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Teatro na última edição do Próximo Futuro

A última edição do Próximo Futuro tem uma programação marcada pelo teatro, com peças de Portugal, Argentina, Chile e Grécia. João Carneiro escreveu sobre as escolhas do programador António Pinto Ribeiro.


O silêncio do futuro

O teatro desta edição do Próximo Futuro, com ecos da América do Sul e de África, sugere hoje que pensemos no futuro próximo

TEXTO JOÃO CARNEIRO

O programa de teatro desta edição do Próximo Futuro inclui um espetáculo chamado "Chiflón, El Silencio Del Carbón". É uma adaptação do conto "El Chiflon del Diablo", do autor chileno Baldomero Lillo, e é apresentado pela companhia chilena Silencio Blanco. Tratase, em resumo, da história de uma mina que colapsa e de um mineiro que é despedido, e que vai procurar trabalho em Chiflón del Diablo, local de exploração mineira considerado altamente perigoso. As minas são de carvão. E o que está em causa, além dos sacrifícios de quem tem de trabalhar em terríveis condições para poder subsistir e manter a família, é a espera da mulher do mineiro. Voltará, não voltará? Já a "Odisseia" não é outra coisa, Penélope a esperar por Ulisses, e Ulisses a fazer tudo para regressar a casa e ver a mulher e o filho. Outra ideia me atravessou o espírito ao ler as notas sobre este espetáculo, a espera de uma menina que fica escondida num subterrâneo, no gueto de Varsóvia, enquanto a mãe vai trabalhar nas fábricas nazis.

Regressa, não regressa? O pai já tinha desaparecido, e um dia a mãe não regressa. Felizmente, a rapariga consegue salvar-se, tornou-se médica em França, e além de duas apaixonantes autobiografias investiga e escreve sobre a resistência no gueto de Varsóvia. E é uma pessoa maravilhosa, alegre e sociável. "Silencio Blanco" é uma companhia de marionetas, brancas, de papel, basicamente. É dirigida por Santiago Tobar e não usa palavras. Comunica por outros meios, e comunica de maneira extraordinariamente eficaz, como só a arte consegue fazê-lo. Nesta edição do Próximo Futuro apresenta ainda o espetáculo "De Papel", aconselhado também a quem ainda não se tenha transformado em pedra ou molusco. Há mais teatro, nesta edição. "El Loco y la Camisa", de Nelson Valente, também o encenador, pela companhia Banfield Ensamble, de Buenos Aires; "Vou lá Visitar Pastores", de Manuel Wiborg, a partir do livro com o mesmo nome, de Ruy Duarte de Carvalho, sobre os Kuvale, uma sociedade pastoril do sudoeste de Angola; e há "A Circularidade Do Quadrado", do grego Dimitris Dimitriadis, encenado por Dimitris Karantzas.

Os gregos, por esta via, tentam falar-nos sobre a família, o desejo de felicidade e as relações com outros, mesmo quando são ligeiramente diferentes de nós, assuntos que lhes são familiares, e a nós também deveriam ser. Esta edição do Próximo Futuro é a última deste programa, um modelo e um exemplo em si mesmo, que desde 2009 vem, ao longo de cada ano, refletindo sobre o estado do mundo atual, nas artes em geral, e no pensamento em geral, da filosofia à crítica, na teoria e na prática. Acabando, deixa-nos também à espera, como a mulher do mineiro, do que lá vem. O presente é sombrio, as perspetivas são más. Mas a arte e o pensamento são uma promessa de felicidade, a até a rapariga do gueto de Varsóvia conseguiu sobreviver.

João Carneiro, Expresso