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Mia Couto sobre a paz em cerimónia de homenagem

Published3 Sep 2015

Tags mia couto doutoramento Honoris Causa

O escritor moçambicano Mia Couto foi distinguido, no passado dia 2 de Setembro, com atribuição do tíulo de Doutor Honoris Causa em Humanidades pela Universidade A Politécnica, em Maputo. No seu discurso, fez um apelo pela paz, num país que viu ressurgir o fantasma do regresso da guerra.

O LIVRO QUE ERA UMA CASA A CASA QUE ERA UM PAÍS

Todos os povos amam a Paz. Os que passaram por uma guerra sabem que não existe valor mais precioso. Sabem que a Paz é um outro nome da própria Vida. Vivemos desde há meses sob a permanente ameaça do regresso à guerra. Os que assim ameaçam devem saber que aquele que está a ser ameaçado não é apenas um governo. O ameaçado é todo um povo, toda uma nação.

Pode não ser este o momento, pode não ser este o lugar. Mas é preciso que os donos das armas escutem o seguinte: não nos usem, a nós, cidadãos de Paz, como um meio de troca. Não nos usem como carne para canhão. Diz o provérbio que “sob os pés dos elefantes quem sofre é o capim”. Mas nós não somos capim. Merecemos todo o respeito, merecemos viver sem medo. Quem quiser fazer política que faça política. Mas não aponte uma arma contra o futuro dos nossos filhos. É isto que queria dizer, antes de dizer qualquer outra coisa. 

Que me seja perdoado este empolgado introito. Que me seja perdoada a falta de etiqueta que deveria começar por saudar a presença do Presidente da República, o Presidente Jacinto Filipe Nyussi. Na verdade, Excelentíssimo Presidente, talvez eu tenha adiado esse momento porque um escritor não deveria nunca declarar-se sem palavras. Na verdade, sabendo da sua intensa e preciosa ocupação, eu não encontro palavras para lhe agradecer a honra da sua presença. 

O que quero dizer é saudar o seu apelo para repensarmos o modo como nos concebemos como povo e como nação. Queremos ser parte desse esforço, queremos aprender a ser um país que não exclui, um país plural e diverso. Queremos ajudar a construir uma nação que assume, sem medo, as suas diferenças. Esta nova atitude pode ser a cura para uma espécie de autismo de que vínhamos padecendo. Quero saudar a presença do Presidente Joaquim Chissano, é um prazer imenso reveê-lo. 

É difícil imaginar quanto, mesmo ouvindo, podemos ser surdos. Seletivamente surdos. Escutamos os que nos são próximos, escutamos os que nos obedecem, escutamos o que nos agrada ouvir. Escutamos os do nosso partido, escutamos sobretudo quem não nos critica. Tudo o resto não existe, tudo o resto é mentira, tudo o resto é calúnia. Tudo o resto é proferido pelos “outros”. E é quase um paradoxo: porque se ocupam páginas inteiras dos jornais a dizer que os “Outros” não devem ser ouvidos. Gastam-se horas de programação radiofónica e televisiva para dizer que os outros não disseram nada. Esses “outros” que querem questionar o que fazemos, esses outros são “estranhos”, a caminho mesmo de serem “estrangeiros”. A verdade, porém, é que ninguém pode anular a existência desses “outros”. Ninguém pode negar que são moçambicanos. Ninguém pode saber se têm razão se não deixarmos que falem livremente. Esta é a grande lição do Presidente Nyussi que entendeu reconciliar uma nação apartada de si mesma. É ele que nos lembra que esses que dizem “não”, são da mesma família dos que dizem “sim”. Esta é uma mesma família que dispõe de uma única casa. Não existe outro lugar, não existe outro destino senão este que dá pelo nome de Moçambique.

O discurso completo aqui

Mia Couto em entrevista: "Sou branco e africano"

Published17 Aug 2015

Tags mia couto Guerra Civil Moçambique Leão Cecil

Mia Couto, biólogo de profissão, e escritor moçambicano, este ano finalista do Man Booker Prize, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, falou da sua obra, da sua identidade, da memória da guerra civil e também e das questões de preservação levantadas pela polémica morte do leão Cecil. O mais recente romance do escritor, A Confissão da Leoa (Caminho, 2012) aborda a questão dos ataques de leões e  a actividade dos caçadores, pretexto para retratar a vida dos seres humanos em condições extremas.

We met before Cecil the lion’s death in Zimbabwe at the hands of a Minnesota dentist sparked global protests. From his home in the Mozambican capital,Maputo, Couto later told me that he hoped the case would spur conservation. Lions are “colonial icons of the ‘real’ Africa”, he says. “But many lesser-known species, entire habitats and ecosystems are vanishing. It’s an easy stereotype to blame indigenous poachers. But this case, of a North American hunter using a bow and arrow, reveals something very different.”

Lusophone Africa’s most successful writer, shortlisted for the Man Booker international prize earlier this year, Couto also runs a company that conducts environmental impact assessments (“I like to divide myself”), while writing for the press and for a Maputo theatre group, Mutumbela Gogo. His fiction is translated into more than 20 languages, with four novels published by Serpent’s Tail in the UK. In 2013, he won the €100,000 Camões prize for a writer in Portuguese, and the following year the $50,000 Neustadt – the “US Nobel”.

His first novel, Sleepwalking Land (1992), was named by African critics as one of the continent’s top dozen books of the 20th century. It traces the trauma ofMozambique’s civil war of 1977-92, which came on the heels of the liberation war and independence from Portugal in 1975. An orphan boy and an elderly man take refuge in a burned-out bus, reliving the life of one of its massacred passengers through his diary. Published in the year of the Rome peace accords, the novel has been adapted for the stage, and fundraising is under way for an operatic version with a libretto by the Swedish novelist Henning Mankell – who has a house in Maputo.

O texto completo, aqui

Malangatana e Moçambique por Mia Couto

O país chorou e, com verdade, Malangantana. Todos, povo, partidos, governo foram verdadeiros nador da despedida. Vale a pena perguntar, no entanto: fizemos-lhe em vida a celebração que ele tanto queria e merecia? Ou estamos reeditando o exercício de que somos especialistas: a homenagem póstuma? Quem tanto substitui pedir por conquistar acaba confundindo chorar por celebrar. E talvez o Mestre quisesse hoje menos lágrima e mais cor, mais conquista, mais celebração de uma utopia nova. Na verdade, Malangatana Valente Ngwenya produziu tanto em vida e produziu tanta vida que acabou ficando sem morte. Ele estará para sempre presente do lado da luz, do riso, do tempo. Este é um primeiro equívoco: Malangatana não tem sepultura. Nós não nos despedimos (continua).