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"Chegar atrasado à própria pele"

Published12 Jan 2015

Imagem: Koto Bolofo 

Djaimilia Pereira de Almeida (Luanda, 1982) estudou Teoria da Literatura na Universidade de Lisboa. Em 2013, foi uma das vencedoras do Prémio de Ensaísmo Serrote, da revista serrote do Instituto Moreira Salles. No texto divulgado agora no site Buala,  originalmente publicado em Forma de Vida, nº 5, reflecte sobre a consciência da sua negritude, a partir de um episódio com o irmão que, então com cinco anos, descobriu que eram 'diferentes'.  

O meu irmão branco descobriu que éramos de raças diferentes, no jardim-de-infância, aos cinco anos. Chegou a casa de beicinho por eu nunca lho ter contado, dizendo-me «tu afinal és preta e nunca me disseste». Nunca me ocorrera dizer-lhe. Sempre pensei nesta anedota como na descoberta por ele da minha raça e não como na descoberta dele de alguma coisa sobre si mesmo, apesar de a memória do seu desconsolo com a revelação inesperada se confundir retrospectivamente com o seu reconhecimento de que me tinha falhado de algum modo.

(...)

No episódio do meu irmão, a noção de raça relacionava-se com uma questão de aspecto, de que ele nunca se apercebera. Porém é possível que cheguemos atrasados à nossa raça, como alguém que apenas quando está irreconhecível se apercebe de que de facto envelheceu. Tal como descobrir que se envelheceu, descobrir que se é negro pode não equivaler a descobrirmos seja o que for sobre o nosso aspecto. É neste sentido de um racismo inqualificável afirmar que é para cada um auto-evidente a raça a que pertence, independentemente de vivermos num mundo em que todos parecem ter a certeza absoluta de como se distinguem etnias e culturas.

A descoberta do meu irmão parece descrever uma possibilidade de justiça desejável, a de darmos com o que somos como uma surpresa imprevista, qualquer coisa que nunca havíamos antecipado, como se a sua experiência primordial fosse desejável enquanto princípio social e enquanto uma forma de epifania, e não simplesmente como um resultado do convívio com os outros. O equivalente político da sua perplexidade parece ser o ideal de legislarmos a partir do esquecimento das diferenças que nos distinguem dos outros — um princípio de igualdade de aplicabilidade complexa; e ainda um princípio de justiça quotidiana segundo o qual ajuizamos sobre os outros a partir do esquecimento de tais diferenças. E, no entanto, no teatro privado de cada um, tal carreira de esquecimento representa a possibilidade retrospectivamente lamentável de, ao chegarmos atrasados à nossa raça, chegarmos atrasados a qualquer coisa de essencial sobre nós mesmos.

O texto completo, em Chegar atrasado à própria pele