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Nuno Ramos

Published13 Feb 2012

Tags artes visuais nuno ramos poesia poesia brasileira

O sono é minha areia

piso nele. É feito feno

engulo ele. É meu planeta

moro nele desde ontem.

Maré que morde esse novelo

que era um homem, nylon

preso pela franja, nylon

verde, musguenta.

Sem risada

coisas acordadas

dizem seu nome.

Depois somem.

Nuno Ramos (1960)

in Junco, ed. Iluminuras, São Paulo, 2011

Escultor, pintor, desenhista, cenógrafo, ensaísta, videomaker. Formado em filosofia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, de 1978 a 1982. Trabalha como editor das revistas Almanaque 80 e Kataloki, entre 1980 e 1981. Começa a pintar em 1983, quando funda o atelier Casa 7, com Paulo Monteiro, Rodrigo Andrade, Carlito Carvalhosa e Fábio Miquez. No ano seguinte, recebe do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC/USP a 1ª Bolsa Émile Eddé de Artes Plásticas. Em 1992, em Porto Alegre, expõe pela primeira vez a instalação 111, que se refere ao massacre dos presos na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) ocorrido naquele ano. Publica, em 1993, o livro em prosa Cujo e, em 1995, o livro-objeto Balada. Vence, em 2000, o concurso realizado em Buenos Aires para a construção de um monumento em memória aos desaparecidos durante a ditadura militar naquele país. Em 2002, publica o livro de contos O Pão do Corvo. Para compor as suas obras, o artista emprega diferentes suportes e materiais, e trabalha com gravura, pintura, fotografia, instalação, poesia e vídeo.

Vencedor do  Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa 2009, pelo seu primeiro romance, Ó.

Para ler entrevista de Alexandra Lucas Coelho a Nuno Ramos, clicar aqui.

Nuno Ramos

Published27 Sep 2010

Tags américa do sul brasil nuno ramos

Nuno Ramos é um artista plástico de uma qualidade ímpar. Tem neste momento várias exposições, das quais uma no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e outra na Bienal de S. Paulo. Mas ele é também um excelente escritor conhecido para um público mais vasto - incluindo os leitores portugueses - através da obra "Ó", publicada em Portugal pela Cotovia. Encontrámos um dos seus primeiros livros datado de 2001. Chama-se O Pão do Corvo.

E diz:

Contra a Luz

Aqui a terra aguenta nosso peso e nos dá caranguejos. Queremos voltar para a terra, para dentro da terra, mas acima de nós o céu permanece, escapando à ponta das árvores secas. Aqui só o vento é que fica, balançando a bolha ignóbil de luz, de que temos nojo. Aqui temos nojo da luz.

APR

Ó de Nuno Ramos

Published31 Mar 2010

Tags américa do sul brasil nuno ramos

"Ó" de Nuno  Ramos é um livro que se poderia integrar num género raro da Literatura, chamemos-lhe de Literatura Física cujo iniciador no século XX terá sido Paul Valéry com Mr Teste.

Quase sempre começo pelo rosto. Há uma cavidade em sua bochecha onde minha mão encaixa perfeitamente, um côncavo e convexo milimétrico, suave, que pressupõe o acordo prévio (mas este não me interessa) entre sua cabeça e meu ombro. Sou capaz de trocar um dedo por este gesto, e me lanço a ele imediatamente, tentando encurtar o 'bom dia', ou 'você pagou a conta da luz?, ou 'vamos sair hoje à noite?' com que ela me recebe. p.48

É uma obra que absorveu Parménides, Novalis e Herberto Hélder e os remixou:

que é que fica  quando não sei dizer se o dia justo coube inteiro no meu gesto, quando a solidão compartilhada - a borra de um café - é quase suficiente e posso respirar os postes em sua luz clara, aquelas janelas assombradas, a rua soturna entrando pela minha blusa (incêndio vermelho) p.95

É um livro-transe:

Não há corpo que me prenda. Não há pena que me cubra. Não me machucam as mãos não saber nada delas. Não me machucam as mãos ter um estoque de palmas - e de pés e de pâncreas. Não posso transplantar meus órgãos, embora tenha tantos sobrando. faria dinheiro com isso. tenho sete retinas no bolso, duas plantas em cada pé. Lanço do viaduto o infinito intestino. Atiro no chapéu do mendigo o anel de um cu antigo e deixo afundar no asfalto uma de minhas testas. p.175

Há que lê-lo.

apr