido nordeste-sudoeste à entrada da Baía de Mossuril na província de Nampula. Foi a primeira capital de Moçambique e desde 1991 é Património da Humanidade. Decorrem obras de reabilitação que contam com o apoio da UNESCO e o Forte de S. Sebastião deverá acolher em breve uma universidade.

Gaborone

Published6 Jan 2010

Tags África botswana gaborone

População: 186,007 (censo de 2001)
Área: 19,6 Km²
A 1014 m de altitude, no centro da África Austral, vive uma cidade jardim que dá para o céu. Se cada cidade tem um sotaque, Gaborone tem os “erres” muito fortes: o próprio nome da cidade, dita Raborone, a palavra senhor, rra, passando esta forte pronúncia também para o inglês.

Elevada a capital um ano antes da independência (1965), devido à proximidade de água ali existente, disfruta de Pula – chuva, dinheiro, brindes – até à exaustão. A riqueza é-lhe dada pelos diamantes e pela criação de gado, a chuva só a trechos, e os brindes todos os fins-de-semana, de sexta a domingo, nos bares da cidade ou em festas oficiais e privadas.
Mas depois da festa vem o cansaço, que se pode ver no modo de andar lento e pacato dos seus habitantes, expostos a temperaturas extremas durante todo o ano, que oscilam entre os 5 e os 45 graus.
Cidade de terra vermelho ocre, com odor de deserto, pela distância que a avizinha do Kgalagadi, a sensação de infinito vai-a buscar ao céu, de um azul límpido, pontilhado de nuvens curiosas, e o contrabaixo contínuo ao verde que a acompanha e atravessa em todas as direcções.
A música é um elemento constante em toda a cidade, seja a que irrompe da loja chinesa de Broadhurst aos sábados – com um cantor, de microfone na mão, que serve de chamariz para os compradores distraídos – seja o African Pop, Afro Techno ou Kwasa-Kwaito (mistura entre o Kwasa Kwasa congolês e o Kwaito sul-africano) que ecoa pelo Main Mall a qualquer hora do dia, ou ainda a que se evapora das igrejas zionistas, a que se murmura nos pequenos bairros dos muitos zimbabweanos que sonham um dia poder regressar e nas festas da comunidade cubana. Também as combis (transporte semi-colectivo), num delirante vaivém, transpiram a música, depois da pausa feita para o pagamento dos 3 Pulas de tarifa.
O poeta contemporâneo Tiro Sebina foi quem melhor conseguiu captar a atmosfera da cidade no seu poema "Gaborone".
Sandra Pires
Leitora do Instituto Camões no Botswana

Joanesburgo

Published4 Jan 2010

Tags África áfrica do sul joanesburgo

                               
Like a net; Egoli collects the brightest stars of the dark constellation, coming to chip away at her gold and seeking her diamonds
Its beacon of light: the coke tower, now the vodacom tower with its prostitutes, and hustlers, Joburg proudly displays her disparities, even in the scenic Joubert Park with its whites only benches and likewise drinking fountains.
My mother told me stories of batoned police keeping the peace in the town centre. I remember riot police, enforcing the law, and keeping the pavements safe. Back then there were no street vendors from Ghana and Mozambique selling roots and herbs, or Chinese traders vending golden watches and sunglasses.
Like a magnet Jozi transfixes the country bumpkin, fresh off the train and teaches him to wield a knife, as he slips into the seat of his newly acquired German-crafted, four-wheeled status symbol. Oranges, pears, bananas, and avocados tumble to the ground as a father of four looses his pulse in the wake of Jakes and his crews´ scrambling feet-cuoshioned in the high stepping bright white All Star trainers; as red syrup seeps in to the concrete sidewalk.
Deeper and deeper below, the sound of the pneumatic drill comes to an abrupt halt as an army of sixteen blackened faces burrows further in search of a slight twinkle in the dark. Their black voices beat on the army of white ear drums above with their hands on their hips.
In the Newtown District, the new generation, the first generation, of black-diamonds* sips cocktails, and strokes silk-clad thighs, while signing million rand contracts in the full glory of the African sun. They... we, smile, and the African sky smiles back. After all we are the new precious article of this Southern Africa Capital. The new kings and queens driving capital and industry on the very streets where our grandparents drove wheel barrows. We spit instructions in English, Sotho, and Venda, while receiving concurrence in Afrikaans, Xhosa and the almighty Zulu.
On either end; Alexandra and the infamous Soweto townships buttress this powerhouse of African modernity. In these outskirts of Johannesburg the young and old continue the waiting game for fathers and mothers to return to these battlegrounds where dreams are dashed and schemes realised.
Jabulani Maseko
* A marketing term describing the group of young black (not including Indians or coloureds) South Africans who make up the middle class (well-educated, wealthy, salaried, in suitable employment, creditworthy, property and car owners, aspirant, with confidence in themselves and in the future).
Fotografia:
Jabulani Maseko
Afrovova

Dennis Brutus


Morreu Dennis Brutus, poeta sul-africano. Mais aqui
1.
Golden oaks and jacarandas
flowering:
exquisite images
to wrench my heart.
2.
Each day, each hour
is not painful,
exile is not amputation,
there is no bleeding wound
no torn flesh and severed nerves;
the secret is clamping down
holding the lid of awareness tight shut—
sealing in the acrid searing stench
that scalds the eyes,
swallows up the breath
and fixes the brain in a wail—
until some thoughtless questioner
pries the sealed lid loose;
I can exclude awareness of exile
until someone calls me one.
3.
The agony returns;
after a crisis, delirium,
surcease and aftermath;
my heart knows an exhausted calm,
catharsis brings forgetfulness
but
with recovery, resilience
the agony returns.
4.
At night
to put myself to sleep
I play alphabet games
but something reminds me of you
and I cry out
and am wakened.
5.
I have been bedded
in London and Paris
Amsterdam and Rotterdam,
in Munich and Frankfort
Warsaw and Rome—
and still my heart cries out for home!
6.
Exile
is the reproach
of beauty
in a foreign landscape,
vaguely familiar
because it echoes
remembered beauty.
(1975)
E um dos maiores poetas africanos, um herói.

Montevideu

Published29 Dec 2009

Tags américa do sul montevideu uruguai


Escrever 15/20 linhas sobre Montevideu. Montevideu é rambla. Sem dúvida que este passeio marítimo de 22km é aquilo que mais me atrai nesta cidade. Correr ou caminhar ao amanhecer pela rambla de Pocitos, semelhante a uma baía de um Rio de Janeiro, ou de uma Luanda, é, seguramente, dos melhores momentos do dia, aproveitando a luz e o cheiro do Rio de La Plata. Para recuperar forças – e porque não é dia de trabalho – um bom pequeno-almoço nas Medialunas Calentitas, impossíveis de se lhes resistir. Entre Pocitos e a Ciudad Vieja, uma saltada à Feira de Tristán Narvaja, caminhar por entre o verde dos legumes e o colorido das frutas, cães, aves e peixes de aquário, tudo isto é possível de se encontrar na feira mais gostosa e sui generis de Montevideu, e livros, muitos livros, velhos, amarelecidos e edições difíceis de encontrar. Hora de almoço – sempre tardio -, uma ida ao El Abrazo, uma livraria, loja de artesanato e de roupa, e uma sala de exposições, para além do divertido e colorido restaurante. É de perder – sem perder tempo – umas boas horas neste lugar tão acolhedor, entre livros, anéis, chás e boas conversas. Final de tarde, e como “Montevideu é rambla”, desfrutar do indescritível pôr-do-sol da praia Gonzalo Ramires. E, para terminar, nada melhor que ir, com amigos, a La Pulpería, em Punta Carretas, e picar uma tira de assado, um olho de bife, acompanhados pela maravilhosamente bem temperada salada de alface, tomate e cebola. ¿Y qué le parece?
Raquel Carinhas
Leitora de português

Luanda

Published27 Dec 2009


O sonho de Niemeyer e o Universo paralelo. Novembro de 1975, num relâmpago milhares de pessoas abandonam a cidade. Termina a colónia, recomeça a contagem. Luanda, capital de Angola, na costa ocidental de África é agora um espaço vazio e aguarda, ansiosa, pelos novos inquilinos. Novos habitantes, nova liberdade. Tal como “ocupas” hoje dentro de edifícios marcados por momentos, recordações, odores de outrora, Luanda antecipa o conceito e recebe de portas abertas os novos ocupantes. A desenfreada ocupação origina mistura social. Luanda transforma-se numa cidade singular, onde o mais pobre e o multimilionário coabitam nos mesmos edifícios e partilham os mesmos degraus, como havia sonhado Óscar Niemeyer quando projectou o emblemático Copan. O paralelo entre o Copan e Luanda pós-Independência continua actual. Tal como o sonho falhado de Niemeyer, do lado oposto do Atlântico, o crescimento explosivo da população na cidade de Luanda causa vertigens. Sobrelotação das casas, tráfego estancado, cinemas transformados em igrejas e elevadores em novas residencias. Inicia-se um longo mergulho ao caos. Entre a guerra civil e a nova ordem mundial, o funge de Sábado e as multinacionais, a cidade resiste. Morre o sonho comunista e crescem as novas torres. O capitalismo é selvagem e desta vez não resta espaço para utopias, “time is money”. Abandonamos a cidade de asfalto e entramos nos intermináveis musseques (guethos). A paisagem aqui é mais cinzenta, mas de cinzenta, só a paisagem. Albergue de políticos, ex-militares, refugiados de guerra, católicos, muçulmanos, mucubais, travestis e celebridades, os musseques reinventam-se a cada instante. É indiferente se vivemos no comunismo ou capitalismo, mono ou stereo partidarismo. O poder aqui é autónomo a qualquer instituição, ou de qualquer crença religiosa. Está distribuído pelas ruas e bairros, encerrado nas suas fronteiras. A economia é caseira, baseada no retalho do retalho. A cultura é híbrida, intensa e extremamente experimental. O Hi-Tech casa-se com o animismo, os ritmos e danças tomam de assalto a cidade de asfalto. Os candogueiros (táxis informais) como se fossem o youtube, disseminam a música e a atitude oriunda dos musseques por cidades e aldeias, de todo o território nacional. O musseque por fim criou uma identidade nacional.
Qualquer tentativa de conceber teorias sobre estes fenómenos, torna-se inútil e obsoleta no momento em que é criada. Este universo é definitivamente paralelo. Impossível não participar. Não há figuras solitárias nem turistas nesta estória, ninguém passa indiferente. A vida é uma constante diligência. Cidades como estas estão por todo lado, são planetárias na sua essência, os continentes tornam-se pequenos para elas. Transbordam fronteiras continentais e também as da ficção. A sua mutação veloz e o susceptível sistema imunitário, tornam-na incapaz de qualquer tipo de prevenção ao agente desconhecido. Tudo se torna parte dela.
Kiluanji Kia Henda
Material, fotografia, díptico, impressão sobre alumínio, 100cm x 150cm (cada), 2007
Cortesia do artista

São Paulo

Published25 Dec 2009


São Paulo de Piratininga. Aspirante ainda a tornar-se vila, localidade singela e encarapitada no cume de um planalto quase inacessível a quem vinha do mar. Nasceu assim, por pouco anônima, em 1554, nossa megalópole paulistana do século XXI. E já em sua concepção trazia dois traços que sempre lhe marcaram. Primeiro, o da confluência. São Paulo repousa em um encontro de tantos "peabirus" - caminhos indígenas, seguidos argutamente pelos recém-chegados a estas terras, em busca de ouro, prata, esmeraldas e, claro, dos próprios indígenas.
Confluência com sobrenome, acima de tudo o da diversidade. Diversidade de ideias, diversidade de origens, diversidade de aspirações. Contrastes, para alguns. Sonhos, para outros. Assim foi se formando o que é hoje a cidade mais brasileira que existe e mais internacional do Brasil. Aqui, no início do século passado, mais da metade da população era estrangeira. Mais da metade desta, italiana. Já ouviram um paulistano falando? Bingo, atente-se à sonoridade do sotaque, cheio de altos e baixos e recheado com vogais abertas. E aos italianos, europeus em geral, asiáticos, africanos e árabes, somou-se uma constelação de migrantes. Hoje, mais de metade da população (muuuito mais da metade) da cidade não é paulistana. Ao menos não por nascimento, mas certamente por adoção.
Mas, além de confluente, convergente, diversa e outras variações sobre o tema, São Paulo é, foi e - tudo leva a crer - será também profundamente desbravadora. Não raro, aliás, por completa e absoluta necessidade. Da vila pobre de Piratininga saíram desbravadores que em parte garantiram ao Brasil as dimensões que tem hoje (e a Portugal a posse da terra, pela cláusula de utis possidetis). Muitos saíram em busca de oportunidades, tantos chegaram munidos da mesma esperança, ao longo do fio dos séculos. Foi assim que São Paulo se tornou a maior cidade japonesa fora do Japão, libanesa fora do Líbano e daí pra frente, nesta pequena Nações Unidas de 11 milhões de habitantes (quase 20 milhões, somando a população circunvizinha). Foi desses encontros, catapultados pela pujança do café, completada com a da industrialização e finalizada com a dos serviços qualificados, que São Paulo ocupa hoje posição de prestígio na seleta lista de polos financeiros, culturais e inovadores do mundo. Construída a cada passo, reconstruída a várias mãos. E, confesso rendida, terra do meu e de outros 11 milhões de corações.
Ana Carla Fonseca
Consultora Cultural

Nouakchott, capital da Mauritânia

Published23 Dec 2009


Superfície: 1000 km2,
População: 881.000 habitantes no último recenseamento de 1999.
A cada regresso, conheço Nouakchott pelos olhos do meu petit frère Hamidou , o que quer ver a Europa um dia, a todo custo. É ele que me conduz sabiamente dentro desta cidade de vento e areia, miséria e Islão, verdadeiro não-lugar onde o tempo parece parar, onde todos andam, incansáveis, por ruas poeirentas que não levam a nenhum centro, a nenhum coração da cidade, simplesmente porque Nouakchott ganha existência apenas pela acumulação das suas casas, das suas barracas, das suas boutiques abertas vinte e quatro horas por dia sem que a organização do espaço siga a mínima lógica de organização à volta de um centro, de uma ideia de baixa da cidade.
Nouakchott fica à beira mar, entre o Saara e o Atlântico. Porém, se não fosse pelo cheiro a maresia que apenas às vezes chega com o vento e a areia, ninguém daria por isso. A cidade é uma espiral, umbigo estéril, fechada sobre si própria. Vila de pescadores até 1958, quando foi inventada capital de um país igualmente inventado, na altura contava pouco mais de 20.000 habitantes, hoje quase 900.000, pouco menos da metade da população total do país.
Encenação de todas as tensões da fragilíssima nação mauritana, Nouakchott existe e se revela sobretudo nos seus mercados, palco onde todos falam as línguas dos “outros outros” conforme o vendedor e a mercadoria e onde homens em roupas brancas ou azuis bordadas em ouro espreitam o corpo das mulheres pular ou soninké que se balançam calçando sapatos dois tamanhos mais pequenos em amplos boubous em wax colorido ou através das melewas das obesas mulheres mouresques, espécies de saris de gaze trabalhada em batik.
Mesmo assim não há cores em Nouakchott. As muitas almas da Mauritânia , país charneira entre duas ideias de África, aqui vivem apenas lado a lado, sem nunca se misturar. A única pertença possível continua a ser a família e a aldeia/comunidade de origem e nos bairros pobres da capital continua a reproduzir-se uma vida regida por regras ditadas por uma sabedoria rural, única ancora perante a renovada miséria, pouco disposta a negociar outras possíveis maneiras de estar.
Livia Apa
Investigadora

Argel

Published21 Dec 2009


População : 1,5 milhões de habitantes
Área: 270 Km2
Cidade africana, mediterrânica e litoral. Cidade berbere, otomana e árabe. Cidade islâmica. Cidade Kasbah. Cidade colonial. Cidade-máquina da utopia modernista europeia. Cidade metrópole. Cidade bilingue. Argel “a branca”, cidade capital.
Fim-de-tarde, crepúsculo. Bab-el-Oued, centro da cidade. Ao fundo, a baía desenha uma ampla praça sobre o mediterrâneo. Dezenas de navios de carga aguardam, dispersos e imóveis. O trânsito automóvel circula lento e compacto num caos negociado a cada movimento. A noite, tal como o dia, manter-se-á vigiada sob o olhar dos inúmeros postos de controlo policial, espalhados pela cidade. Um cântico de voz masculina ecoa nas colinas. A quarta e penúltima oração do dia será celebrada no “seu tempo exacto”. Nos grandes Boulevards, as esplanadas contemplam a gente que circula. Muita gente. Gente jovem. Sobre os passeios as árvores alinhadas foram podadas durante décadas para que as suas copas se unissem numa massa verde e contínua que atravessa a cidade. Pontualmente, as Tamareiras interrompem este movimento e desafiam a regra, trazendo a sombra do deserto. Os edifícios são obsessivamente brancos e as suas fachadas narram uma outra História - a de uma cidade colonial que se implantou em torno da Kasbah, como uma dupla muralha. Instala-se, em todos os lugares, uma ambiguidade sedutora: Argel? África? Paris? Mediterrâneo? Islão?
Rosário Salema
Arquitecta Paisagista
[Fotografia cortesia da Parque Expo]

Medellín

Published18 Dec 2009


Ciudad de Medellín, segunda aglomeración urbana de Colombia, posee una población de un poco más de dos millones de habitantes. Conocida actualmente por su arquitectura moderna, Medellín destaca por la eficiencia de sus servicios públicos, en donde su sistema de transporte (Metroplus) integra a los diferentes, antes irreconciliables, sectores de la ciudad.
La construcción de bibliotecas y centros educativos, la renovación de los parques públicos, la creación de espacios para la exhibición artística, las ferias editoriales, los festivales de poesía y teatro, junto a los programas socioculturales entorno a la violencia, entre otros, proliferan y convocan al ciudadano que accede a éstos sin exclusión.
La reciente apertura de la nueva sede del MAMM (Museo de Arte Moderno de Medellín) ubicado en la zona norte de la ciudad, área urbana anteriormente azotada por la violencia, es una acción que merece especial atención.
Este espacio inaugurado en de noviembre de este año, como parte de un plan de desarrollo comunitario e inmobiliario de la ciudad, se instala en un espacio cuyo apogeo en la década de los 40, se debió a la industria siderúrgica. Talleres Robledo, edificio de la sede del museo, preserva su estructura arquitectónica en su exterior, e incluye contemporaneidad en su interior, adecuada para las nuevas expresiones artísticas.
Liderado por una gestión llena de dinamismo, con énfasis en los sectores desplazados, MAMM entrega la posibilidad para observar sus propuestas, analizar sus proyectos, pero sobre todo nos provee de un espacio para participar de este proceso en que se vislumbra un próximo futuro.
Entre estelas y pulsiones.
Hay ciudades que son invisibles, cuando buscamos información sobre ellas en el campo de la geografía, las ciencias sociales u otro saber, nos encontramos con que hemos olvidado su nombre, cuando finalmente recordamos y evocamos su nombre, no encontramos las asociaciones a través de nuestros sentidos, que nos permita inscribirlo en nuestra memoria.
¿Cómo nominar entonces a aquellas ciudades/espacios, cuya visibilidad nos satura los sentidos, aquellas ciudades que tan solo por nominarlas, ingresamos en una dinámica fragmentada de asociaciones imprecisas, insistentes, aquellas ciudades cuyo cuerpo de historia se ha tornado imposible en una narración, cuyo ambiguo límite entre realidad y ficción es permanentemente interrumpido por la fatalidad, en donde ausencia y perdida son los dos elementos que la constituyen?
¿Cómo anunciar hoy, en que nuestra memoria esta plasmada de estelas de ausencias, que sí se gestan ciudades/espacios en Latinoamérica, desde, en y con estados de dolor, en donde la palabra imposibilidad se desvanece, y el deseo de conciliación y búsqueda de nuevas significaciones, son las dinámicas que permiten encontrar un nuevo modo de convivencia social?

La información recibida principalmente a través de los medios de comunicación durante las décadas de los ochenta y noventa, en relación a los acontecimientos de violencia acontecidos en Medellín, Colombia, en donde: guerrilla, narcotráfico y luchas sociales constituían un solo tejido, nos aportaron los datos suficientes para que asociemos Medellín, Colombia, con aquellos periodos de mayor oscuridad en nuestra historia latinoamericana.
Es esa misma ciudad la que hoy se encuentra en un proceso de transición, integrando nuevas dinámicas conducentes a formar conciencia del rol de co-autor de los habitantes de la zona, en un proceso de construcción de sociedad.
Los habitantes de Medellín se encuentran en una profunda redefinición personal, en un proceso iniciado hace menos de una década, en el cual, nuevas formas de vida, comprensión y búsqueda, son su nuevo tejido constitutivo.
En este proceso de redefinición identitaria, existen tanto espacios, como acciones, que actúan a modo de corpus, destacan entre ellos: la redefinición urbana y los nuevos planes de educación y cultura. Los elementos en los cuales se sustenta este proceso de transformación, deja atrás un pasado que ya inscrito en la memoria*, y no del todo ausente, es fermento para las nuevas propuestas, las cuales despojadas del campo de la lógica, conforman la pulsión creadora que surge entre los límites difusos: vida/muerte.
El desafío es representar este tiempo, el presente, desde distintos lugares, a partir de memorias diferentes (contradictorias muchas veces) y en rumbos muy diversos (divergentes incluso) e implementar ciudades / espacios para la postulación de los posibles, en donde nominar y anunciar se concilien.
Beatriz Bustos Oyanedel
*Memoria, vientre del alma, San Agustín, Obras de San Agustín, X, 8-38 Madrid: BAC 1946
Fotografia:
Talleres creativos MAMM (Museo de Arte Moderno de Medellin)
Contando historias animadas en el museo
Derechos reservados MAMM
http://www.elmamm.org/
http://www.medellin.gov.co/
http://www.alcaldia.medellin.gov.co/
http://www.medellin.edu.co/
http://www.reddebibliotecas.org.co/
http://www.culturamedellin.gov.co/

Can African countries achieve the Millennium Development Goals without foreign aid?

Published17 Dec 2009

A UN representative has said relying on foreign aid to achieve the Millennium Development Goals did a disservice to Africa, and has called on African governments to find alternative funding sources and clean up their act. Mais aqui.

The Latinobarómetro poll

Published16 Dec 2009


A slow maturing of democracy
In The Economist, 10 de Dezembro 2009
More Latin Americans now trust the government than the army

Despite the recession which rippled across the region over the past year, Latin Americans are more supportive of— and satisfied with—their democracies and their governments. More of them favour the market economy, and most take a dim view of Hugo Chávez, Venezuela’s radical leftist president. Those are among the findings of the latest Latinobarómetro poll taken in 18 countries across the region and published exclusively by The Economist. Because the poll has been taken regularly since 1995, it tracks changes in attitudes across the region.This year’s poll was taken in late September and October, when many countries in the region were starting to pull out of the downturn. Latin Americans felt the recession, but in most places only moderately. Respondents describing the economic situation as “bad” or “very bad” increased from 35% last year to 40% this year, while those calling it “good” or “very good” fell to 43% from 47%. Unemployment edged ahead of crime as respondents’ main concern, as it was in all the previous polls except last year’s (though in seven countries crime remains the number one worry).
Yet this did little to diminish Latin Americans’ increasingly sunny mood. Support for democracy is at its highest level since the late 1990s, up 11 points from its trough in 2001. A clear majority across the region are now committed democrats (see table 1 and chart 2). Elections that ushered new presidents into office brought the customary boost in support for democracy in El Salvador and Panama.

In Honduras so, seemingly, did the coup in June against Manuel Zelaya, the elected president. Among respondents in that country, 58% disapproved of the coup; in the region as a whole, only 24% of respondents approved of it. (But 61% of those polled in Brazil, 58% in Mexico and 42% in the region agreed that the army should remove a president if he violates the constitution, as the coup leaders in Honduras claimed of Mr Zelaya.) Meanwhile, there were big falls in support for democracy in Colombia and Ecuador.

Even more strikingly, satisfaction with the working of democracy has increased sharply, to its highest level since the polls began (chart 3). Trust in democracy’s basic institutions is also growing steadily, albeit from low levels (chart 4). Those saying that democracy cannot exist without political parties have increased steadily, to 60% from 49% in 2001, when amid economic collapse protesting Argentinians shouted at their politicians, “Que se vayan todos” (“kick them all out”). For the first time since Latinobarómetro began polling, more respondents now approve of their governments than trust the armed forces—a milestone in a region with a long history of military interventions in politics.
All of this is in marked contrast to the last recession in the region in 2001-02, which undermined Latin Americans’ faith in democracy. One difference this time is that many do not seem to blame their governments for the downturn. Another is the sense of greater well-being generated by five years of faster economic growth until 2008 and, in many countries, more effective social policies and some income redistribution. The fact that democracy has brought political change, allowing the left to come to power in many countries for example, also has an impact.

All this seems to point to a slow maturing of democracy in Latin America. “There’s an important increase in the legitimacy of governments, which is good for democracy,” says Marta Lagos, Latinobarómetro’s director, though she cautions that it is also providing fuel for the spreading habit of presidents seeking re-election.
Greater faith in democracy has gone hand-in-hand with more support for the market economy—despite the financial crisis (chart 5). But there is disenchantment with markets in Colombia, even though the country all but escaped recession. That may be because of the collapse of several big pyramid-savings schemes, or because unemployment has risen sharply. One in three of those polled across the region now say that privatisations were beneficial for their country, up from 22% in 2003.

There are hints, too, of greater social liberalism. Those who say they would not like to have homosexuals as neighbours have fallen from 59% in 1998 to 29% this year. On the other hand, 36% say that women should stay at home, rather than go out to work, the same number as in 1997. A similar proportion say that men make better political leaders than women.
The upbeat mood is particularly striking in Brazil and Chile, where two-thirds of respondents said their country was progressing (Panamanians and Uruguayans were not far behind). Even the notoriously curmudgeonly Peruvians have warmed a bit to democracy. But Mexicans are gloomier, unsurprisingly given that the economy shrank by 10.1% in the year to June. So in some ways are Argentinians: not only do only 25% approve of their government, only 4% of those polled thought the distribution of income was fair and only 13% think any progress has been made over the past two years in reducing corruption (compared with a regional average of 39%).
The poll offers a warning to Mr Chávez. Though 45% of Venezuelan respondents still support his government, that is down from 65% in 2006. And although he has nationalised many businesses, 81% of them say that private enterprise is indispensable for economic development, a big increase on previous years. Support for the market economy among Venezuelan respondents has also surged.

The poll also suggests that Mr Chávez’s image in the region is much less favourable than that of many other leaders, and especially than that of Barack Obama (chart 6). The advent of Mr Obama has boosted his country’s standing in the region: 74% of respondents had a favourable opinion of the United States, up from 58% last year and the highest figure since the polls began. Nevertheless, more respondents now see Brazil as the most influential country in the region, ahead of the United States and Venezuela. But the influence of the United States is ranked higher than Brazil’s in the northern part of the region.
Latinobarómetro is a non-profit organisation based in Santiago, Chile, which has carried out regular surveys of opinions, attitudes and values in Latin America since 1995. Further details at www.latinobarometro.org

Rio de Janeiro

Published16 Dec 2009


“Rio 40 graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos”, canta Fernanda Abreu, a musa carioca branca e sofisticada mas com a ginga de mulata que requer a uma perfeita carioca. Rio é uma cidade naturalmente anti-gueto, pois a favela cruza zonas ricas e chega às ruas com a mesma disposição com que galga os lindos morros da cidade. A cidade serpenteia entre o mar e a montanha, esquiva-se de estar partida socialmente, quando pobres e ricos na praia, desnudos, têm o mesmo valor. O Rio além de belezas naturais é feito de gente que cruza as geografias a eliminar as diferenças sociais que possam existir. O Rio é Ernesto Neto, o mais notório artista brasileiro no exterior, com seu atelier plantado em meio ao caos da baixa da cidade; é Adriana Varejão e Beatriz Mihazes no elegante Jardim Botânico; é Cildo Meireles no tradicional Botafogo, bairro preferido dos lusitanos; é Tunga e Adriana Calcanhotto em meio à “selva” da Floresta da Tijuca; é Paulinho da viola, o elegante príncipe do samba, na deselegante Barra da Tijuca. Eis o espírito do Rio: a implosão dos clichés.
O Rio é erudita e popular em sua natureza cosmopolita e cool. Do Leblon a Lapa, da Tijuca ao Centro, tudo é possível. Ruas apinhadas de gente, sons atravessam o eixo da cidade zona norte – zona sul interligada pelo Centro, umbigo do mundo. Lá a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, o CCBB, o Centro de Artes Helio Oiticica, ao lado do maravilhoso Gabinete Real Português, são orgulhos da cidade. Os bailes “charm” do Clube Bola Preta disputam frequentadores da Cinelândia que vão aos concertos no Theatro Muncipal. Rio é a cidade onde Vila-Lobos, patrono da música moderna brasileira, misturou Bach e o choro. Nada mais carioca que a implosão da alta e da baixa cultura. Rio é a glória do “chope” e do bolinho de bacalhau – uma das melhores heranças portuguesas que os brasileiros melhoraram, pois come-se um pastel no Bracarense e não se sente nenhuma saudade dos daqui. O bate papo de fim do dia nos botequins, a algazarra dos transportes públicos que transforma o centro do Rio num misto de Nápoles e uma cidade africana, voluntária desordem e alegria dos ambulantes.
Os cariocas são orgulhosos do seu sotaque (usam o xis para todos os esses das palavras, muito próximo ao lisboeta), da sua aparência descontraída, de ser nada pontual e nem se dar por isso. Quem melhor expressou o way of life do carioca foi a gaúcha Calcanhotto, uma “carioca da gema” como todos que vem de fora: “Cariocas são bonitos / Cariocas são bacanas / Cariocas são sacanas / Cariocas são dourados / Cariocas são modernos / Cariocas são espertos / Cariocas são diretos / Cariocas não gostam de dias nublados / Cariocas nascem bambas / Cariocas nascem craques / Cariocas têm sotaque / Cariocas são alegres / Cariocas são atentos / Cariocas são tão sexys / Cariocas são tão claros”. O que se mais pode dizer? Nada, seja carioca, é um estado de espírito e não de geografia!
Paulo Reis
PS: este texto foi-me pedido pelo mais carioca dos portugueses, António Pinto Ribeiro, e é justamente a ele dedicado juntamente com a “brasileira” São Caleiro, dois intelectuais que admiro.
Paulo Reis nasceu na Baía, transferiu-se para o Rio de Janeiro aos 8 anos de idade. É “carioca da gema” e vive em Lisboa, a carioca cidade portuguesa, por adopção afectiva.

O microcrédito e a paz

Published14 Dec 2009

"O microcrédito e a paz", num texto de Mario Monzoni para o site Página 22. Aqui.

Eleições no Chile

Published14 Dec 2009

Notícias mais recentes sobre as eleições legislativas e a primeira volta nas eleições presidenciais no Chile, nos jornais La NaciónFolha de S. Paulo e no New York Times.

Maputo

Published14 Dec 2009


Boletim de Identificação
* Sinais particulares
Sensual, avenidas largas dispostas em perpendiculares e paralelas.
Uso frequente de capolana colorida e criança nas costas.
Seios fartos, pele macia, cheiro intenso a frangipani, que por vezes alterna com aroma de coco ou caril.
Mangas pendentes de ramos em forma de braços roliços, passeios pontilhados de verdura e andar ritmado por chamado de muezin em mistura com timbila e rádio de automóvel.
* Cor dos olhos
Vermelho escancarado de acácia
* Cor da pele
Mista (base de negro com importações de grego, chinês, indiano, paquistanês, suiço, português...)
* Altura
Ao nível do mar na Costa do Sol, ao nível da lua no Alto Maé
*Medidas
347,69 Km2 desenhados por uma linha de cintura que toca Marracuene, Matola, Boane, Matutiene e a Baía
*Peso
1.100.000 habitantes (http://www.ine.gov.mz/censo2007/rdcenso09/mc11/indicador/)
* Sexo
a maioria dos dias Feminino
* Nome
Maputo (Lourenço Marques é nome antigo de família)
Elisa Santos
Missionária/Técnica em actividades de desenvolvimento comunitário
[Fotografia de Renato Braz]

Cidades do Próximo Futuro

Published14 Dec 2009

A partir de hoje, e durante os próximos dois meses, vamos publicar breves textos sobre cidades de África, da América do Sul e Caraíbas.

Fim dos 00

Published10 Dec 2009


Balanço de fim de década pelo Guardian: Artes visuais, música clássica, teatrodança  ou arquitectura.

Nova imigração sul-sul

Published23 Nov 2009

Imigrantes africanos procuram terra prometida na América Latina, hoje no P2 do Público.

Inclassificáveis

Published20 Nov 2009

que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?
que preto branco índio o quê?
branco índio preto o quê?
índio preto branco o quê?
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes
orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs
somos o que somos
inclassificáveis
não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não há sol a sós
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros.
somos o que somos
inclassificáveis
que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?
não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,
não há sol a sós
egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol
ANTUNES, Arnaldo. "Inclassificáveis" ( Letra de canção. In CD "O silêncio")

Mobilidades entre Continentes

Published18 Nov 2009

Os artistas, os trabalhadores da cultura - outrora talvez designados ora como pensadores, ora como artífices das artes – e os comerciantes são as profissões que tradicionalmente estão associadas à deslocação transfronteiriça, ao nomadismo sazonal. A estes grupos profissionais se deve a construção civilizacional assente nas influências culturais, na diversidade, nas trocas, no enriquecimento de muitas cidades, europeias, neste caso particular.
Actualmente, e no contexto das migrações, dos fluxos de pessoas e de bens, debate-se em fóruns de profissionais, em instâncias políticas e em organizações governamentais, legislativas e executivas, entre as quais a Comissão Europeia, a mobilidade dos artistas e dos trabalhadores da cultura. Debate-se porque para além de ser uma necessidade, ela é um facto incontornável. A discussão deve servir sobretudo para incentivar a mobilidade e criar mecanismos que a facilitem. Apesar de ser necessária para contribuir para o conhecimento, para a inovação, para a comunicação entre comunidades, para o crescimento de mercados a questão não é nada pacífica. E contudo, e antes de mais a mobilidade, o direito de todo e qualquer cidadão se deslocar para qualquer país deveria ser considerado um direito universal de cidadania universal. A União Europeia debate-se com a contradição de, por um lado, incentivar a mobilidade com consequências até exemplares como é o caso do Programa Erasmus, e, por outro lado construir uma autêntica muralha relativamente à imigração.
Os problemas em discussão nestes debates decorrem do maior ou menor incentivo dos governos nacionais à mobilidade, dos mecanismos que têm ou não para a viabilizar, as questões relacionadas com a acessibilidade à segurança social, as possíveis duplas taxações, os direitos de propriedade intelectual, etc. A estes problemas internos aos Estados Membros da EU acrescentam-se os complexos temas da concessão de vistos e do reconhecimento do estatuto dos artistas quando se trata da mobilidade com os países terceiros.
Estas contradições emergem nos debates sobre a mobilidade dos trabalhadores culturais e dos artistas, nomeadamente quando alguns países da EU pretendem restringir os mecanismos de incentivo à mobilidade e financiamentos próprios aos estados membros. Um outro grupo de Países do qual Portugal faz parte, defende a mobilidade e os seus incentivos quer no interior da EU, quer entre os países da EU e os designados países terceiros (todos os que não fazem parte da UE). Razões substantivas para esta posição política são o direito a que artistas e trabalhadores culturais dos países terceiros possam aprender, estudar, apresentar as suas propostas culturais e artísticas aos cidadãos europeus e às suas organizações e com isso aumentar o mundo e o imaginário de todos. É evidente que a reciprocidade de tratamento está implícita na defesa desta posição política. Razões outras decorrem da existência de relações de cumplicidade artística e afectiva entre comunidades de países e necessariamente da importância – nomeadamente económica- que podem adquirir algumas cidades que servem de plataforma de encontro entre a Europa e Países terceiros. É um debate importante que vai ocupar os próximos anos porque nele está implicada a sobrevivência artística e a inovação e a fruição cultural no Próximo Futuro.

No one knows about Persian Cats, Bahman Ghobadi, Alemanha, Irão, 2009

A crise atinge o microcrédito?

Published18 Nov 2009


A continuidade do mundo está em nossas mãos. Depende da minha, da sua, da nossa consciência e responsabilidade com o amanhã. O próximo futuro solicita um comprometimento humano de evolução ecossocioeconómica [usando o termo de Ignacy Sachs] solidário e equitativo em que cidadãos e o Poder Local têm além do compromisso de desenvolvimento sustentável o envolvimento da gestão participativa.
Para responder sobre a crise o meu pensamento vai para as questões do desenvolvimento local sustentável, ou seja a cidade onde moro, vivo e trabalho. No momento actual, a crise alastra-se como uma epidemia e atinge principalmente os países desenvolvidos. Por ironia, esta mesma epidemia encontra alguns anticorpos nos países que sempre viveram em crise, ou que conhecem diversos tipos de crise, como exemplo: crise inflacionária, crise da fome, crise da seca, crise da violência, crise da saúde, crise do terceiro mundo, crise das crises!
No primeiro Workshop de Investigação – Próximo Futuro, Respostas à Crise – o Professor António Pinto Ribeiro fez a seguinte pergunta: a crise atinge o microcrédito? Ora bem, o microcrédito é especificamente uma ferramenta de desenvolvimento socioeconómico local. Naquele momento, pensei se deveria ou não responder porque só conheço o ambiente de microcrédito no Nordeste brasileiro. Porém, diante da actual crise sócio-económica-financeira o microcrédito não foi atingido na mesma proporção que o sistema de crédito formal e posso dizer o porquê, com base na minha experiência de trabalho e investigação recente. Quero antes recordar que o microcrédito serve para atender aos que pouco têm ou nada têm para empreender um trabalho autónomo que quando muito, emprega um ou outro familiar na abertura ou manutenção do negócio.
Contraditoriamente, o microcrédito se expandiu no sentido de colaborar para diminuir as estatísticas referente a crise socioeconómica que, neste caso, há muito está presente nos países em desenvolvimento da América Latina. A maioria das instituições que trabalham com crédito produtivo popular , no Brasil, são Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), bancos do povo, cooperativas de crédito e outros instituições do Terceiro Sector, além dos bancos tradicionais. Contudo, a metodologia de acesso ao crédito usada principalmente pelas OSCIP´s (Terceiro Sector), tende a agir de maneira rápida e sem burocracia para proprietários ou empreendedores de pequenos negócios formais e informais que necessitem de recursos financeiros para promover o crescimento de seu microempreendimento.
A chave do sucesso usadas pelas organizações do Terceiro Sector e também por alguns bancos é a metodologia da concessão de crédito orientada e formação de grupos solidários. Neste caso, o agente de crédito relaciona-se directamente com o microempreendedor no local da sua actividade produtiva. O atendimento é personalizado e feito por pessoas treinadas para orientar o tomador sobre a gestão do negócio, as suas necessidades de crédito, a definição do valor do empréstimo necessário para o desenvolvimento sustentável do negócio e as condições do crédito após a avaliação da actividade e da capacidade de endividamento do empreendedor. Esta metodologia contribui para a autonomia do solicitador do crédito, para que seu negócio seja duradouro e ao mesmo tempo a instituição financeira tenha menor índice de inadimplência. A formação do grupo solidário funciona como uma rede de sociabilidade em que as pessoas comprometem-se uma com a outra pela responsabilidade do crédito adquirido.
O menor índice de inadimplência favorece o sistema de crédito rotativo, desse modo o crédito concedido retorna para a instituição financeira pela eficiência e eficaz manutenção das contas exercida pelo agente de crédito. Portanto é possível dizer que a crise não atingiu as organizações de microcrédito que actuam em sistema de rede de sociabilidade, seja ela através de programas financeiros nacionais, programas de responsabilidade social ligados ao sector privado e financiamento internacional, incluindo seu modo profissional de gestão financeira. No entanto, a crise atingiu em parte as organizações de microcrédito que vivem unicamente de recursos internacionais de financiamento.
Acredito que parte do sucesso das organizações do Terceiro Sector no Brasil decorre em função da sua profissionalização e dos seus projectos de auto-sustentabilidade em que o lucro obtido é reinvestido para sua maior autonomia e competitividade sem esquecer a sua função social, mas não filantrópica. Este comportamento muito se deve a algumas Instituições de Ensino Superior que têm em seus cursos de licenciatura na área de Ciências Sociais a inclusão de disciplinas que atendem as necessidades do Terceiro Sector, bem como inúmeros curso de pós-graduação, mestrado e doutoramento na área do Terceiro Sector e da gestão social.
Bernardette Bittencourt*
1. Sachs, Ignacy (2007) Rumo à Ecossocioeconomia – Teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo, Ed. Cortez.
2. Bittencourt, Bernadete (2008) http://www.ces.uc.pt/e-cadernos/pages/pt/numeros/02--2008-ndash-novos-mapas-para-as-ciencias-sociais-e-humanas-artigos-pre-coloquio/bernardete-bittencourt-dinamicas-sociais-contemporaneas-redes-capital-social-e-desenvolvimento-sustentavel.php?lang=PT
3. Expressão mais adequada para o microcrédito na opinião de Paul Singer.
4. Ver como exemplo o CEAPE/PI - http://www.ceapepi.org.br/ - observar que na sua página existe a publicação do seu desempenho e fontes de financiamento, BID, OIKOCredit, CEF, SEBRAE, BNDES.
5.Ver Merege, Luiz Carlos (2009) “O impacto da crise no terceiro setor”- http://integracao.fgvsp.br/ano11/10/editorial.htm
6. Algumas referências: Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Sector, USP, São Paulo - http://www.ceats.org.br/ - CETS – Centro de Estudos do Terceiro Setor, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo - http://eaesp.fgvsp.br/ - CIAGS - Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social, Escola de Administração da UFBA, Bahia - www.gestaosocial.org.br - NIPETS - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos sobre o Terceiro Setor, Escola de Administração da UFRGS – Rio Grande do Sul - http://www.ea.ufrgs.br/
* Bernadete Bittencourt, Administradora formada pela EAUFBA, Brasil; doutoranda em Sociologia Económica e das Organizações ISEG/UTL, membro e investigadora do SOCIUS/ISEG/UTL – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações.

Sem título

Published16 Nov 2009

Ainda os Encontros de Fotografia de Bamako; o ponto de vista de um jornalista de Bamako, aqui

O próximo futuro e a crise. Há crise?

Published14 Nov 2009


O próximo futuro e a crise. Há crise?
Durante dois dias aconteceu algo muito raro, ou quase inédito: centros de investigação de diversas áreas discutiram, conjuntamente, a crise no âmbito de um futuro próximo. Ou de um presente, às vezes desconhecido. A ideia de promover um workshop, e não um colóquio, é muito interessante porque só assim, a ouvir e trocar ideias uns com os outros, é que se pode produzir teoria. Da literatura à economia, da gestão à antropologia, à sociologia, às ciências políticas, às ciências da comunicação… cada um, na sua especificidade, reflectiu sobre a crise e todos chegaram quase a uma mesma conclusão: ela existe. Estamos, de facto, em crise. (talvez uma crise crónica): da moral, dos saberes, da tecnologia, ou dos seus usos, da economia e da saúde do mundo em geral. Como foi referido algumas vezes, o conceito de crise aparece na medicina para designar um momento crucial da doença, e do doente. Aquele ponto de não retorno: ou cura ou morte. E se queremos um futuro, próximo ou distante, é necessário pensar rapidamente na cura possível. Mesmo que esta cura passe por tomarmos consciência de que há que se rever conceitos, modelos, vivências. Há que se reconhecer, uma vez mais, a falência do projecto da modernidade e há que se buscar algo que o substitua. Volta-se a falar de civilização, já que de cultura se fala há demasiado tempo e parece que a própria palavra, de tanto ser repetida, deixou de fazer sentido. Para quase todos é disto que se trata: recuperar o sentido. Um sentido. Os sentidos. Voltar a encher os conceitos de objectos, sair do estado encantatório das teorias perfeitas, as quais tentam ajustar o mundo, e olhar, efectivamente, para o mundo. Como o grande cientista do século XIX, Louis Agassiz, tentou mostrar a um estudante que deveria fazer um trabalho sobre o peixe-lua. O estudante trouxe, no primeiro dia, um grande tratado enciclopédico e bem fundamentado sobre o peixe. Agassiz devolve o trabalho e diz que ele deve olhar para o peixe antes de olhar para o que se disse sobre ele. Depois de muitas tentativas e com o peixe já apodrecido, o aluno percebeu o que deveria fazer. E pôde escrever sobre o peixe-lua, que ele agora, finalmente, conhecia.
Entre apocalípticos e integrados, houve, nestes dois dias, um desejo genuíno de olhar para as coisas, de voltar vezes sem conta a debruçar-se sobre elas e tentar compreendê-las. Deixar que as coisas falassem. Ouvi-las. E ouvir os outros, que têm discursos dissonantes, divergentes, discursos outros que podem ser enriquecedores, enriquecidos, combinados. Faltou no entanto a presença de um outro, que é a base do projecto próximo futuro. O outro não-europeu. O outro cujos conceitos que se criam para entendê-los nunca serão suficientes. O outro cuja alteridade assusta. Mas o outro ausente deverá aparecer nos próximos encontros. A sua presença tornar-se-á necessária. Porque, a pouco-e-pouco, vai se percebendo que os modelos que falharam foram aqueles onde os outros não tiveram vez nem voz. E creio que um futuro desejável só será possível se, finalmente, nos dermos conta de que nós também somos o outro. E descendo do pedestal dos modelos civilizacionais e académicos, olharmos para aqueles que achamos ser o outro como alguém que também faz parte de nós.
Miriam Tavares
CIAC - Centro de Investigação em Arte e Comunicação (Universidade do Algarve)
Imagem: Der Held mit dem Flügel (The Hero with the Wing) from the series Inventions (Inventionen)
Paul Klee (German, born Switzerland. 1879-1940)