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O contrato social no coração dos novos protestos

Published3 Feb 2014

Paulo Granjo

Os mais marcantes protestos sociais ocorridos durante os últimos anos nos países oficialmente lusófonos têm em comum alguns aspetos relevantes: não tiveram por principais atores os mais pobres, tiveram como fator de mobilização imediato e explícito uma decisão económica do poder político que afetaria sobretudo camadas sociais intermédias, e tiveram como referência mobilizadora subjacente e mais profunda as noções populares do contrato social – seja pela visão de que este estava a ser desrespeitado ou subvertido, ou pela consideração de que ele deverá ser refinado em benefício dos governados.

O caso dos motins de Maputo, Moçambique (2008, 2010 e 2012), torna visíveis aspetos suplementares que são igualmente comuns a protestos recentes, em diversos continentes, que utilizaram a violência como forma de expressão ou assumiam a possibilidade de recurso a ela, face à pressão repressiva estatal. Destacam-se entre eles a ameaça a uma subsistência predominantemente precária, fortes assimetrias sociais, o descrédito nas instituições políticas e mediadoras enquanto meios eficazes para resolver os problemas sentidos, a avaliação da atitude governativa como sendo arrogante e fechada à negociação.

Todos os fatores enumerados - que conduziram à ideia de que a violência era, por exclusão de partes, o único meio de protesto eficaz - têm uma presença crescente em Portugal e estão associados a políticas governativas percecionadas como subversoras do contrato social. Embora a presença e relevância desses fatores não conduza de forma automática a protestos violentos, aumenta fortemente a possibilidade de que estes ocorram na sequência de qualquer decisão ou acontecimento considerado particularmente ofensivo, tendo por base uma avaliação eminentemente política e moral justeza das relações entre grupos sociais e entre governantes e governados.

Paulo Granjo é doutorado em Antropologia Social (ISCTE, 2001). Realiza pesquisas em Portugal e Moçambique que possuem um fio condutor comum: compreender as concepções e respostas sociais à incerteza, ao perigo e à tecnologia, em contextos de mudança cultural e social. É Professor Visitante na Universidade Eduardo Mondlane, Maputo (licenciatura em Antropologia). É autor de diversos livros e artigos. É membro do Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE) e do Centro de Estudos Africanos (ISCTE). Será um dos oradores na primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas, dedicado aos "Novos Poderes", no próximo dia 8 de Fevereiro.

Un rêve tunisien dans le cauchemar "arabe"

Published3 Feb 2014


Le printemps «arabe» a enfanté une guerre civile, un coup d'Etat, une transition qui dure et qui ralentit, deux cents milices, un apartheid et une réussite. Sur la liste et dans l'ordre : la Syrie, l'Egypte, le Yémen, la Libye, le Bahreïn et la Tunisie. Et cette réussite tunisienne est si fragile, si rare, si récente que l'on a peur d'en parler et d'en commenter l'actualité. A la question de : «les arabes» sont-ils capables de sortir de la violence, de la dictature et de la théocratie un jour ?». La réponse a été «non» depuis toujours. Et pour une fois qu'un pays dit «arabe» arrive à mettre d'accord ses islamistes, ses laïcs, ses progressistes et ses ex du régime, on a peur que cela soit encore une illusion. Et c'est une peur ancienne, tellement depuis toujours, cela n'a été que sables et mirages dans la planète d'Allah. Jamais l'Andalousie n'a été autre chose qu'un mythe et une nostalgie, jamais la démocratie n'a été notre lot, ni la paix durable, ni le consensus, ni la raison, ni la justice et le rêve.

Donc, on va saluer, très bas, la réussite de nos voisins : ils viennent d'accoucher, trois ans après avoir chassé Ben Ali, d'une loi fondamentale qui, parce qu'elle a mis tant de temps à être écrite, prouve par ce fait qu'elle est un texte auquel les gens croient et y tiennent. D'un côté, leurs islamistes n'ont pas cédé tous aux utopismes et au Djihad et semblent admettre l'Autre et la nécessité du consensus pour survivre même si toute guerre est rue, selon leur hadith fétiche; et de l'autre, la classe moyenne haute, la société civile tunisienne, les élites ne semblent pas totalement anesthésiées, tuées, vassalisées ou exilées ou fatalistes et démissionnaires comme c'est notre cas. Leur paix est, du coup, différente de la nôtre; la leur est celle de l'effort, la nôtre est la paix des cimetières. Notre consensus est celui des cadavres allongés et le leur semble être celui, laborieux, du vivant.

Et ce texte consacre, sur le papier du moins, le statut de la femme égale de l'homme et pas son obsession, son quart, sa moitié ou son poids mort. Et c'est une prouesse. Et ce texte consacre la justice, les institutions qui veillent et le partage des pouvoirs et d'autres nuances majeures. On pourra, sur le net, le lire presque comme une poésie tant il fait rêver.

La Tunisie est donc dans l'inaugural. Elle a enfanté le printemps «arabe» et elle peut en sauver le cri tombé bas dans le hurlement et le crime. Elle peut prouver qu'il y a de l'espoir après une révolution et que la révolution n'est pas un chaos stérile. Ce pays voisin est peut-être la terre méconnue et négligée de notre débarquement dans le monde moderne, l'isthme de notre espoir, le lieu où peut-être se dessine la solution au terrible malaise d'être «arabe» même quand on ne l'est plus, et de l'être pour rien mais avec le coût du temps et du sang que l'on perd. Admirables voisins, continuez !

Texto publicado na página de Facebook de Kamel Daoud a 30 de Janeiro de 2014.

Kamel Daoud é escritor e jornalista argelino. Escreve a crónica Raina raikoum (« Mon opinion, votre opinion ») em Le Quotidien d'Oran e publica ainda no jornal electrónico Algérie-focus e no Slate Afrique. Em Outubro passado foi publicado o seu romance Meursault, contre-enquête inspirado no L'Étranger de Albert Camus.

Sugestões de leitura

Published31 Jan 2014

A propósito da primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas, no dia 8 de Fevereiro, juntamos aqui algumas sugestões de leitura dos nossos oradores, Giuseppe Cocco e Paulo Granjo.

Giuseppe Cocco, A Constituição do trabalho metropolitano: junho-outubro de 2013

Entevista de Giuseppe Cocco ao Instituto Humanitas Unisinos

Paulo Granjo, Por que juntar o estudo de violência, polícias e governantes? A complexidade dos motins de Maputo

Giuseppe Cocco: "Estamos diante da persistência da política"

Published30 Jan 2014

Giuseppe Cocco

A propósito da primeira sessão do 4º Observatório, no próximo dia 8 de Fevereiro, o nosso orador Giuseppe Cocco propõe-nos a leitura da sua entrevista para o website do Instituto Humanitas Unisinos.

Não estamos diante da “falência da política. Ao contrário, trata-se da persistência da política! Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção”.

Leiam a entrevista na íntegra aqui.

Consultem toda a programação de Novos Poderes - 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas aqui. A entrada será livre, mediante inscrição prévia.

Qui a dit que c' était simple

Published29 Jan 2014

Foto: Raw Material Company, retirada do website C&

Qui a dit que c' était simple marca o início da programação de um ano da Raw Material Comoany (Dakar, Senegal), dedicada às liberdades individuais, reflectindo sobre percepções e restrições.


Who Said It Was Simple is an open critical platform. An abundant documentation including news clips, audio and video material as well as mappings from various sources builds the content of the exhibition.
In presenting this large research we want to discuss difference, minority and margins with an emphasis on sexuality. 

Leiam aqui.

Por que juntar o estudo de violência, polícias e governantes? A complexidade dos motins de Maputo

Published28 Jan 2014

Paulo Granjo

Paulo Granjo, orador na primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas no próximo dia 8 de Fevereiro, propõe-nos a leitura do seu texto Por que juntar o estudo de violência, polícias e governantes? A complexidade dos motins de Maputo.

Os estudos de violência pública costumam fragmentar-se de forma especializada entre, por um lado, pesquisas acerca dos perpetradores da violência não-estatal e, por outro, a análise das forças policiais e políticas governativas.Este fenómeno, embora paradoxal face aos princípios holistas predominantes nas ciências sociais (e particularmente na antropologia), é contudo bastante compreensível à luz da predominante tendência científica para a especialização temática, da pragmática dificuldade em acompanhar de forma transversal bibliografias cada vez mais numerosas e sectoriais, ou até da criação e exploração de nichos de mercado para a prática de ciência aplicada. Não obstante, os motins ocorridos em Maputo nos anos de 2008 e 2010 – que tive oportunidade de estudar, a partir da observação direta e de muitas e diversificadas entrevistas informais – apresentam uma complexidade de fatores e de interações entre eles que condena qualquer abordagem parcelar ao estatuto de uma pobre aproximação à sua compreensão.
Leiam o texto na íntegra aqui.  A primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas, intitulado "Novos Poderes", terá lugar no dia 8 de Fevereiro, Sábado, às 15h, no Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian. A entrada é livre, mediante inscrição prévia. Mais informações aqui.

Call for applicants: Àsìkò 4th CCA, Lagos International Art Programme

Published26 Jan 2014

Visita ao Castelo Elmina por participantes de 2013, Cape Coast, Ghana. Foto: Mimi Cherono Ng'0k (Cortesia CCA, Lagos)

CALL FOR APPLICANTS
Deadline 2nd March 2014

Àsìkò 4th CCA, Lagos International Art Programme

A History of Contemporary Art in Dakar in 5 Weeks 
Dates: 5th May – 8th June 2014

In 2010 the Centre for Contemporary Art, Lagos began an innovative project, Àsìkò, CCA, Lagos International Art Programme with the aims of filling a gap in the educational system in Nigeria and many African countries, which tend to ignore the critical methodologies and histories that underpin artistic practice. The programme comes out of the need to build local support structures for art production, critical thought and to provide a conducive framework that encourages and advances the individual research and production of participants. Using the format of part art laboratory, part residency and part informal art academy, over the course of 35 intensive days “A History of Contemporary Art in Dakar in 5 Weeks” will focus partially on technique and primarily on methodology, critical thinking, and the implementation of conceptual ideas.

At the end of the programme held in Accra in 2013, the participants provocatively titled their final presentation, "A History of Contemporary Art in Ghana in the Last Five Weeks." Was this gesture an attempt to indicate that the complex history of contemporary art practice in Ghana could be broached within the temporal period allotted—five weeks? Certainly such an elaborate history condensed and absorbed in the space of 35 days, or 840 hours, is subject to questioning. Despite its inevitable sentiments of reductiveness, the title nonetheless provided a space of examination and reflexivity, a space in which to dwell on the effects of time and its potential in tune with the central theme of “The Archive.”

For the 4th edition of Àsìkò, organised in collaboration with Synergie contemporaine, Dakar led by artist and professor Viyé Diba, we intend to move away from a definitive theme towards a more open discursive model that allows the research interests of both the participants and the faculty to be highlighted. We will focus on and explore African and African Diaspora cultural production, examining its shifts and developments in recent years using the 11th Biennale of Dakar – namely its main international exhibition - as well as the over 150 Dak’Art OFF programmes as an the point of departure. The programme will take into consideration the various aesthetic, contextual strategies and professional techniques deployed by artists and scholars working across a multiplicity of forms including visual art, literature, film and dance and the critical and cultural theory that complements it.

Who Can Apply?

■ Applications are open to artists and curators from Africa and the African Diaspora who have been professionally active for at least 3 years and with a visible commitment to their professional artistic and their curatorial practice.
■ Artists can be working in any media - painting, sculpture, textile, ceramics, photography, video and new media, performance art, writing, theatre and dance.

For additional information and application form please contact:
Àsìkò Project Coordinator, Erin Rice
[email protected]

Pode haver poesia na violência?

Published24 Jan 2014

Capa do livro Nur 1947

Poderá haver poesia na violência?

Mi escritura no tiene como objetivo hacer daño al lector. Mi sueño de escritura no es escribir sobre lo que hace daño, mi sueño de escritura es la poesía, maravillar ante las cosas, pero tampoco puedo olvidar el contexto del que salen. También hay otras cosas. Cuanto más me dicen que mis libros son ‘violentos’, más cuenta me doy de que lo que les molesta no es la violencia, sino el hecho de que pueda introducir poesía en la violencia. Es esta cuestión estética de la violencia lo que perturba enormemente al lector.

Leiam a entrevista de Jean-Luc Raharimanana, escritor do Madagascar.

A Constituição do trabalho metropolitano: junho-outubro de 2013

Published23 Jan 2014

Giuseppe Cocco

O que caracteriza as manifestações de junho de 2013 é que elas não representam exatamente nada ao passo que, por um tempo mais ou menos longo, elas expressaram e constituíram tudo. Exatamente como o dizia o Abbé Seyes quando se perguntava o que era o “terceiro Estado” e dizia: ele é tudo, não representa nada, quer e deve se tornar algo[1]. O primeiro elemento é esse. Elas tiveram e continuam tendo uma dinâmica intempestiva, fogem a qualquer modelo de organização política (não apenas os velhos partidos ou o sindicatos, mas também o terceiro setor, as ONGs) e afirmam uma democracia radical articulada entre as redes e as ruas: auto-convocação e debates nas redes sociais, participação massiva às manifestações de rua, capacidade e determinação de enfrentar a repressão e até capacidade de construção e autogestão de espaços urbanos como foram a Praça Tahrir, as acampadas espanholas, as tentativas do Occupy Wall Street e, enfim, a Praça Taksim em Istambul , na Turquia. Para cada uma dessas ondas e dessas que chamamos de “primaveras”[2] houve um estopim especifico mas todas dispõem de uma mesma base social (por diferenciadas que sejam as trajetórias sócio-econômicas dos diferentes países) e dos mesmos processos de subjetivação. No caso do Brasil, todo o mundo sabe que o estopim foram os protestos contra o aumento do preço das passagens nos transportes públicos. Como foi o caso de outras marchas, a manifestação em São Paulo foi violentamente reprimida pela Polícia Militar. Só que dessa vez a faísca não se apagou numa “marcha da liberdade” e incendiou São Paulo e todo o País. Mas saber que o estopim foi esse não nos permite de avançar na análise.

Por que em junho? Qual foi o Kayrós? É difícil responder e talvez a característica própria desse tipo de movimento é que ninguém sabe propor razões “objetivas” indiscutíveis. Contudo, podemos avançar algumas antecipações e 3 explicações: no nível das antecipações podemos citar o manifesto Tatu or not Tatu, lançado pela Rede Universidade Nômade no dia 15 de junho de 2012, exatamente um ano antes. Nele era possível ler: “(...) Na época da mobilização de toda a vida dentro da acumulação capitalista, o capitalismo se apresenta como crise e a crise como expropriação do comum, destruição do comum da terra. (...). Não há nenhum determinismo, nenhuma crise terminal. O capital não tem limites, a não ser aqueles que as lutas sabem e podem construir”[3]. Uma segunda antecipação foi o manifesto lançado por uma pequena rede de coletivos (Redes e Ruas) para pensar um “levante” do Rio de Janeiro contra o consenso totalitário que dominava a cidade, em particular depois da re-eleição de seu Prefeito.

Quanto às “explicações”, a primeira tem a forma do “estopim” e é a quase coincidência do episódio da repressão da marcha pelo passe livre em São Paulo com a renovação das primaveras árabes e do 15M espanhol nas lutas duríssimas da multidão turca na Praça Taksim, em Istambul (não por caso, na segunda manifestação carioca, que já reunia 10 mil pessoas, um dos gritos era: “acabou a mordomia, o Rio vai virar uma Turquia”); uma segunda explicação está no fato que esse ciclo de “revoluções 2.0” começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais e, nesse meso sentido, se formaram nas pequenas experiências dos OcupaRio, OcupaSão Paulo, OcupaSalvador (em 2011); a terceira explicação é mais consistente e a mais importante e diz respeito ao que são essas “novas gerações” no Brasil de hoje, ou seja essas gerações de jovens que só conheceram o Brasil de Lula. O que é incrível e até irônico é que o próprio PT não tenha previsto isso e ainda hoje seja incapaz de enxergar esse dado importantíssimo. Silvio Pedrosa escreveu um dia que a filha ilegítima  do Lula não é Lurian, mas a multidão. Os dirigentes do PT e os intelectuais residuais do partido parecem estar dentro da Soyuz de seu pensamento, orbitando sobre um pais (um regime discursivo e seu consenso social) que não existe mais (estamos fazendo referência ao território soviético que continuava existindo no satélite artificial tripulado ao passo que a URSS tinha desaparecido depois da tentativa do golpe contra Gorbatchev, em 1991).

O movimento de junho tem muita proximidade com o ciclo global de lutas que começou com a primaveras árabes. Num primeiro nível, há em comum com o ciclo global a articulação entre as redes e as ruas como processo de auto-convocação das marchas e manifestações que ninguém consegue representar, sequer as organizações que se encontraram no cerne da primeira chamada: a tentativa de “empoderar” os rapazes do Movimento pelo Passe Livre em São Paulo (“oficializados” pela presença no Roda Viva e a negociação com Prefeitura e Estado) mostrou que eles não controlam nem dirigem um movimento que se auto-reproduz de maneira rizomática (as manifestações aconteciam ao mesmo tempo sem respeitar qualquer tipo de “trégua”). Num segundo nível, há em comum o esgotamento da representação política. No Brasil, esse fenômeno foi totalmente subavaliado pela “esquerda” e sobretudo pelo PT porque não o entenderam (e não o entendem). Inicialmente pensaram que fosse um problema das autocracias do Norte da África (Tunísia e Egito); depois que fosse a incapacidade dos socialistas espanhóis (o PSOE) de responder de maneira soberana às injunções das agências internacionais de notação ou do Banco Central Europeu (BCE). Pensaram também que o 15M espanhol não conseguia encontrar uma nova dinâmica eleitoral ao passo que o partido do Beppe Grillo mostrou na Itália um fenômeno eleitoral totalmente novo e desgovernado. Em seguida, pensaram que o Egito e a Tunísia foram normalizados eleitoralmente pelo islamismo conservador e aí aparece o levante turco contra o governo islâmico moderado ao passo que no Egito os militares retomaram o poder. No Brasil o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a re-eleição quase plebiscitária do Paes no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter enfim achado que o sagrado graal do “novo modelo” econômico seria na realidade reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neo-desenvolvimentismo. O que a esquerda como um todo e o PT no Brasil não entenderam é que, a crise da representação é geral (mesmo que ela tenha sintomas e manifestações diferenciadas) e que os levantes da multidão no Egito, na Tunísia, na Espanha, na Turquia e agora no Brasil são a expressão, entre outras coisas, de uma recusa radical dessa maneira auto-referencial de pensar por parte dos governos e dos partidos político. Como dizia o manifesto da Rede Universidade Nômade, Tatu or not Tatu, “No Brasil são muitos os que ainda se sentem protegidos diante da crise global. O consenso (neo) desenvolvimentista produzido em torno do crescimento econômico e da construção de uma nova classe média consumidora cria barreiras artificiais que distorcem nossa visão da topologia da crise: a crise do capitalismo mundial é, imediatamente, crise do capitalismo brasileiro. Não nos interessa que o Brasil ensine ao mundo, junto à China, uma nova velha forma de capitalismo autoritário baseado no acordo entre Estados e grande corporações”[4]. Num terceiro nível há a principal proximidade entre todos esses movimentos: a base social dessa produção de subjetividade é o novo tipo de trabalho que caracteriza o capitalismo cognitivo. As redes que protestam e se constituem nas ruas de Madri, Lisboa, Roma, Atenas, Istambul, Nova Iorque e agora de todas as cidades brasileiras são formadas pelo trabalho imaterial: estudantes, universitários, jovens precários, imigrantes, pobres, índios .... ou seja a composição heterogênea do trabalho metropolitano. Não por acaso por um lado, uma de suas formas principais de luta foi a “acampada” ou o “occupy” e, pelo outro, o levante turco e aquele brasileiro tiveram como estopim a defesa das formas de vida da multidão do trabalho metropolitano: a defesa do parque contra a especulação imobiliária (a construção de um Shopping) em Istambul e a luta contra o aumento do custo dos transportes no caso do Brasil.

Diante dessas aproximações, as diferenças são bem menores, embora elas existam (e sejam até óbvias). Podemos apreender essas diferenças do ponto de vista das condições objetivas da cada país e do ponto de vista de como cada um desses movimentos foi transformando (ou não) a fase destituínte em momento constituinte. Assim, o 15M espanhol se apresenta como a experiência que mais conseguiu durar apesar de não ter revertido as políticas econômicas. As revoluções árabes foram normalizadas pelas vitórias eleitorais conservadoras, mas os levantes se tornam endêmicos. Na Turquia e ainda mais no Brasil não sabemos – literalmente – o que vai acontecer. É no plano das condições objetivas que encontramos a maior diferença: na Espanha e em geral no mediterrâneo, as revoluções são marcadas pelos processos de “desclassificação” das classe médias. No Brasil é exatamente o contrário: tudo isso acontece no âmbito e no momento da emergência de algo que é definido como uma “nova classe média”. Só que, essa nova composição de classe é na realidade a nova composição do trabalho metropolitano, lutando pelos parques ou pelos transportes públicos: ascendendo socialmente, os pobres brasileiros se tornam o que as classes médias européias se tornam .. descendo: a nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles.

[1] E. Seyès, Qu’est-ce que le Tiers État?, edição de R. Zapperi, Genebra, 1970; Écrits Politiques, Paris, 1985.

[2] Cf. Giuseppe Cocco e Sarita Albagli (orgs.), Revolução 2.0, Garamond, Rio de Janeiro, 2013.

[3] http://uninomade.net/tenda/manifesto-uninomade-10-tatu-or-not-tatu/

[4] Cit.

 

Giuseppe Cocco é Doutor em História Social pela Universidade de Paris I, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, editor das revistas Global BrasilLugar Comum Multitudes (Paris). Publicou Trabalho e cidadania (Cortez, 2000) e, com Antonio Negri, Global: biopoder e luta em uma América Latina globalizada (Record, 2005), entre outros livros e artigos. Será um dos oradores na primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas, dedicado aos "Novos Poderes", no próximo dia 8 de Fevereiro.

A economia dos movimentos sociais urbanos: Protesto e revolta em Maputo e Rio de Janeiro hoje

Published22 Jan 2014

Paulo Granjo e Giuseppe Cocco

A economia dos movimentos sociais urbanos: Protesto e revolta em Maputo e Rio de Janeiro hoje é o tema da primeira sessão do 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas. Será no dia 8 de Janeiro, às 15h00, no auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian.

Durante muito tempo, marcado pela clivagem entre colonialistas e movimentos anticoloniais e, depois, por guerras civis que opuseram duas forças nacionais, a cena política moçambicana viu emergir novos protagonistas com a eclosão de uma série de motins no espaço metropolitano de Maputo, em 2008 e em 2010. Mais recentemente, em 2013, no Brasil, e com particular destaque para o Rio de Janeiro, eclodiram revoltas inesperadas num contexto que parecia exclusivamente determinado pelas clivagens político-partidárias, em torno dos governos do Partido dos Trabalhadores. Neste debate, pretende-se compreender a economia destes recentes movimentos sociais urbanos, discutindo as relações de poder que fazem o quotidiano das cidades em questão, bem como os sujeitos, as formas e o repertório de ação política dos levantamentos ocorridos.

Giuseppe Cocco (Sociólogo, Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Paulo Granjo (Antropólogo, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) serão os nossos oradores. José Nuno Matos (Sociólogo, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) será o comentador da sessão.

A entrada é livre, mediante inscrição prévia. Todas as informações aqui.

Novos poderes

Published21 Jan 2014

O debate em torno do poder tende a confiná-lo enquanto um assunto político de âmbito institucional, nacionalmente circunscrito e que se constitui objecto de disputa individual. Neste ciclo propomos discutir experiências históricas e presentes que nos convidam a contrariar estas tendências. Procederemos à inventariação de relações de poder que deslocam o domínio do político até à esfera da cultura ou da economia, que extravasam as fronteiras nacionais e que assumem uma dimensão colectiva.

Na primeira sessão do ciclo discutiremos comparativamente acontecimentos recentes em cidades como Maputo e Rio de Janeiro, onde a política se deslocou do terreno institucional para o espaço das ruas, em resultado de novas dinâmicas de acção colectiva que interrogaremos atendendo tanto à autonomia dos sujeitos políticos emergentes como à formação económica destas cidades do Sul global.

Na segunda sessão, tendo como pano de fundo as guerras que levariam ao fim do Império Português, discutiremos a circulação transnacional de imagens e discursos artísticos comprometidos com os movimentos anticoloniais, atendendo por um lado à interacção entre a representação artística e a prática militante e, por outro, ao modo como essa mesma representação convocou um processo de produção que se quis alternativa ao modelo autoral individual.

Na terceira sessão analisaremos a possibilidade de uma história interligada dos movimentos anticoloniais e do protesto popular no Portugal contemporâneo, tomando como mote o facto de o ano de 1974 ter representado uma dupla viragem: o fim da ditadura do Estado Novo e o fim do Império Português.

Na quarta sessão, aproximando-nos já da actualidade, debateremos a problemática da circulação procurando intersectar dois debates em regra dissociados: o debate político em torno da circulação de pessoas e dos direitos de cidadania e o debate económico relativo à liberalização do comércio.

Finalmente, na quinta e última sessão, colocar-se-á a possibilidade de uma crítica do Estado que seja simultaneamente devedora da antropologia de pendor anarquista de autores como Pierre Clastres ou, mais recentemente, Viveiros de Castro, e da análise do neoliberalismo por Michel Foucault.

Pela Unipop
Diogo Duarte, Inês Galvão e José Neves

A 4ª edição do Observatório de África, América Latina e Caraíbas é uma co-organização do Próximo Futuro com a Associação Unipop. A primeira sessão, A Economia dos Movimentos Sociais Urbanos, tem lugar no dia 8 de Fevereiro, às 15h, no auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian. A entrada é livre, mediante inscrição prévia. Todas as informações aqui

Zanzibar e Tanzânia: o estado frágil da união

Published20 Jan 2014

Imagem retirada do portal Think Africa Press

O ano de 2014 marcar o 50º aniversário da união da ilha de Zanzibar com a Tangania, formando o país hoje chamado Tanzânia. Uma série de problema spolíticos mantem a relação entre as duas partes bastante sensível.

The current 'state of the union' debate sees three ideas being posited, all of which involve a degree of autonomy for Zanzibar but with oversight administered by mainland Tanzania. However, despite one recent attempt to discussthe issue openly and amicably in the ‘public sphere’ (an expensive hotel in Dar Es Salaam), worrying patterns of resentment and tension are emerging.

Leiam o artigo na íntegra aqui.

 

O ano dos artistas brasileiros

Published17 Jan 2014

Exposição de Mira Schendel

Exposição de Mira Schendel no Museo Reina Sofia em Madrid

Depois de um ano em que estrangeiros como Ai Weiwei, Lucian Freud, Cai Guo-Qiang e Stanley Kubrick dominaram o calendário dos museus no Brasil, 2014 vai apostar em brasileiros e em artistas que construíram a sua obra no país, noticia a Folha de São Paulo.

Leiam aqui.

Open Call - ANALOGUE EYE: Video Art Africa

Published16 Jan 2014

Brent Meistre

Dear Artist,

I am curating a video art work screening of various artists working on the continent for the main programme of the annual National Arts Festival in Grahamstown, South Africa, July 2014.

The screening will be unique as the works will be will be shown in the form of two mobile drive-ins (a car with a projector mounted on the roof), one that is fixed at one prominent site and the other that moves to various public spaces. The drive-in will be authentic as possible as patrons will drive onto an open field where the sound will be broadcast to their car stereos and to stereos provided. The aim is to showcase work that gets very little exposure in galleries in South Africa and elsewhere on the continent. It will be open and free to the public and will be shown in public spaces that engage and expose video art directly to a wider audience.

The varying themes of the works that I am looking are quite broad but new or older work that considers nationality, identity and migration will be considered. I am looking at work that is no longer than 5-7 minutes (but may consider longer works) in digital format. Artists can submit up to three works each. The idea being that we could showcase a wide range of works from numerous African countries which are curated into a number of themed screenings.

The working title for the screening is: ANALOGUE EYE: Video Art Africa. The title pays homage to a handmade or hands-on way of film-making (much like I did as a young film-maker), using old VHS video cameras and equipment in really creative ways - not necessarily the way they were intended to be used. In this regard I have built the mobile drive-in with mostly upcycled materials and equipment. Analogue Eye also embraces a philosophy of ‘making it happen’ regardless of the situation you may find yourself in as an artist. The title refers to an ethos and way of working which many of us may subscribe to or identify with.

The National Arts Festival technical team will provide all technical needs such as HD projectors and screens but royalties will unfortunately not be paid.

This year marks the 40th anniversary of the National Arts Festival which also coincides with 20 years of a democratic South Africa – so this year’s festival is set to be a hi-profile and significant event both nationally and internationally. With this in mind the drive-in theatre will be prominently positioned next to the main festival hub (The Foundation Monument) with large volumes of pedestrian and vehicle traffic.

I am very excited about the prospect of showing your work here and hope you are open to participating!!

If you are interested in participating, please email me back (B.Meistre[at]gmail.com) and I will forward you further submission requirements and documentation.

Warmest regards,

Brent Meistre
Senior Lecturer
Rhodes University Fine Art Dept

A crítica é o plano?

Published15 Jan 2014

Elísio Macamo

A Fundação Gulbenkian, uma das muitas coisas boas que Portugal tem (a falésia na crise, por assim dizer), através do seu excelente programa “Próximo Futuro” – cuja comissão científica tenho muito orgulho em integrar – sob a direcção do também excelente e criativo António Pinto Ribeiro (ok, fim dos superlativos...), publica dois volumes com o título “Grandes Lições”. Trata-se de conferências proferidas por académicos de renome (continuação dos superlativos). Lições grandes mesmo. O primeiro volume contém um texto interessantíssimo de Benjamin Arditi, cientista político mexicano (creio), com o título “As insurreições não têm um plano – elas são o plano”, uma ousada e brilhante crítica à tese defendida pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek, segundo a qual revoltas como as dos jovens em Londres ou no Magreb estariam votadas ao fracasso por não possuírem um plano. Ele articula essa falta de plano à ausência de reivindicações que desenhem, desde logo, um projecto alternativo de sociedade. Arditi discorda e diz que o protesto em si, e pelo simples facto de veicular um significado, desenha uma alternativa que se afirma contra o status quo e contém dentro de si a semente de algo melhor. 

Esta é uma daquelas situações que levam alguns de nós a dizerem “ambos têm razão”. Só que, como logicamente é menos problemático dizer “nenhum tem razão”, opto mesmo por não dar razão a nenhum deles. O movimento “Occupy Wall Street” parece ter perdido fôlego. A Praça de Tahrir virou tragédia. Pontos para Zizek. Mas mudou alguma coisa. O mundo das finanças já não dá certas coisas por adquirido. No Egipto a luta continua. Pontos para Arditi. O problema de ambos, porém – e na minha percepção –, é que me parecem reféns das suas próprias teorias de conhecimento. Zizek acredita no fim da história, de preferência um fim que explique porque tivemos de sofrer, tipo São Paulo. Arditi parece um anarquista que fecha os olhos, atira-se ao barulho na esperança de que disso resulte algo bom. Não vou prosseguir com a reflexão sobre os dois. Como em (quase) todas as coisas da vida, inspiro-me neste assunto para reflectir sobre o meu País. Há um pouco das duas coisas no momento político que o País atravessa, algo que se manifesta na forma como interpelamos Moçambique criticamente. Eu diria, maltratando Zizek, que temos uma crítica sem plano, mas porque a modéstia obriga, também deixaria pairar no ar a interrogação que também maltrata Arditi sobre se a própria crítica seria o plano.

Sustenta a crítica no nosso País a convicção – não de todo errónea – segundo a qual uma vida melhor para todos nós seria possível. Tudo bem. O problema, contudo, é de assentar essa convicção numa premissa problemática, nomeadamente a premissa segundo a qual o mundo seria justo e que, portanto, a única razão que faz com que se não alcance essa vida melhor seriam os interesses veilados de alguém mau. É uma mistura explosiva entre a falácia do jogo de azar e a teoria da conspiração. Nestas circunstâncias a crítica vira um exercício de acusação alimentado apenas pela plausibilidade ideológica, nunca (ou quase nunca) pelo fundamento empírico ou lógico. A crítica vira teodicea, uma explicação reconfortante do nosso sofrimento. Pontos para mim contra Zizek. Atiça as chamas da crítica no nosso País a ideia – não de todo errónea – de que é importante falar contra o que está mal e não apenas uma vez, mas várias vezes, e com ardor. O problema aqui, todavia, é que quando a crítica vira o seu próprio motivo a sua qualidade perde importância, o que conta é apenas ... criticar, o que no nosso País significa dizer mal de, não importa de quem, apenas dizer mal de, repetir até à exaustão que está tudo mal, franzir o sobrolho contra todo aquele que se esquece de dizer que está tudo mal ou, o que é o mesmo, dizer mal de quem diz mal de e se esquece de apontar para o que está bem. Esse tipo de crítica é um cocktail Molotov dentro do qual ferve a demagogia e o ataque à pessoa. Essa crítica fica cega à mudança que ela própria pode produzir. Pontos para mim contra Arditi.

Qualquer que seja o caso, farta. E irrita. É uma espécie de construção social da imbecilidade política. O País real, os actores reais, as circunstâncias reais, tudo quanto pode ser recuperado pelo discurso atento à relação entre o empírico e o que é (ou pode ser, pouco importa!) perde importância e fica artefacto dum País, de actores e circunstâncias que só são reais numa crítica teleológica e narcisa. E Moçambique passa a ser isso mesmo, o que produz os seus analistas, os seus indignados e, para acrescentar insulto à ferida (como diriam os ingleses), os seus “democratas”, aqueles que percorrem o palco que a esfera pública lhes proporciona brandindo palavras que pensam por eles, palavras esvaziadas de sentido, meros rótulos duma realidade que há muito virou enteada duma crítica que, se calhar, ela própria é que é o plano. Pontos para Zizek e Arditi.

Moçambique: 0. Elísio: 0.

Cansa.

(texto publicado na página de Facebook de Elísio Macamo a 10 de Janeiro)


Elísio Macamo
 é docente de Sociologia do Desenvolvimento na Universidade de Bayreuth, Alemanha. Fez os seus estudos em Xai-Xai, Maputo, Salford, Londres e Bayreuth. Foi Investigador de Pós-Doutoramento na Universidade de Bayreuth, Investigador Convidado do Centro de Estudos Africanos em Lisboa, e AGORA-Fellow na Wissenschaftskolleg de Berlin. É Investigador no Stellenbosch Institute for Advanced Study (África do Sul), membro dos conselhos científicos das revistas "Afrika Spektrum" e "Indilinga - African Journal of Indigenous Knowledge Systems", membro da direcção da Associação Alemã de Estudos Africanos e membro do comité científico do CODESRIA. Publica regularmente na imprensa moçambicana, particularmente no jornal diário "Notícias". Publicou livros e artigos nas áreas da sociologia do risco, da política, da religião, do trabalho e do conhecimento.

A identidade africana num mundo globalizado

Published14 Jan 2014

Tope Folarin (imagem retirada do portal This is Africa)

Quando Tope Folarin venceu, em Julho passado, o Caine Prize for African Writing, foi dada alguma cobertura ao facto de ele não ter nascido em África e de ter visitado a Nigéria apenas uma vez, quando era bébé. 

I honestly think that the act of claiming any identity is akin to an act of faith. After all, to my knowledge none of us enter the world with a particular identity stamped on our foreheads. We develop and grow in contexts that shape our beliefs and perspectives. 

Leiam a entrevista na íntegra aqui.

Les Constructeurs Insatiables

Published10 Jan 2014

Cabana de

Catarina Pinto

La Maison de La vache qui Rit em Lons-le-Saunier (Jura, França) inaugura no dia 21 de Fevereiro a exposição "Les Constructeurs Insatiables", que explora a paixão e o prazer envolvido na construção de estruturas efémeras, sasonais e nómadas. Como... a nossa cabana, construída por Catarina Pinto.

Catarina Pinto estará presente nesta exposição juntamente com outros arquitectos, como The Cloud Collective, André Castro Vasconcelos, Véronique & Françoise Maire, José Pedro Sousa & DFL/FAUP.

Vejam mais no site da exposição.

A long walk

Published9 Jan 2014

Hamjima Absana saiu de Igor. Tem 13 anos (imagem retirada do website de Sharon Jensen)

Uma série de fotografias de sapatos de refugiados que saíram do estado sudanês do Nilo Azul e chegaram à fronteira com Sudão do Sul em Maio e Junho de 2012.

The incredible array of worn-down, ill-fitting and jerry-rigged shoes form a silent testimony to the arduous nature of their journey, as well as the persistence and ingenuity of the individuals who survived it.

Vejam as fotografias de Sharon Jensen aqui.

A fronteira

Published8 Jan 2014

Tochiro Gallegos mostra o seu trabalho num iPadTochiro Gallegos

Tochirro Gallegos

Tochiro Gallegos mostra o seu trabalho num iPad (imagem retirada do New York Times)

Artistas americanos e mexicanos trabalham ao longo da fronteira entre os seus dois países e exploram temas como a imigração, a fronteira, a guerra da droga. Leiam aqui.

Achille Mbembe em entrevista

Published7 Jan 2014

Achille Mbembe

Optimista e realista, Achille Mbembe fala, em entrevista à RFI, sobre a ameaças e as oportunidades que 2014 traz para o continente africano.

La culture est devenue partie intégrante de l’expansion du capitalisme à l’échelle globale. Et de ce point de vue, la création africaine est au seuil d’un grand moment qu’on a tort de négliger. Tel est également le cas au niveau de la pensée. Notamment de la pensée de langue française.

Leiam a entrevista aqui.

Workshop da Green Art Lab Alliance

Published6 Jan 2014

On the Move organiza nos dias 12 e 13 de Março em Berlim um workshop sobre questões ambientais para o apoio sustentável à mobilidade artística. Mais informações aqui.

Festival Santiago a Mil começa hoje

Published3 Jan 2014

Carmen Romero

O festival chileno de teatro Santiago a Mil começa hoje e prolonga-se até 19 de Janeiro. Carmen Romero, directora da Fundación Teatro a Mil, afirmou recentemente numa entrevista:

La base de la desigualdad que tenemos en Chile es cultural. No tengo idea si de verdad hemos logrado nosotros combatir ese tema, pero sí creo que el festival en enero aporta a que esa diferencia tan grande que existe entre habitantes de una misma ciudad sea menos. Que los niños, por ejemplo, tengan el mismo el derecho a que su imaginación se desarrolle de igual forma, ya sea a través de escuchar un cuento o ver una obra. Son estímulos que transportan, que te hacen viajar y el festival tiene esa misión: colaborar para que el acceso al arte y a la cultura esté disponible en Chile.

Leiam aqui.

O que é a liberdade?

Published2 Jan 2014

Miguel de Unamuno

Imagem retirada do portal Cultura Colectiva

Miguel de Unamuno - poeta, dramaturgo, escritor, filósofo e ensaista espanhol - sobre a liberdade e a cultura:

La libertad no es un estado sino un proceso; sólo el que sabe es libre, y más libre el que más sabe. Sólo la cultura da libertad. No proclaméis la libertad de volar, sino dad alas; no la de pensar, sino dad pensamientos. La libertad que hay que dar al pueblo es la cultura. Sólo la imposición de la cultura lo hará dueño de sí mismo, que es en lo que la democracia estriba.

Mais aqui.

 

Bom 2014!

Published31 Dec 2013

Luiz Zerbini, "Mamão Manilha" (2010)

2013 trouxe-nos literatura e poesia de Angola, Quénia, Botswana, África do Sul e Uganda; teatro de Brasil e do Chile; dança de Moçambique; música da Tanzânia e do Gana; cinema de Guiné Bissau; os trabalhos maravilhosos de artistas plásticos e de fotógrafos de Angola, Madagáscar, Congo, Zimbabwe e Portugal; curadores e pensadores de Moçambique e da Nigéria. Foi um ano cheio, inspirador, comovente, surpreendente.

Estamos agora mais que preparados e ansiosos pelo que vem a seguir. Tenham todos um excelente 2014! Na nossa companhia… 

Sobre os chefs

Published20 Dec 2013

Josefa de Óbidos, "Uma natureza morta com doces e barros" (1676), Biblioteca de Santarém

Uma tela de Josefa de Óbidos (1630-1684) cria mais apetite, sofistica mais o gosto e revela mais voluptuosidade do que todos os programas de culinária que as televisões exibem. Por exemplo, Uma natureza morta com doces e barros, de 1676, que está exposta na Biblioteca de Santarém. À boa maneira dos bodegón, esta composição meridional, quente, com grande riqueza plástica e cromática, apresenta uma combinação de doces e utensílios de barro de cozinha. O seu propósito era decorativo, embora houvesse uma simbologia cristã (e portanto programática) nessas obras que decoravam as casas nobres da época. A belíssima descrição de Gustavo de Matos Sequeira — desta e de outra pintura, Natureza morta com flores — diz que são “quadros de alto sentido decorativo, tão ricos de cor, dominadores pela opulência da composição (…), [dando-nos] com feminilidade conventual uma lição do que era a confeitura fria do seu tempo, empapelada de rendas, acondicionada em condessas de verga fina, resguardada em caixas pintadas (…) num jeito de glória teatral às virtudes domésticas da culinária doce”. Esta panóplia de sugestões sensoriais é sugerida pelos folares pascais ali pintados, pelos ovos cozidos, pela tigela de doce de chila, os pães de ló, as queijadas, as hóstias brancas e vermelhas enformando os ovos de Aveiro e outros doces locais, as coberturas gostosas e amanteigadas rodeadas pela delicadeza das pétalas e resguardadas pelo pote de barro que impõe a frescura da água a tanta doçaria.

Mesmo admitindo que a pátina da pintura não se introduz apenas entre a pintura e os nossos mecanismos de recepção, mas também entre o tempo em que aquela foi executada e o nosso tempo — o que pode provocar algum distanciamento nos mecanismos que despertam o nosso paladar, o olfacto, o tacto, o cheiro —, esta pintura de Josefa de Óbidos posiciona-se evidentemente do lado da exaltação da comida, do lado prazeroso da culinária como exercício sábio de encontro entre a Natureza e o Homem. Há vários aspectos etnográficos documentados na natureza morta de Josefa de Óbidos; os alimentos representados fazem parte das colheitas típicas de cada estação. Assim, quando um fruto exótico aparece, essa sua representação honra um grande acontecimento. Não é banal.

Da mesma forma, mas a alguns séculos de distância desse tempo, encontramos o mesmo tipo de finura, de delicadeza, de respeito pela natureza e de apreço dos condimentos num filme como Tampopo, de Jûzô Itami — todo ele dedicado à manufactura e à ingestão das massas japonesas.

Contrária a esta delicadeza está a produção, agora maciça, de programas de entretenimento televisivo anunciados como sendo de “gastronomia” e “culinária”. Na verdade, são quase todos fundamentalmente “cabides publicitários”, ou seja, fontes de receita monetária para essas mesmas televisões. Cada episódio apresenta doses notáveis de publicidade, venha ela de forma óbvia ou encapotada: electrodomésticos, produtos de culinária, supermercados, utensílios de cozinha. Além disso, estes programas promovem também os seus chefs e estes, em regra, promovem-se a si próprios enquanto proprietários de restaurantes — restaurantes esses que, por sua vez, promovem marcas associadas. São mecanismos de lucro fácil.

Como se não bastasse, acrescenta-se a este tipo de programa um outro que vem sob a forma de concurso de talento. Aí, celebridades televisivas — cujo único mérito parece ser o de aparecerem na televisão — apresentam aquilo que são verdadeiros rituais de humilhação para os candidatos, em que se incute um espírito de competição feroz e um gosto por pratos chamados “de fusão”. Ora, seja na música, seja na culinária, a fusão é a fabricação de um híbrido e corresponde à expectativa da classe média globalizada. Na fusão, os elementos perdem a sua singularidade, a sua beleza individual, o seu gosto único, e tornam-se tão só produtos para consumo imediato.

Estes programas — e, assim, os seus protagonistas — não respeitam os ciclos das estações com a sua oferta de produtos específicos e próprios da época. Pelo contrário, estimulam o consumo fora da época com tudo o que isso envolve em termos de alteração do gosto, da textura, da qualidade dos alimentos — e para não mencionar a violência ambiental que isso acarreta. Em suma: ali ignora-se ou contraria-se a ideia de haver um momento especial, concreto, sazonal, festivo para a fruição de determinado fruto ou vegetal, de determinada carne mais ou menos exótica. Ali tudo é apenas mais um ingrediente no meio de outros, independentemente da época e da proveniência. Desconsideram-se a origem geográfica, a sasonalidade. Ora, isto não é inocente. Veja-se, por exemplo, como a imposição de pão branco importado para base da alimentação em muitos países africanos os obrigou a abandonar as farinhas locais, e como isso lhes custa caro.

Depois, se se reparar na forma como os auto-proclamados chefs lidam com os alimentos, verificar-se-á uma quase generalizada falta de delicadeza. Os alimentos são manuseados muitas vezes com pressa, quase bruscamente, e isso diz bem do divórcio que existe entre aqueles corpos e aqueles alimentos. No filme Como Água para Chocolate há uma cena em que a filha deixa cair uma lágrima na massa e a mãe pede-lhe que deixe de chorar pois assim deslaça a massa. Esta cena mostra uma ligação animista entre o sofrimento e a comida, entre alimentação e sentimento. Justamente o que não existe no frenesim desses programas televisivos. Destituídos de alma, parecem antes estimular a bulimia, o consumo imparável.

Há espectáculo nestes programas, mas nem por isso são mais apelativos. Porque, como é sabido, um espectáculo pode ser mau e, no caso, não é sequer comparável à grandeza, à teatralidade que a culinária e os alimentos merecem — e que lhes é dada, por exemplo, nas naturezas mortas de Josefa de Óbidos, com as suas flores, os seus peixes, os seus cardos, as suas carnes, os seus pães — e com tempo.

António Pinto Ribeiro

Crónica publicada no suplemento Ípsilon do jornal Público a 20 de Dezembro de 2013.