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Luanda

Published27 Dec 2009


O sonho de Niemeyer e o Universo paralelo. Novembro de 1975, num relâmpago milhares de pessoas abandonam a cidade. Termina a colónia, recomeça a contagem. Luanda, capital de Angola, na costa ocidental de África é agora um espaço vazio e aguarda, ansiosa, pelos novos inquilinos. Novos habitantes, nova liberdade. Tal como “ocupas” hoje dentro de edifícios marcados por momentos, recordações, odores de outrora, Luanda antecipa o conceito e recebe de portas abertas os novos ocupantes. A desenfreada ocupação origina mistura social. Luanda transforma-se numa cidade singular, onde o mais pobre e o multimilionário coabitam nos mesmos edifícios e partilham os mesmos degraus, como havia sonhado Óscar Niemeyer quando projectou o emblemático Copan. O paralelo entre o Copan e Luanda pós-Independência continua actual. Tal como o sonho falhado de Niemeyer, do lado oposto do Atlântico, o crescimento explosivo da população na cidade de Luanda causa vertigens. Sobrelotação das casas, tráfego estancado, cinemas transformados em igrejas e elevadores em novas residencias. Inicia-se um longo mergulho ao caos. Entre a guerra civil e a nova ordem mundial, o funge de Sábado e as multinacionais, a cidade resiste. Morre o sonho comunista e crescem as novas torres. O capitalismo é selvagem e desta vez não resta espaço para utopias, “time is money”. Abandonamos a cidade de asfalto e entramos nos intermináveis musseques (guethos). A paisagem aqui é mais cinzenta, mas de cinzenta, só a paisagem. Albergue de políticos, ex-militares, refugiados de guerra, católicos, muçulmanos, mucubais, travestis e celebridades, os musseques reinventam-se a cada instante. É indiferente se vivemos no comunismo ou capitalismo, mono ou stereo partidarismo. O poder aqui é autónomo a qualquer instituição, ou de qualquer crença religiosa. Está distribuído pelas ruas e bairros, encerrado nas suas fronteiras. A economia é caseira, baseada no retalho do retalho. A cultura é híbrida, intensa e extremamente experimental. O Hi-Tech casa-se com o animismo, os ritmos e danças tomam de assalto a cidade de asfalto. Os candogueiros (táxis informais) como se fossem o youtube, disseminam a música e a atitude oriunda dos musseques por cidades e aldeias, de todo o território nacional. O musseque por fim criou uma identidade nacional.
Qualquer tentativa de conceber teorias sobre estes fenómenos, torna-se inútil e obsoleta no momento em que é criada. Este universo é definitivamente paralelo. Impossível não participar. Não há figuras solitárias nem turistas nesta estória, ninguém passa indiferente. A vida é uma constante diligência. Cidades como estas estão por todo lado, são planetárias na sua essência, os continentes tornam-se pequenos para elas. Transbordam fronteiras continentais e também as da ficção. A sua mutação veloz e o susceptível sistema imunitário, tornam-na incapaz de qualquer tipo de prevenção ao agente desconhecido. Tudo se torna parte dela.
Kiluanji Kia Henda
Material, fotografia, díptico, impressão sobre alumínio, 100cm x 150cm (cada), 2007
Cortesia do artista