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'tour dos trópicos', 'pensamento canibal': em Paraty (VI)

 

 Bike em Paraty

"Tour dos Trópicos": David Byrne (músico) e Eduardo Vasconcellos (urbanista)

O primeiro a falar foi o David Byrne que estava lançando o livro "Diários de bicicleta".

Ele como turista gosta de visitar os lugares de bicicleta porque pode ver e apreciar coisas que de outra forma não veria.

Acredita que nosso modelo atual de cidade isola as pessoas, e a cidade na verdade é um lugar de diversidade e troca.

Mostrou com algumas imagens de Frank Lloyd Wright, Le Corbusier e outros, a ideia de cidade do futuro no Século XX. Ela é cheia de 'highways', sem lugares para interação humana ou o encontro de pessoas. São cidades cheias de torres isoladas, acabando com as ruas, uma ideia bastante influente do século passado... 

A GM era durante todo esse período a maior corporação do mundo e apoiava as ideias de construção de largos 'boulevards' para muitos carros. Essa configuração é hostil para os pedestres e as cidades hoje são assim graças a essas influências.

As ruas menores tem um modelo mais caótico, pois as pessoas se encontram mais, e você nunca sabe com quem vai cruzar. Na Europa as coisas já estão mudando. Já existem cidades que tem no mesmo espaço em conjunto, bicicletas, carros e pedestres.

O Eduardo também defendeu a mudança na qualidade de vida das cidades. Mas aqui no Brasil elas vão ter que passar antes por um aumento da cidadania da população. As pessoas não conhecem seus direitos nem deveres para poderem lutar por melhores condições. Aqui quem vai a pé ou de 'bike' trabalhar é porque não tem dinheiro, fazem parte de uma classe de baixa renda.

No Brasil também ainda há o mito que todos preferem o automóvel, que faz parte da proposta desenvolvimentista dos anos 70. Assim as classes de renda mais alta, que têm um ou mais carros, ocupam mais espaço público e gastam mais recursos (energia) e poluem mais que as de renda baixa.

É preciso gerar conhecimento para gerar constrangimento ético, para que as pessoas usem mais o transporte público, a bicicleta ou andem a pé. Transformar esse espaço hoje hostil às pessoas e caminhar em direção a uma nova cidade.

A palestra do David Byrne foi bastante esperada, foi legal, mas as pessoas claramente esperavam mais, talvez que ele cantasse? 

Praça

'Pensamento Canibal': Eduardo Sterzi e João Cezar de Castro Rocha

Essa mesa faz parte da homenagem ao Oswald, e eles falaram dos desdobramentos da antropofagia depois de seu momento inicial em ‘22.

João Cezar foi primeiro a falar e colocou uma pergunta para depois tentar responder:

“A antropofagia define a sensibilidade do brasileiro (se tiver caráter histórico) ou é universal (questão antropológica)?”

A resposta é e não é. Porque ela tanto pode ser uma teoria sobre a alteridade cultural, quanto foi elaborada num período específico para atender a um problema específico. Foi escrita em São Paulo em 1928.

Uma das questões é que, para assumi-la como universal precisaríamos ainda ter que despir o Oswald de sua “brasilidade”. Por ainda não termos superado um complexo de colonizado, não a transformamos numa teoria universal.

No Manifesto detectamos aspectos locais (necessidade de nos atualizarmos em relação à Europa, a colonização portuguesa), e também aspectos universais.

Assim a antropofagia é de fato uma teoria cultural, mas uma teoria onde as circunstâncias são assimétricas. Ou seja, ela é acionada pelo dominado, por quem está na posição de desfavorecido, por nós e não pelos europeus. Preservamos uma capacidade de seleção, pois ainda precisamos recorrer à Europa, mesmo hoje.

Ressaltou que é preciso se reinventar a crítica cultural no Brasil, que se baseia num modelo de falsa dicotomia entre local versus universal que foi útil até à década de ‘60.

O Eduardo ressaltou que o Oswald é visto como um clássico e assim fica circunscrito a dois períodos de ‘22 e de ‘60. E ele escreveu a vida toda, se aprimorando, até morrer.

Mais que uma teoria da cultura, nos seus escritos tem teoria para tudo: economia, direito, estética, religião.

A ideia da antropofagia não é original e o Oswald também fala isso. Lembraram Catão, Rabelais e em 1919 Picabia com “canibal-dada”...

O que o Oswald fez foi alterar o fluxo das trocas culturais, usando como matéria-prima um conceito que transformou para criar uma teoria. O poeta antropófago só sente a alegria da influência.

Doces

Imagens e textos de Madame de Stael, correspondente em Paraty

Abertura da FLIP, de Paraty (I)

A primeira de uma série de breves reportagens sobre a mais recente edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Brasil), pela nossa correspondente em Paraty, Madame de Stael.

Conferência de Abertura... (Antonio Candido, José Miguel Wisnik)

Antonio Candido que foi muito amigo do Oswald de Andrade e 30 anos mais moço decidiu falar como ele era, ao invés de discutir aspectos da obra ou como ele revolucionou a maneira de pensar o Brasil.

Ele cita algumas razões pelas quais sua obra era difícil de ser conhecida naquela época.

E em primeiro lugar vem a sua personalidade extremamente poderosa, concentrando muita atenção sobre si.

Foi grande ativista cultural e sem ele e Mário de andrade o Modernismo Brasileiro não seria o que é.

Ele tinha uma perceção rápida e expressão sintética. Sua produção jornalística é de altíssima qualidade e era tão importante quanto o resto de sua obra.

A segunda razão é que em '36 por exemplo não haviam livros de Oswald publicados. Não haviam editoras e os próprios escritores tinham que custear sua produção, assim falava-se dele sem ter a obra para ler.

E terceira, ele era extremamente sensível a críticas. De temperamento forte, brigava com qualquer um que se atrevesse a falar mal dele. Assim não se escrevia sobre ele.

Porém assim como podia xingar muito alguém, também ao mesmo tempo elogiava o trabalho.

O que ele gostava era de brigar e desbrigar. Não era rancoroso. E vivia rodeado de gente, todos o adoravam.

O único que nunca mais voltou a falar com ele foi o Mário de Andrade e o Oswald sofreu por isso a vida toda.  Nevertheless os 2 se admiravam muito.

Por essas razões sua obra ficou na sombra.

Ele queria devorar o mundo, ver tudo e saber de tudo. Tinha extrema mobilidade de opiniões mas extrema constância  nas ideias. Sempre foi um inconformado.

Era muito bem educado atencioso, era só não brigar com ele.

Soube usar a arma do riso, que foi uma arma dos modernistas. Acabaram com a seriedade e mostraram que a alta literatura não é incompatível com a brincadeira.

Todo autor que se faz presente demais por sua personalidade, sua receção literária, renasce anos após sua morte. Hoje ele tem uma importância por ainda ser tão contemporâneo e foi muito reconhecido na geração seguinte.

Wisnik ressaltou os aspectos que fazem Oswald um escritor muito contemporâneo especialmente nos dias de hoje.

Os anos de ‘68 foram intensos. Ele – Wisnik  – nesse momento com 20 anos entrando na faculdade de filosofia em São Paulo, estava geograficamente no epicentro dos acontecimentos culturais mais marcantes. Essa foi sua formação.

Era o momento dos festivais de música popular, do “teatro oficina”, do tropicalismo. Os movimentos de arte todos estavam interligados: teatro, cinema, poesia, música e artes visuais e o Oswald ressoou em todas essas frentes.

A ideia da antropofagia que ele deu a entender era um modo de ser brasileiro. Mas não era o que pode ser entendido vulgarmente como devoração pela devoração, uma livre associação, e depois se vomita todas as informações... Como às vezes pode ser confundida a antropofagia.

Era sim uma decisão de rigor, com uma exigência de identidade para se criar algo novo e fresco. Com valor de reflexão e também provocação. Num critério seletivo do que é a cultura do Outro e que a nossa cultura se desloque nessa interação com a alteridade.

Por exemplo, no Manifesto Antropófago: se penso deveria ser para entender o Outro (não como Descartes “penso, logo existo”).

É se colocar diante do outro e estar interessado nele : o antropófago.

A cultura brasileira é feita dessa alteridade e na realidade nossa história de colonizado nos dá grande independência de pensamento.

Tomar para si algo do outro: esse é o mito antropofágico.