A cultura griot no livro Medicin, de António Poppe
Published21 Jul 2015
Capa de Joana Fervença
A partir do livro de poesia Medicin, de António Poppe, pela editora Douda Correira, cuja capa é inspirada num estudo árabe de anatomia, Alexandra Lucas Coelho escreve sobre a tradição dos griots, presente no livro, que invoca também um dito do militar brasileiro Cândido Rondon, bisneto de indígenas.
1. Ouvir um livro antes de o ler, aconteceu antes de eu deixar Lisboa, no começo de Junho. É um livro feito para isso mesmo, ser dito, talvez cantado, como os griots fazem. A primeira vez que vi a palavra “griot” pensei numa criatura lendária, daquelas que os homens esculpiam nos templos ou à entrada das cidades, mas os griots existem em carne e osso até hoje. O pré-poema deste livro é uma definição de griot e diz assim:
Djeli, Griot: artesão da palavra. Guardião oral, oriundo Mandinga. Conciliante contador de histórias. Músico tocador de Kora que abrange tudo. Cadência que sara a voz criada. A fala do encontro.
2. Navegando pela rede, uma das explicações para a origem da palavra “griot” é a palavra portuguesa “criado”. A minha amiga Daniela Moreau confirma, e ela é o ponto de coincidência entre o livro que ouvi em Lisboa e este lugar onde agora o li, no interior de Minas Gerais. Não me tinha ocorrido ao trazê-lo, mas a Daniela passou os últimos anos mergulhada no mundo que os griots cantam e contam, guardando genealogias, herbários, antologias, a história da África ocidental. Então, quando abri o livro, ela abriu no ecrã do computador griots de há cem anos no Mali e no Senegal: por vezes em pé, por vezes sentados no chão, por vezes acompanhando um senhor, porque na tradição os griots eram os louvadores de um senhor, figuras da corte, embora sempre tenham existido griots itinerantes. Griots, resume Daniela, são louvadores, e também estarão no ensaio que ela se prepara para publicar no Brasil, resultado de anos de pesquisa sobre milhares de fotografias do francês François-Edmond Fortier (1862-1928), todo um caleidoscópio novo para o Mali e o Senegal durante a colonização francesa. Neste fim-de-mundo mineiro, que adoptei como oficina, Fortier é uma espécie de espírito da casa. Senta-se à mesa connosco e com os espíritos que vou trazendo, por exemplo, os que estão emmedicin. (assim mesmo, sem capitular e com ponto final), de António Poppe, o livro que ouvi antes de deixar Lisboa.
O artigo completo em O que vi seja amor