O mundo está a mudar
Published14 May 2010
Microfinança na Europa
O mundo está a mudar. Sempre esteve mas nunca tão rapidamente como nos últimos anos. À medida que a Índia e China mostram o caminho a países como o Brasil e a Rússia, o centro económico do mundo desloca-se em busca de novo equilíbrio. O crescimento económico nestes países é incrível e que não haja dúvidas – estão a investir em educação.
Escrevo estas linhas em Hyderabad, Índia, onde aulas de preparação para o GMAT são anunciadas em painéis publicitários outdoor ou em vulgares táxis. Passo por livrarias de rua e encontro cópias dos grandes êxitos dos gurus de gestão, marketing e estratégia a preço de saldo.
O mundo está a mudar.
Tudo isto resulta num novo paradigma para a velha Europa em geral e Portugal em particular. Se chamamos a alguns países “emergentes”, será que devemos chamar ao nosso “submergente”?
Assistimos a uma desindustrialização em fast-forward, o desemprego bate recordes e o espectro da agitação social paira por perto. Neste contexto de desemprego e urgência económica e social, o apoio a pequenos empreendedores que procurem desenvolver o seu próprio emprego reveste-se de uma importância acrescida. A experiência de países como a França mostra que custa muito menos apoiar um pequeno empreendedor a desenvolver o seu próprio emprego do que pagar subsídios de desemprego.
Alguns bancos entenderam esta realidade e estão a tentar superar as dificuldades do passado, implementando, com sucesso e rentabilidade, programas de microcrédito. A rentabilidade irá fazer as operações sustentáveis e só assim replicáveis a uma escala que possa ter real impacto na sociedade.
Os resultados serão bons para os bancos e para a sociedade em geral e estudos recentes mostram uma correlação clara e positiva entre o desenvolvimento e maturidade das políticas de responsabilidade social e o desempenho financeiro.
Mas o que é a microfinança e o microcrédito?
Microfinança é a designação usada para descrever a extensão de serviços financeiros a pessoas excluídas do sistema bancário. Os clientes típicos são pessoas desempregadas e/ou de baixo rendimento e start-ups de microempresas, e os serviços mais comuns são crédito (o chamado microcrédito), seguros e poupanças. Mas a microfinança também pode oferecer, por exemplo, oportunidades de investimento.
No que toca ao crédito, os empréstimos são tradicionalmente muito pequenos. “Pequeno”, no entanto tem significados diferentes em diferentes partes do mundo. Na Índia, por exemplo, um pequeno empréstimo ronda os 75€ e pode ir até um máximo de 500€ para clientes antigos com reputação bem firmada. Na União Europeia ou Estados Unidos (sim, o Grameen Bank – Instituição de Microfinança do famoso Muhamad Yunos já tem uma subsidiária em Nova Iorque!) a média é de 5.000€ e pode chegar aos 25.000€.
Na Índia, como no modelo Grameen original, a maioria do crédito é concedido a grupos que partilham entre eles o risco individual (o chamado colateral social). Em Portugal, no entanto, quem se tem aventurado na promoção do microcrédito sempre achou que a nossa postura mais individualista não se adaptaria ao colateral social e como tal a aposta tem recaído invariavelmente sobre os empréstimos individuais – muito mais difíceis e demorados de avaliar.
Microfinança na Europa e a actual situação económico-social
Com a transferência da indústria para o “oriente” assistimos, no “ocidente”, a um acréscimo da importância dos sectores terciário e quaternário. Isto significa o fim do emprego não especializado para todos trazendo assim um crescimento do desemprego.
A microfinança está atrasada na Europa onde o emprego estava largamente assegurado desde a revolução industrial. No entanto, com a escalada do desemprego e à medida que os bancos se tornam mais restritivos na atribuição de crédito, é de esperar que aumente o número de pessoas em situações de vulnerabilidade e em risco de exclusão, tornando-se assim a microfinança uma ferramenta cada vez mais importante. Aliás, é com particular interesse que vejo já alguns bancos “tradicionais” a olhar para a microfinança. O tempo se encarregará de mostrar quais são os que têm intenções genuínas e quais os que apenas querem usar uma imagem de bom samaritano. Pessoalmente tenho já as minhas suspeitas, mas não digo!
Renato Braz
Consultor em Desenvolvimento Sustentável