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Em inglês chama-se Dead Aid e em francês o título é L'Aide Fatale. A sua autora é a zambiana Dambisa Moyo (n. 1969), economista que faz parte da nova geração de africanos da diáspora com formações académicas de excelência (Harvard e Oxford). Tem uma carreira profissional onde se destacam os cargos de directora do Banco Mundial e da Goldman Sachs. A revista Time considerou-a como uma das mulheres mais influentes na actualidade.
A publicação do seu livro tem provocado uma polémica global dadas as soluções que propõe para o desenvolvimento africano, que vão contra a corrente das estratégias actuais de ajuda ao desenvolvimento. A sua tese mais radical defende o fim da ajuda internacional no espaço dos próximos cinco anos. Ou, como ela sugere, que os responsáveis do banco Mundial, do FMI, da União Europeia e de outras organizações internacionais telefonem aos presidentes dos países africanos anunciando-lhes que a "torneira" da ajuda ao desenvolvimento será fechada dentro de cinco anos, e que, por isso, é urgente que se encontrem alternativas ao seu financiamento.
O diagnóstico que faz é detalhado e acompanhado de uma História Social e Económica de África, onde a geografia e a sociologia política são uma ajuda preciosa aos números, factos e relatos do desenvolvimento do século 20 naquele continente. A pergunta de partida para o seu livro é: Porque é que a África continua tão pobre apesar dos biliões de dólares que recebeu para a ajuda ao desenvolvimento? Seguidamente, coloca a interrogação sobre a comparação com o desenvolvimento de países da Ásia, quando muitos países africanos partiram há cinquenta anos atrás de um nível de desenvolvimento superior a muitos países asiáticos.
Aponta como razões evidentes a corrupção, a enorme diversidade dos países africanos, facto que não tem sido considerado fulcral nas estratégias seguidas até agora. Mas, Dambisa Moyo aponta também a erros crassos aos dadores, a começar pela denúncia de ser a ajuda ao desenvolvimento uma actividade de geração de empregos (mais de 500.000 nos países dos doadores) difícil de estancar, como difícil de parar é a disputa destes países, num conflito silencioso de influência e de interesses comerciais. Aponta ainda a incapacidade dos países dadores, e muito em particular os europeus, de conseguirem pensar noutra solução mais imaginativa que vá para lá da cópia do plano Marshall, criado pelos EUA para a Europa no pós -guerra.
No estado da arte que descreve, Dambisa Moyo destaca a importância que a China tem vindo a adquirir em todos os países africanos, sendo hoje o maior investidor no continente, a par de exportador de mão de obra e de ocupação silenciosa territorial. Mas, os outros países do BIC (Brasil, Índia e China) têm também um papel importante na alteração do modo como se estão a tornar parceiros africanos e como as suas economias, bem como as economias dos países onde investem, têm usufruído destas parcerias inovadoras que, naturalmente, estão a alterar a ordem mundial. De uma forma muito sintética, como soluções a curto prazo para que o desenvolvimento africano seja eficaz e realista, Dambisa Moyo aponta: a) seguir o exemplo dos países asiáticos emergentes, nomeadamente, a sua aproximação aos mercados internacionais de capitais, recorrendo à emissão de obrigações, b) estimular a política chinesa de investimentos directos em grande escala em infra-estruturas, c) manter a pressão à escala internacional para criar um mercado autenticamente livre dos produtos agrícolas, o que favoreceria fortemente os produtores africanos, d) implantar outras formas de pequenos financiamentos, como as versões do micro-crédito aplicadas noutros países, que têm sido reconhecidas com assinalável sucesso.
Não há nunca neste livro uma abordagem moralista aos problemas, e é nele evidente uma vontade autêntica, com recursos a instrumentos inteligentes, de contribuir para acabar com a "droga" do apoio ao desenvolvimento, para que os africanos possam ser autónomos e capazes de gerir o seu futuro. Estando mais ou menos próximos das soluções de Dambisa Moyo, este é um livro que é fundamental ler e discutir.
A discussão sobre a "chinização”, ou seja sobre a presença maciça dos chineses em África, já é uma constante entre os intelectuais e os artistas africanos. A resposta a esta realidade inclui muitas vezes uma crítica subtil à postura dos europeus e ao seu cinismo. Ainda recentemente, o realizador Abderrahmane Sissako (n.1961) afirmava : “a esse propósito acho oportuno citar um provérbio mali que diz: quando te estás a afogar, agarras -te até ao primeiro crocodilo que passe”.
O presente é confuso, o futuro muito incerto, sabemos muito pouco uns dos outros, do que nos é comum e do que nos é diferenciado, mas podemos intervir. E, com certeza, uma das formas, é certo que pouco espectacular, não necessariamente muito mediática mas eficaz e, sobretudo, fundamental, é a investigação. Isto é, os vários métodos e protocolos de investigação e a produção da teoria. É conhecida a importância que esta actividade tem na Fundação Gulbenkian. No entanto ela é sempre insuficiente e sempre urgente, apesar de ser paradoxalmente uma actividade com tempos lentos e que vive de tentativas, sucessos e falhas e, de novo, de mais tentativas e sempre a partir da discussão, a maioria das vezes entre pares com as linguagens adequadas e os calendários próprios. Neste Programa Gulbenkian, que terá diversos formatos, uma parte substantiva é dedicado à produção da teoria e à sua comunicação. Assim, ao longo do período da sua realização, o Próximo Futuro vai organizar workshops, encontros e debates entre pares, com um formato mais fechado, longe das arenas de discussão pública, para os quais os investigadores dos centros convidados, e que aderiram a este projecto, vão produzir teoria a partir das suas linhas de investigação particulares, transferidas para a plataforma que constitui o calendário do programa. A estes investigadores se associarão outros internacionais que também contribuirão com os seus problemas e hipóteses de trabalho que, a posteriori, e validadas pelos seus pares, serão publicadas em suportes específicos. À parte deste trabalho mais discreto, mas em perfeita colaboração com outro mais visível publicamente, serão organizados ciclos de conferências e Grandes Lições, com temas e intervenientes a indicar posteriormente. E o trabalho só terá sentido quando parte desta teoria produzida puder ser comunicada em círculos difusos a outros investigadores, a públicos anónimos mas interessados e aos estudantes do Próximo Futuro.
Programa completo e extractos das comunicações já disponíveis na página do Próximo Futuro.
Filme de Abderrahmane Sissako, de 2006.
Barika Da
Sabali do último álbum de Amadou & Mariam Welcome to Mali
É mais de uma centena de fotografias todas a preto e branco, a maioria em 18x24cm, quase todas de rostos que nos olham de frente. Datam as primeiras de 1992 e foram tiradas no campo de refugiados de Lokichoggio no Quénia, onde viviam 45 mil refugiados somalis. As mais recentes datam de 2009 e são de alguns dos rostos dos 200.000 refugiados nos campos de Ifo, Dagahaley e Hagadera. Todas as fotografias de rostos têm o nome inscrito da pessoa fotografada ou da sua alcunha. Fazal tem vivido parte dos últimos dez anos nos campos de refugiados no Quénia, no Malawi, na Tanzânia e tem trabalhado em colaboração com as organizações humanitárias mais sérias, tendo-se tornado um activista junto destas populações de deslocados. Entende-se muito bem; não se percebe é como continua a comunidade internacional a "debater" um problema de natureza legislativa, ao não considerar como direito a asilo e protecção as mulheres africanas vítimas de agressões e perseguições por se recusarem a cumprir algumas das regras tradicionais mais bárbaras, como a mutilação genital feminina.
Estes rostos interpelam-nos: não sabemos se devemos ficar em silêncio face a tanta dignidade, a tanta generosidade presente em condições tão desumanas, se é inevitável gritar.
É possível fazer Colecções de Arte e, neste caso, de fotografia, novas, criativas, actualizadas, coerentes, Colecções para o Próximo Futuro. Um excelente exemplo é a Colecção particular de obras de fotógrafos africanos do Dr. Kenneth Montagne, a Wedge Collection, Contemporary African Photography.
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No dia 13 de Novembro serão apresentadas as seguintes comunicações:
Manhã
- "Alternativas à crise do emprego: desafios à educação e formação e novas formas de regulação” de Ilona Kovács e Margarida Chagas Lopes (SOCIUS/ISEG)
- "Os Estudos Literários no séc. XXI: o passado próximo, a crise e o próximo futuro" de Isabel Fernandes (Centro de Estudos Anglísticos/UL)
- "A crise e o discurso adaptativo dos economistas" de José Luís Cardoso (ICS)
- "Qual crise? As várias frentes da relação entre normalidade e quebra sistémica na contemporaneidade" de João Pina Cabral (ICS)
Tarde
- "Lições das crises económicas de 2008: como gerir uma solução política?" de Miguel Rocha de Sousa (NICPRI/ UM-UE)
- Cultura e Cognição - ou o poder do conhecimento tácito" de Peter Hanenberg (CECC/ UCP)
- "Da impossibilidade de superar a actual crise do capitalismo" de José Maria Carvalho Ferreira (SOCIUS/ ISEG)
- "A crise é a vida normal. A Antropologia face à crise", autoria colectiva (CRIA/UNL, ISCTE, UC, UM)
Entrada livre
John Dollar Emeka. Enugu, Nigéria 2008
No quadro das muitas actividades dos Encontros, a galeria sul-africana Michael Stevenson apresentou uma parte da série das fotos de Pieter Hugo sobre Nollywood. Nollywood é a cidade do cinema da Nigéria, onde se produzem cerca de 3 mil filmes por ano destinados a um mercado muito popular, maioritariamente da diáspora africana que compra estes filmes em suporte DVD a 1 dólar cada.
Os filmes são feitos em condições de produção artesanais, com actores amadores e o que os caracteriza é a sua componente fantasmagórica, irrealista, grotesca, cheia de histórias de fantasmas, mortos-vivos e de carnificina, é tão excessiva que se torna burlesca. Pieter Hugo, que conhecemos das fotografias de homens com hienas expostas na exposição "Um atlas de acontecimentos", na Fundação Calouste Gulbenkian em 2007, e que fez a capa do primeiro jornal do Próximo Futuro com o retrato de uma juíza negra, é um fotógrafo documental, como ele próprio se reclama. Para fazer esta reportagem viajou várias vezes para Nigéria e acompanhou a rodagem de muitos destes filmes que hoje alimentam uma indústria que faz sobreviver milhares de nigerianos e promovem o divertimento de centenas de milhares de famílias da diáspora, e não só.
Escort Kama. Enugu, Nigéria, 2008
Chris Nkulo and Patience Umeh. Enugu, Nigéria, 2008
Em Bamako, o lugar onde é preciso estar é no Bla Bla, um café-bar restaurante com um terraço coberto de mantas do deserto onde se conversa, fazem-se contratos, dão-se indicações que tanto podem ser de natureza cambial, como de viagens à Colômbia a partir do Mali.
É um lugar cosmopolita, onde se ouvem falar várias línguas, e se podem ver espectáculos de dança, música ou teatro contemporâneo.
Hoje é mesmo um dia de glória!
Fui fotografado pelo grande Malick Sidibé no seu estúdio num bairro popular de Bamako. À chegada reparámos numa fila de gente que espera que o fotógrafo chegue enquanto alguns dos filhos (que se ocupam do negócio) escrevem numa folha a ordem de chegada e simultâneamente vendem algumas das fotografias a preto e branco das noites de festa de Bamako que ainda estão disponíveis.
Malick Sidibé chega já depois das 10h e fotografará até à hora do almoço. Um pouco trôpego com os seus 73 anos, impecavelmente vestido com uma túnica branca com motivos geométricos a preto, é ele que se ocupará da preparação das máquinas, coloca os rolos, indica qual o tecido que servirá de cenário à "pose" como ele não se cansa de repetir. O estúdio não terá mais de 12 metros quadrados e uma pequena esplanada onde se amontoam os clientes. Dentro, nas prateleiras há dezenas de máquinas fotográficas, algumas antiquíssimas que constituem a história da fotografia deste enorme artista que a par de Ricardo Rangel, recentemente falecido, é um dos maiores fotógrafos africanos.
Malick é preciso nas indicações da pose: às senhoras pede-lhes que dancem, que riam, que estejam alegres, que quebrem a cintura com as mãos, que avancem com um dos pés, que estejam felizes. Aos homens diz-lhes para nao terem medo, para fazerem uma bela pose, para se aprontarem como se fossem militares. Ele enquanto fotografa, ri, ri muito de uma alegria contagiante.
Tira duas fotos a cada cliente e depois vai para a pequena esplanada, senta-se para repousar um pouco antes de iniciar uma outra sessão individual.
Na sala onde acolheram a exposição de Malik está exposto um acervo de tecidos, intrumentos de tear, materiais têxteis como o algodão, lã, argila para pintar, etc., no que constitui uma exposição sobre a arte têxtil da região do Mali e parte do Níger do séc. X à actualidade.
Há vários tipos de roupa classificados segundo a matéria prima, o tipo de desenho e a classe social ou etnia a que se destinavam alguns tecidos ou vestimentas. Há os tecidos manufacturados à mão e os tecidos específicos das cerimónias. As do casamento em particular são chamados de bògòlan, pintados com extractos de plantas e terra rica em óxido de ferro, que na verdade dava o nome ao tecido. É uma colecção soberba com amostras sofisticadas de tecidos datados dos séculos X a demonstrar mais uma vez que existia nesta região uma civilização sofisticada de que pouco ou nada sabemos porque corresponde ao período pré-colonial africano, um período de amnésia europeia.
O Museu Nacional de Bamako, na linha dos museus nacionais africanos, começou por ser um museu identitário com colecções etnográficas e que depois foi acumulando outros acervos e outras exposições. Hoje em dia é, na verdade, um complexo de museus e lojas muito cuidadas e dotadas de uma informação sobre os conteúdos absolutamente correcta e oportuna.
Na sala reservada aos tecidos e materiais têxteis estão duas exposições de fotógrafos, uma das quais de Malick Sidibé. Este fotógrafo do Mali ficou famoso pelas suas fotografias em estúdio de famílias, bem como dos famosos retratos para bilhetes de identidade dos seus compatriotas. As pessoas deslocavam-se das mais remotas vilas do Mali para serem fotografadas por ele. A exposição aqui apresentada é uma série de fotografias de moda, encomenda do New York Times já em 2009. São fotos de moda com modelos africanos - rapazes e raparigas - vestidos "à africana" com tecidos que serviram de material para os figurinos de Christian Lacroix, Marmi, Paul Smith, Prada, entre outros. São fotografias de glamour, como se quer que sejam as fotografias de moda, mas onde está sempre presente a elegância de Malick Sidibé, esta vontade de tornar ainda mais bela a beleza e a pose da juventude urbana africana.
Fataumata Cissé wears a Junya Watanabe multicolored top and green plaid skirt. Miu Miu bag. Zoraide shoes. Mamadou Gamara wears a Dsquared2 blue-and-white striped shirt. Missoni multicolored vest and pale blue pants. Gucci shoes. Mariam Sidibé wears a Nicole Miller multicolored dress. Tsumori Chisato multicolored wrap-skirt. Christian Louboutin shoes. Albertus Swanepoel hat. Dries Van Noten necklace.
in The New York Times Magazine de 1 de Abril de 2009
Bamako, 9 horas da manhã, o sol já é abrasador. No Museu Nacional Nacional de Bamako prepara-se a abertura da 8ª edição dos Encontros de Fotografia de Bamako, este ano dedicados ao tema "Fronteiras". É um tema absolutamente prioritário no contexto global e, em particular, no mundo africano onde se combina uma história de fronteiras abolidas no período colonial com a tragédia humana de tantos africanos que ultimamente têm tentado passar as fronteiras da Europa, na procura de melhores condições de vida. Anuncia-se que o tema é tratado de forma complexa, diversa, múltipla.
Nas grandes tendas brancas que acolhem cadeirões vermelhos de uma sumptuosidade invulgar para o lugar, abrigam-se do sol as "autoridades locais, os convidados de honra, os artistas (todos os artistas vivos representados na Bienal foram convidados) os amigos e os convidados". O jardim do Museu é relvado, as palmeiras são grandiosas, há um cheiro a rosas no ar e ouve-se a música do Mali interpretada por uma grupo e cantores Malinenses com vozes delicadas e e finos timbres.
Dois bons artigos, complementares aos obituários de Claude Lévi-Strauss que morreu ontem com 100 anos. Aqui e aqui.
Para saber mais sobre a entrega do Prémio Goncourt 2009 a Marie NDiaye, aqui.
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No dia 13 de Novembro serão apresentadas as seguintes comunicações:
Manhã
- "Alternativas à crise do emprego: desafios à educação e formação e novas formas de regulação” de Ilona Kovács e Margarida Chagas Lopes (SOCIUS/ISEG)
- "Os Estudos Literários no séc. XXI: o passado próximo, a crise e o próximo futuro" de Isabel Fernandes (Centro de Estudos Anglísticos/UL)
- "A crise e o discurso adaptativo dos economistas" de José Luís Cardoso (ICS)
- "Qual crise? As várias frentes da relação entre normalidade e quebra sistémica na contemporaneidade" de João Pina Cabral (ICS)
Tarde
- "Lições das crises económicas de 2008: como gerir uma solução política?" de Miguel Rocha de Sousa (NICPRI/ UM-UE)
- Cultura e Cognição - ou o poder do conhecimento tácito" de Peter Hanenberg (CECC/ UCP)
- "Da impossibilidade de superar a actual crise do capitalismo" de José Maria Carvalho Ferreira (SOCIUS/ ISEG)
- "A crise é a vida normal. A Antropologia face à crise", autoria colectiva (CRIA)
Entrada livre
Para saber mais sobre cultura brasileira, Instituto Moreira Salles
(recomendação de Isabel Coutinho, in Ípsilon)
A Bienal de Mercosul decorre até 29 de Novembro na cidade de Belo Horizonte e esta é uma das suas melhores edições. Distribuídas as obras dos mais dos trezentos artistas convidados pelos dois museus principais da cidade e pelos armazéns junto ao rio, a Bienal é vocacionada para a apresentação das obras de artistas sul-americanos, mas não só. O tema da edição deste ano é "Grito e Escuta".
No Museu de Arte Moderna pode ver-se a excelente exposição “Desenho das Ideias”, montagem dividida em dois andares e apresentando uma diversidade de estilos, de propósitos do desenho e de suportes. Impressiona o desenho na parede de Iran Espírito Santo, a parede com os desenhos de Delcy Morelos e de Anna Maria Maiolino, os desenhos sobre o êxodo chinês provocado pela construção da barragem das três gargantas de Yun-Fei Ji (um dos artistas presente na exposição Atlas de Acontecimentos durante o fórum cultural Estado do Mundo), as obras sonoras activistas e poéticas de Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Fabio Kacero e Décio Pignatari.
Yun-Fei Ji, The Owl
Nos armazéns as obras estão organizadas a partir de vários temas como o Absurdo, Árvore Magnética, Biografias Colectivas, Ficções do Invisível, etc.. De todas as secções merece-me destacar “Ficções do Invisível” cuja curadora é Victoria Noorthoorn. A secção apresenta-se como “uma exposição que reúne artistas que colocam em cena sua própria relação com o processo artístico e, ao se exporem, expõem cruamente aqueles aspectos da produção artística que habitualmente ficam apagados ou sublimados na obra terminada: o questionamento interno, a estrutura dos processos, a economia de meios, o rompimento da função, a relação entre obra e vida privada, as vicissitudes a que o artista deve se submeter enquanto sujeito social atravessado por determinações de idade, gênero, raça, religião, tradições, linguagens...
Muitas vezes isto compreende um despojamento da linguagem artística e um desvelamento de suas estratégias retóricas. O artista desenvolve uma linguagem não mais pura, se não simplesmente mais direta e mais pobre (citando o escritor irlandês Samuel Becktett, ‘Me pus a escrever em francês com o desejo de me empobrecer ainda mais. Esse foi o verdadeiro motivo’) renunciando ao capital técnico e simbólico que a tradição acumulou em seu aparente benefício. Empenha-se em desaprender o aprendido, em regressar a essa obscuridade que foi seu ponto de partida e meio inicial. Os artistas incluídos nesta exposição dão conta deste processo partindo de um extremo ascetismo, da confrontação direta e da exposição brutal da condição social do artista. Se a arte é uma representação, estes artistas colocam em cena o que está por trás da cena. Se a arte é uma máquina, arrancam a couraça e nos mostram as suas engrenagens. Se é um corpo, expõem os músculos e os órgãos.”
Do conjunto das obras, todas elas absolutamente pertinentes e onde o corpo, o som e a palavra têm uma presença rara e excelente, são particularmente perturbantes pela sua grandeza: "Breath", uma peça de Samuel Beckett com 40 segundos de duração, aqui encenada por Daniela Thomas, “O Samba do crioulo doido” que trata da resistência do corpo da autoria de Luiz de Abreu ou o registo em vídeo da peça de Jerôme Bell sobre a bailarina em palco Véronique Doisneau, uma actualização cénica da vida do artista como trabalhador.
A Bienal do Mercosul é uma prova de que o Próximo Futuro passa por ali.
Inhotim - Centro de Arte Contemporânea - fica a uma hora e meia de carro de Belo Horizonte, junto à cidade de Brumadinho. A estrada que a ele conduz nem sempre é o que se esperaria de uma estrada que dá acesso a um dos mais inesperados e maravilhosos Museus de Arte - porque é disso que se trata - do Mundo. Inaugurou em 2004, aquando da Bienal de S.Paulo do mesmo ano, e entrou em regular funcionamento em 2006.
Abre a porta de John Ahearn e Rigoberto Torres
Trata-se da combinação de um Museu que, na verdade, se multiplica por vários museus, alguns dedicados a um só artista e a uma só obra, e instalações a céu aberto, com uma colecção botânica que já tem 3500 exemplares, num lugar acolhedor, aprazível, intelectualmente estimulante, sensorialmente único. Tendo apenas 4 anos de funcionamento normal é já uma referência mundial no universo das artes contemporâneas e na comunidade dos botânicos. O seu impacto decorre de quatro factores muito claros: uma organização e gestão do espaço exemplares, com serviços eficazes, um acolhimento fraternal, restaurantes de grande qualidade, um cuidado e um respeito invulgares pelo jardim e pelas obras expostas; uma relação de convivialidade com as comunidades em redor, traduzida no facto de Inhotim ser o grande empregador da região, de manter colaborações artísticas com as escolas e prestar serviços à comunidade na formação cívica ou no apoio à formação escolar dos jovens; o estabelecimento de uma relação de proximidade entre a natureza e a arte, para o que contribuíu o facto de o criador de Inhotim, o empresário Bernardo Paz, ter iniciado esta aventura em colaboração com o arquitecto paisagista Robert Burle Marx. A relação de proximidade entre o jardim, as suas formas e as suas espécies, com as obras de arte e a arquitectura dos espaços que as albergam, é de uma organicidade única; Finalmente, a qualidade das obras, a sua pertinência, a importância marcante para a história da arte dos artistas presentes e das obras escolhidas, fazem com que esta Colecção não seja uma mera acumulação de peças - o fetichismo mais comum do coleccionador -, mas se trate de uma escolha absolutamente personalizada do proprietário de Inhotim, que elegeu os seus artistas predilectos e os vai acompanhando através da encomenda, ou da aquisição de várias obras correspondendo a períodos ou a momentos fracturantes do percurso criativo dos "seus artistas".
Bailarina de Valeska Soares
É assim possível ver várias obras de Cildo Meireles, de Tunga, de Olafur Eliasson, os primeiros fundadores da arte contemporânea brasileira, como é possível ver espalhadas pelo jardim obras de Adriana Varejão, Valeska Soares, Doris Salcedo, Doug Aitken, Helio Oiticica, Jarbas Lopes e outros, num total de cerca de sessenta peças que estão, actualmente, expostas. Nenhuma parece estar a mais, nenhuma é pensável poder abandonar aquele local a partir de agora. A História do Brasil, na sua imensa riqueza, é tanto uma história de paradoxos como de acontecimentos imprevisíveis, onde a paixão e uma certa loucura vizinha da genialidade estão sempre presentes. Penso isto quando me lembro do empreendimento ciclópico que foi construir a Ópera em Manaus no séc. XIX, no meio da selva amazónica, para aí fazer cantar Caruso. Há algo deste desregramento criativo também em Inhotim. Que sorte têm os brasileiros e todos nós, que gostamos de arte e de jardins.
Hélio Oiticica
apr
Nunca uma capa sobre o Rio foi tão clara.
in Estado de S. Paulo, 25 de Outubro de 2009
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(in Beaux Arts, Outubro 2009)